Padre João Marques Guimarães, entre milagres e cuidados
Por Danilo Souza Ferreira
Em agosto de 1957, o escritor Guimarães Rosa, no texto Aí está Minas: a mineiridade afirma que “Minas é a montanha, montanhas, o espaço erguido, a constante emergência, a verticalidade esconsa, o esforço estático; a suspensa região — que se escala. Atrás de muralhas, caminhos retorcidos, ela começa, como um desafio de serenidade. (ROSA,1957, p. 8).
Nesses caminhos de montanhas que é Minas Gerais, descrito por Guimarães Rosa, muitos homens e mulheres peregrinam e deixam seus registros e suas memórias, entre esses personagens se encontra o o Padre João Marques Guimarães, de quem convido os leitores a conhecer a história.
Conhecer um pouco do padre mineiro João Marques Guimarães nos permitirá lançar luzes e aprofundar aspectos de sua vida, mas também falar da cidade de São Gonçalo do Rio Abaixo, pois a cidade é feita das relações entre as pessoas que a compõem e que se relacionam umas com as outras, compartilhando histórias, lendas e festas religiosas.
Entre as festas religiosas foi incluído no calendário o dia 1 de março na cidade do interior de São Gonçalo do Rio Abaixo, como data da religiosidade popular. A escolha dessa data no ano de 1999 adveio da comemoração do aniversário do cônego João José Marques Guimarães, de quem o repórter Alberico de Souza Cruz na revista Fatos e Fotos, na edição de 25/01/1968, apresenta na manchete: São Gonçalo tem dois mil habitantes e um Santo.
Nascido em Morro Vermelho, município de Caeté, filho de Antônio Evangelista Marques Guimarães e Elisa Carolina Guimarães, sendo a sua família composta por dez irmãos, três mulheres e sete homens, dos quais seis se tornaram padres, o sétimo filho não assumiu a vocação porque morreu ainda menino. Por esse fato peculiar de tantos filhos religiosos, o pai do padre João recebeu a alta insígnia de comendador da Igreja Católica em 14 de novembro de 1932, assinado pelo cardeal Pacelli, que mais tarde se tornaria Papa Pio XII.
Apesar de ter passado em seus caminhos por outras cidades como Mariana, onde estudou no Seminário de Nossa Senhora da Boa Morte e foi ordenado por Dom Silvério Gomes Pimenta, em 07 de agosto de 1921, sendo logo depois nomeado para atuar Santa Bárbara em 1923, foi no distrito da estrada de terra de São Gonçalo, que marca definitivamente a história e a cultura do povo dessa cidade, através dos costumes religiosos e da música.
Em 29 de janeiro de 1936, o jornalista Azeredo Neto descreve o anteriormente distrito de São Gonçalo do Rio Abaixo, como outras do sertão mineiro que tendo como sua marca fundante do seu nascimento o trabalho rural, a mineração e o acolhimento do visitantes :“São Gonçalo do Rio Abaixo, próspero distrito de adiantado município (...) situado em formoso vale de terras ubérrimas e clima delicioso, tendo a banhá-lo em lindíssimas curvas o rio Santa Bárbara, o arraial de que ora nos ocupamos, tem vida própria, oriunda da intensidade da vida agrícola do distrito, que possui magníficas fazendas (...) eis os traços ligeiros o que o arraial de São Gonçalo, que conta ainda em seu seio uma preciosa riqueza o ouro.”(NETO,1936, p.15)
(arquivo centro cultural) Padre João
Assumindo a paróquia em agosto de 1924, o padre João encontrou uma cidade que pouco se transformou da descrição de Azeredo Neto, a cidade de São Gonçalo do Rio Abaixo, que tinha uma única rua central e cortada por ruas de terra, em que tinham um bar central e a pensão da Dona Jovem, que oferecia 12 quartos aos raros visitantes, recebe a visita de jornalistas advindos da capital Belo Horizonte em 1960, que chegam com suas câmeras e carros. Mas, qual o motivo o que atraía esses profissionais a cidade?
A resposta é um homem pequeno, de rosto severo, vestido de batina preta e chapéu, que havia sido designado para assumir as funções de pároco do vilarejo de São Gonçalo do Rio Abaixo e onde ditou costumes, ministrou aulas e sempre afirmando que era apenas um veículo de Deus, sendo um meio para o qual os menos favorecidos encontram respostas e acolhimento.
Podemos encontrar testemunhos desse acolhimento no segundo livro de tombo da paróquia da cidade, estando registrados os fatos milagrosos atribuídos ao religioso como: em 1942, onde uma peste de febre amarela estava dizimando o povo da região. Foi quando após a inauguração do coreto da Matriz, padre João deu uma benção especial e a partir daquele momento os doentes começaram a se levantar de suas camas e o número de mortos caiu abruptamente.
Outro testemunho marcante ocorreu pelo único dentista da cidade na época de 1968, o Dr. Ítalo Moreira, que naquela época havia sofrido de uma doença no estômago, eliminando muito sangue continuamente e sem esperança de cura, procurou o padre João, que ao visitá-lo em casa disse: “Vou rezar a missa agora, na hora da consagração vou pedir a Jesus e a Nossa Senhora de Lourdes e você será curado”. A partir daquele momento, o Dr. Ítalo não sofreu mais nada em relação ao problema.
Atraídos por esses relatos que a revista “Fatos e Fotos”, de circulação nacional, vem ao distrito e descreve a região: “Distante 84 quilômetros de Belo Horizonte, à beira da estrada asfaltada que conduz a Ipatinga, em São Gonçalo do Rio Abaixo não existe uma só pessoa, entre os familiares dos dois mil habitantes, que não tenha sido beneficiada com um milagre do padre João. Há 43 anos ali radicado, o sacerdote tem sua vida cantada por todos da região e agora, pelos de mais distantes, que buscam o cessar de seus sofrimentos, naquele vai e veem diário de carros, caminhões, ônibus e até cavalos. Aos 78 anos de idade, há mais de vinte, lhe são atribuídas bênçãos milagrosas que curam desde simples dores de dente até hemorragias em doentes desenganados pelos doutores. ” (Fatos e Fotos, 1985, p.18)
Por fim, trazemos a memória de Padre João José Marques Guimarães sobre o nosso presente, em plena pandemia e sofrendo pelas polarizações de um mundo dividido. Padre João se apresenta como precursor de um Brasil, em que a memória de Antônio Vicente Mendes Maciel, mais conhecido na história do Brasil como Antônio Conselheiro em Canudos na Bahia ou de Cícero Romão Batista o famoso Padim Ciço, se faz necessária, pois foram homens que ao se permitirem olhar para o povo e no contato com eles, permitem entender o valor do cuidado e da escuta e por isso ficaram na memória caridosa e carinhosa daqueles que conviveram com eles, que nesse período de pandemia sejam exemplos da nossa postura com o mundo e com nossos irmãos.