Nietzsche e a vocação
A primeira coordenadora pedagógica que tive enquanto docente se chamava Nara. Ela era uma experiente professora com mais de quarenta anos de carreira. Uma de suas expressões jocosas era que tinha aluno que tinha chegado ao ensino médio por acaso. Nas palavras da professora: “está aqui porque chegou”. Sempre gostei de dizer isso a quem se apresentava sem propósitos a mim, especialmente quando o assunto era vestibular.
É preciso que a pessoa descubra a sua vocação, no sentido literal de chamado, e a ele responda. Do contrário, a pessoa falará sozinha, sem nada em seu interior a responder. Tal processo tem a ver com autoconhecimento e também com cuidado de si, pois a pessoa precisa tanto conhecer os próprios gostos e aptidões quanto zelar por si como um todo. A vida presta contas da vida.
Acerca dos assuntos deste texto, Nietzsche, enquanto professor, também se ocupou. Em sua obra “Da utilidade e desvantagem da história para a vida”, o filósofo se preocupou com a casualidade das escolhas, com uma possível arbitrariedade e neutralidade das decisões. Decidir é afirmar-se, logo, não é algo que venha ou que deve vir sem força. Vale a pena ler as palavras de Nietzsche:
Suponhamos que alguém se ocupe com Demócrito, então, a pergunta sempre fica para mim na ponta da língua: Por que não Heráclito? Ou Filon? Ou Bacon? Ou Descartes? – e assim por diante, arbitrariamente. E, então: por que justamente um filósofo? Por que não um poeta, um orador? E: por que em geral um grego, por que não um inglês, um turco? O passado não é grande o suficiente para encontrar algo em que vós não vos apresentais de maneira tão risivelmente arbitrária? Mas, como dissemos, trata-se de uma geração de eunucos; para o eunuco, uma mulher é como qualquer outra, justamente apenas mulher, a mulher em si, o eternamente inatingível – e, com isto, é indiferente o que vos impulsiona, contanto que a própria história permaneça bela e “objetivamente” conservada, especialmente por aqueles que nunca podem fazer história por si mesmos. E como o eterno feminino nunca vos atrairá para si, vós o rebaixais até vós, e tomai, como neutros, a história como algo neutro. (NIETZSCHE, 2003, p. 45-46).
Logo se vê que há pessoas que levam a vida conforme o vento a leva. Falta força, uma postura afirmativa. A professora Nara dizia “está aqui porque chegou”. Nesse sentido, Nietzsche não deixa de ser um iluminista, pois aspira por autonomia e deseja que as pessoas tomem as rédeas da própria vida: esse é o sentido de seu “projeto educacional”. Tal projeto não deixa de ser também o de todos os educadores, posto que o sentido da educação é a emancipação.
Dr. Felipe Figueira
Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.