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“Melhor morrer de vodka do que de tédio”


Por: Simony Ornellas Thomazini
Data: 07/06/2019
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Certo dia deparei-me com esta frase de Vladimir Maiakósvski, um poeta russo e pensei: “Essa frase daria um ótimo tema para minha coluna”, e eis que é sobre ela que iremos discutir hoje.

O trecho me remeteu a inúmeras reflexões que irei descrever a seguir.  

A primeira delas é que associar morte e ingestão de álcool nos transmite uma mensagem de nossa luta diária contra o sofrimento. Para não sofrer de tédio a vodka seria uma saída, uma vez em que todos morrem um dia, por que não morrer com aquilo que dá prazer?

A segunda reflexão é fundamentada em Freud (1930) e sua obra “Mal-estar na cultura” quando diz que cada um de nós busca a felicidade de uma determinada maneira. O grande problema é que a felicidade, de acordo com ele, possui duas metas: uma positiva e outra negativa.

Por um lado teríamos a ausência do sofrimento e de desprazer, e, por outro, a busca por experiências intensas de prazer. Sendo assim, o homem busca realizar um ou outro desses objetivos.

Isso significa dizer que - voltando a frase do poeta russo - ou a gente acaba com o tédio ou nos entregamos a vodka. Só não é possível seguir pelos dois caminhos ao mesmo tempo.

A terceira reflexão é o que me fez pensar a respeito do lugar que o prazer tem ocupado em nossa sociedade. Alguns lemas conhecidos como: “Viva cada dia como se fosse o último” “é melhor se arrepender do que fez do que não fez” nos dá a ideia de uma vida rasa e superficial.

E digo isso porque agindo dessa forma estamos simplificando a nossa vida em mera satisfação dos impulsos. E a vida é muito maior do que isso. Não é?

Questões como essa nos remetem a forma como nossos avós viviam. Se antes eles eram constantemente reprimidos por não poderem satisfazer seus impulsos, hoje sofremos com essas exigências que nos atravessam quase como obrigações. 

Se você não agir, é um covarde!  Está descontente no trabalho? Demita-se

Quer se divertir? Beba!

E seguimos doentes e cansados, e ainda assim, apesar de toda essa “intensidade”, insatisfeitos.

 Isso nos faz pensar que impulso é sinônimo de superficialidade. Ora, para agir não é preciso pensar, e está aí um dos grandes problemas vivenciados pelas pessoas hoje. O que me leva a quarta reflexão. 

Hoje, os inúmeros discursos motivacionais de muitos líderes, palestrantes e até mesmo figuras religiosas, dão enorme ênfase ao agir no lugar do pensar.

São sempre no imperativo os seus discursos. “Faça!”, “Seja!”, “Tenha mais atitude”. Ou ainda é um discurso ainda mais raso pautado na ideia de que “tudo vai dar certo” “é só ter fé”. A ação sem pensamento é tão vazia e superficial quanto o tal do “pensamento positivo”.

Deixando claro que não faço menção a qualquer religião, e tudo bem se você tem fé, o problema é quando você acha que isso basta. E aprendemos isso durante a vida. Não basta ter fé ou pensamento positivo! 

Freud também tem uma frase em que diz: “O pensamento é o ensaio da ação”. Porém, é justamente o oposto o que mais vemos hoje. É só depois de agir é que se pensa nas consequências. Assim, a ação passa a ser o ensaio do pensamento.

Nesse sentido, podemos dizer metaforicamente que agir impulsivamente é vodka e pensar é tédio.

Essa associação faz alusão ao que temos vivido hoje. É preciso correr constantemente e agir incessantemente para podermos nos enquadrar aos ideiais impostos. Como consequência disso, tornamos reféns de atuações que no fim, podem nos levar a um colapso.

Com isso, morremos de vodka porque não suportamos o tédio, a falta e o vazio, mas aplaudimos os excessos e a superficialidade.

E pra encerrar essa série de reflexões, morremos de vodka quando tentamos resolver tudo de forma rápida e indolor, porque não podemos ser vistos pelas pessoas como “fracos” ou “tristes”. 

A consequência disso são pessoas superficiais e otimistas demais acreditando que nenhum mal pode lhe acontecer. 

No final, nem sempre pode dar tudo certo, como pregam os discursos motivacionais. E negar o nosso lado humano, isto é, como seres que sofrem, negamos que sim, podemos morrer de vodka. 

 

Simony Ornellas Thomazini é Pedagoga com especialização em Psicopedagogia Institucional e Clínica; Psicóloga. Atua como psicóloga no CRAS - Centro de Referência da Assistência Social de Uniflor, e psicanalista na Fênix Desenvolvimento Humano.

Simony Ornellas Thomazini


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