O peso do pensar
É preciso nos vermos como problemas, e não só enquanto soluções. É cômodo nos vermos sempre do lado dos mocinhos em luta contra os vilões. Todavia, esse simplismo maniqueísta é geralmente resultado de uma preguiça mental.
Somos também responsáveis por parte dos problemas do mundo e somos “Zé Ninguéns”, como questionava acidamente Wilhelm Reich em “Escuta, Zé Ninguém!”. Este indivíduo, que é um “ninguém”, é responsável por perpetuar tudo o que há de deplorável no mundo, como fofocas e o fascismo. A real luta ética é o combate a esse “ninguém” que quer se passar por “alguém”. Vamos à denúncia de Reich:
Eu sei que não és apenas medíocre, Zé Ninguém. Sei que também tens as tuas grandes horas na vida, momentos de “júbilo” e “exaltação”, de “voo”. Mas falta-te a coragem para subir cada vez mais alto, para manter a tua própria exaltação. Tens medo de altos voos, medo da altura e da profundidade. Nietzsche já te disse isto muito melhor, há muitos anos já. Só que não te disse porque é que és assim. Tentou transformar-te num super-homem, um Übermensch que superasse o que tens de humano. O Übermensch tornou-se “Führer Hitler”. Tu permaneceste Üntermensch. Eu gostaria apenas que fosses tu próprio. Tu próprio, em vez do jornal que lês ou da balofa opinião do vizinho. Sei que não sabes o que és e como és em profundidade. Sei que em profundidade és como o animal acossado, como o teu próprio Deus, como o poeta ou o sábio. Mas crês ser o membro da Legião ou do teu clube ou da Ku Klux Klan. E como crês sê-lo, ages em consequência. Também isto já foi dito por outros: Heinrich Mann, na Alemanha, há vinte e cinco anos, Upton Sinclair, Dos Passos e outros, nos Estados Unidos. Só conheces os campeões de boxe e Al Capone. Se tivesses de escolher entre o ambiente de uma biblioteca e o de uma taberna, escolhias o da taberna (REICH, 1977, p. 36).
Quem escreve um texto de modo preguiçoso, aponta soluções apressadas e traz inúmeros clichês está a deixar que o “ninguém” cresça. É preciso dar um salto qualitativo. É preciso ter em vista que a atividade do pensar é penosa e que sem muitas leituras e dúvidas é impensável um pensamento que tenha valor.
A imprevisibilidade é a mãe de um pensamento que vá além do “ninguém”, pois ela rejeita gritos de guerra e caixas conceituais. Não é possível uma vinculação cega a um ou outro grupo, até porque ambos os lados estão repletos do problemático “ninguém”. A imprevisibilidade é rica, já a previsibilidade tende a ser precária. Como pode um pensamento que se diz crítico ser pobre? Impossível, até porque é ser previsível (demais).
REICH, Wilhelm. Escuta, Zé Ninguém! Trad. por Maria de Fátima Bivar. São Paulo: Martins Fontes, 1977.
Dr. Felipe Figueira
Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.