O assento ou a loucura nossa de cada dia
Ouvi esses dias uma teoria que diz que estamos todos enlouquecendo e não estamos notando.
Na última semana vimos que, se não está plenamente comprovada, a prática não está tão longe da teoria assim.
Iniciamos dezembro, último mês de 2024, Natal se aproximando, governo apresentando pacote de ajuste fiscal, dólar nas alturas, chegando a sua maior cotação na história, guerras continuando, acordo Mercosul União Europeia avançando, entre tantos outros acontecimentos importantes. Contudo, o assunto mais discutido, debatido e, claro, objeto de memes foi se a jovem mulher deveria ou não ter cedido o seu assento para a criança que estava aos berros e prantos.
E a insanidade coletiva se mostra presente quando um evento comum e rotineiro tomou proporções extraordinárias e virou um debate nacional, com opiniões abalizadas a favor e contra a postura da mulher.
E a realidade passa a ser somente uma palavra de nove letras sem qualquer significado quando conceitos, princípios, cultura e educação são relegados a segundo plano em detrimento de ideologias, atitudes coercitivas, achismos e suposições, tudo em um mundo virtual que amplifica e torna célebres pessoas anônimas que, em muitos casos, nem sabe o porquê.
Quantos de nós, diariamente, em coletivos, ônibus de viagem, aviões, trens, barcos, navios, não cedemos nossos lugares para que famílias, namorados, amigos fiquem próximos uns dos outros durante o percurso? E quantos de nós nos negamos a realizar a troca ou cessão do lugar?
Podemos ceder ou trocar? Podemos. Devemos? Obviamente que não, ainda mais quando pagamos por aquele assento ou banco, ainda que seja no mesmo valor ou até mais barato do que aquele que nos é oferecido.
A mulher, dentre as opções apresentadas, decidiu não ceder seu lugar. E foi nesse momento que a loucura coletiva se apresentou e foi tomando cada vez mais vulto.
Ao não concordar em trocar de lugar, seja por qual motivo seja, não ceder a birra da criança, gostar do assento, pensar que não era certo já que se organizou e planejou a viagem com antecedência e por conta disso escolheu o disputado lugar, ou seja, tão somente resolveu exercer seu direito de permanecer onde estava, passou a ser objeto de julgamento público e exposição.
A mãe, ao invés de aproveitar o momento para educar o filho, explicando que a pessoa não tinha obrigação de ceder o lugar pois tinha pago ou até mesmo chegado antes ao aeroporto e escolhido o assento, passou a apoiar a conduta do filho, questionando a postura da mulher, inclusive mediante chantagem emocional.
Porém, a insanidade coletiva tal qual as redes sociais é uma faca que corta em ambas as direções. Ao postar o vídeo, a criança foi exposta como sendo alguém mimado, sem limites, fruto de uma educação baseada em certos conceitos, a si mesma como uma mãe que não tem autoridade em relação ao filho e não respeita as pessoas para realizar a vontade da criança.
Ao mesmo tempo, foi ridicularizada e talvez cancelada, situações estas que objetivava acontecer a mulher sem empatia. Esta, por sua vez, passou a representar o exemplo de inteligência e maturidade emocional, autocontrole e do nada um milhão e meio de pessoas passaram a segui-la nas redes sociais.
Diante de tudo isso, devemos nos perguntar:
Somos normais ao exigir que alguém saia do lugar que adquiriu? Somos normais quando, ao sermos rejeitados ou frustrados, expor a outra pessoa em redes sociais, buscando denegrir a sua imagem em troca de validação de pessoas que sequer conhecemos?
Estamos em nosso juízo perfeito quando, por um fato isolado, elevamos ou rebaixamos uma pessoa como exemplo de qualidades ou defeitos que buscamos ter ou evitar? Estamos em nosso juízo perfeito quando uma situação comum tem repercussão a ponto de ser discutida em redes sociais, bares, programas de TV?
Estamos em nosso juízo perfeito quando, por gostarmos de um instantâneo da vida de alguém, passamos a segui-la em redes sociais sem sabermos qual a rotina, pensamentos, comportamentos etc? Estamos em nosso juízo perfeito quando perdemos alguns minutos do nosso dia debatendo, vendo ou criando memes ou vídeos sobre o assunto, ou ainda escrevendo textos como este?
Por tudo isso, acredito que a teoria de que estamos todos enlouquecendo sem se dar conta é muito real, isso se já não estamos loucos sem saber.