Cada pessoa sente a dor de uma maneira singular. Essa dor é efeito de suas vivências, de certos contextos, de sua história, sua personalidade, seu momento, assim, cada um vai imprimindo a sua marca, e inscrevendo-a como única. Ninguém poderá sentir a mesma dor, por mais que outras pessoas já tenham sofrido sob contextos parecidos, cada dor é pessoal.
É por isso também que jamais devemos colocar hierarquias no sofrimento das pessoas. Todo sofrimento merece atenção e cuidado. Nenhuma dor é maior do que outra.
É nesse sentido que é preciso que essa dor possa ser ouvida, nomeada, pois uma dor desconhecida é capaz de gerar ainda mais danos psíquicos ao sujeito. Toda tristeza tem função. Se ousarmos tapá-la com medicamentos (nem tudo precisa ser medicado) ou quaisquer outras alternativas que apenas mascaram o que precisa de atenção, jamais saberemos o que, como, aonde e o porquê dói. “A dor precisa ser sentida”, já dizia um trecho do livro e filme que ficou conhecido mundialmente: “A culpa é das estrelas”.
Uma dor sem nome pode causar devastações e levar o sujeito a repetir comportamentos (algumas vezes) de maneira compulsiva. É sempre melhor uma dor conhecida que já se “domesticou” com o tempo e a ela foi atribuída alguma espécie de controle, do que uma dor que não se sabe de onde vem. Essa é mais perigosa, já que acessá-la requer certa submissão e invasão, por isso muitas vezes fingimos ser falsa a dor que de fato sentimos.
Cabe ao psicanalista, e/ou psicólogo poder abrir um espaço de escuta para que o sujeito possa dizer do que sofre. Longe de atribuir significados ou de “fechar diagnósticos” uma psicoterapia ou uma análise (termo utilizado por psicanalistas), deve ouvir o que aquela dor diz ao próprio sujeito. O saber não está do lado do psicólogo/psicanalista, mas do próprio sujeito que poderá se ouvir quando começar a dizer do quê sofre.
Uma dor sempre tem algo a dizer, e às vezes, sua insistência é tamanha em ser ouvida, que ela ultrapassa o terreno psíquico e se esparrama pelo espaço físico. A palavra, ainda e sempre, é o melhor caminho para curar-se do que dói.
Afinal, o que a sua dor tem a dizer sobre você?
Encerro esse texto citando dois poemas de um poeta que muito escreveu sobre a dor buscando através da poesia aquilo que nos escapa, assim como temos nele a marca do estranhamento do ser: Fernando Pessoa.
“O mistério da vida dói-nos e apavora-nos de muitos modos (...) Mas este horror que hoje me anula é menos nobre e mais roedor. É uma vontade de não querer ter pensamentos, um desejo de nunca ter sido nada, um desespero consciente de todas as células do corpo e alma. É o sentimento de estar enclausurado numa cela infinita. Para onde pensar em fugir, se só a cela é tudo?. (FERNANDO PESSOA – Bernardo Soares, Livro do Desassossego)
Um de seus últimos poemas antes de morrer:
Há doenças piores que as doenças,
Há dores que não doem, nem na alma
Mas que são dolorosas mais que as outras.
Há angústias sonhadas mais reais
Que as que a vida nos traz, há sensações
Sentidas só com imaginá-las
Que são mais nossas do que a própria vida.
Há tanta coisa que, sem existir,
Existe, existe demoradamente,
E demoradamente é nossa e nós...
Por sobre o verde turvo do amplo rio
Os circunflexos brancos das gaivotas...
Por sobre a alma o adejar inútil
Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.
(Fernando Pessoa, “Há doenças piores que as doenças” - 19/11/1935)