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“Eu penso contra eu mesmo”


Por: Simony Ornellas Thomazini
Data: 16/04/2019
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Quantas vezes você agiu de maneira ‘estranha’ e arbitrária a si mesmo? Quantas vezes se autodepreciou, ou se puniu por determinadas atitudes? Quantas vezes pensou contra si mesmo? A isso que nos parece como um regulador, organizador, um representante da lei (possibilitando uma articulação de parte do nosso mundo interno com o mundo externo), muitas vezes chamado também de tirano, sádico, é segundo a psicanálise: supereu ou superego.

Assim, o próprio Freud no texto: “O mal estar na civilização” (1930) nos disse que as exigências superegóicas não tem fim, e quanto mais se tenta livrar-se delas, mais rigorosas elas ficam. O movimento do supereu no nosso aparelho psíquico age exatamente dessa forma, isto é, quanto mais tenta-se livrar-se da culpa, mais culpado se sente, quanto mais tentamos nos livrar de algo, mais impelidos estamos a sentir que precisamos de mais e mais coisas para evitar o mal estar. Isso acontece porque, segundo Freud, nosso eu encontra-se numa posição masoquista em relação ao supereu. Nesse sentido, o mesmo apareceria como sádico. 

Podemos perceber a ação desse “supereu” segundo a psicanalista Ana Suy,  também em outro ditos e queixas cotidianas que comumente ouvimos na clínica, tais como: “sou exigente demais comigo mesma”, “Acho que estou me boicotando”, “Preciso me amar mais, está faltando amor-próprio”. “Consigo perdoar os outros com mais facilidade do que a mim mesma”, dentre outros. O resultado da atuação do supereu no psiquismo é uma culpa que o sujeito não consegue se livrar, por mais que tente. E ainda que ela não seja manifestada conscientemente, pode ser observada nos atos normalmente depreciativos causando sofrimento ao sujeito. Em alguns casos ainda, há aqueles que sabem não ser culpados racionalmente, mas sentem como se fossem, porém, isso não os liberta do sofrimento, pelo contrário.

Diante dessas exigências superegóicas que não tem fim, age-se sempre na direção oposta ao que se deseja, e aqui, estamos diante da clínica dos excessos, por exemplo: se quer emagrecer mais, come mais. Se deseja economizar mais dinheiro, gasta-se mais, se deseja viver um amor único, mantém vários relacionamentos amorosos acontecendo ao mesmo tempo, comprovando assim, a impossibilidade das exigências superegóicas. Nesse sentido, coloca-se a culpa dos excessos acometidos consigo mesmo, nos outros que aparecem como, a família, os amigos, o patrão, o companheiro (a), ou aquilo que é chamado de “destino”, quando na verdade, são demandas geradas no mundo interno do próprio sujeito. 

É pagando um preço muito alto acompanhado, ou de muita culpa ou angústia, que está sempre na contramão de si mesmo, mortificando, portanto, a relação consigo mesmo. É preciso entender que não é possível ter tudo, nem podemos ganhar sempre, além das escolhas que fazemos diariamente e de suas possíveis perdas. Assim é a vida, isso acontece com todo mundo, e não ocorre sem trabalho, psíquico, principalmente!

 É por isso que uma análise, ou uma psicoterapia, faz com que o sujeito se ouça e olhe para a sua própria história sem mais ficar surpreso diante daquilo que ‘misteriosamente’ se repete em sua vida. “Da onde veio isso?”. Da sua própria história.  Pensar sobre si não é tarefa fácil e exige muita coragem, mas, ao olharmos para aquilo que nos acontece, adquirimos a escolha sobre o que fazer com aquilo que repetimos. Quando aprendemos a refletir sobre a nossa vida e as nossas ações, abrimos espaço para existir de forma única e nossa. Já dizia o filósofo Friedrich Nietzsche: “Nunca é alto o preço a se pagar pelo privilégio de pertencer a si mesmo”.

Encerro o texto de hoje com um poema de Fernando Pessoa do livro: “Obra Poética” (p. 102-103) a respeito do que foi discutido, mas dita de outra maneira lindamente:

Para onde vai a minha vida, e quem a leva?

Por que faço eu sempre o que não queria?

Que destino contínuo se passa em mim na treva?

Que parte de mim, que eu desconheço, é que me guia?

 

O meu destino tem um sentido e tem um jeito,

A minha vida segue uma rota e uma escala,

Mas o consciente de mim é o esboço imperfeito

Daquilo que faço e sou; não me iguala.

 

Não me compreendo nem no que, compreendendo, faço.

Não atinjo o fim ao que faço pensando num fim.

É diferente do que é o prazer ou a dor que abraço.

Pauso, mas comigo não passa um eu que há em mim.

 

Quem sou, senhor, na tua treva e no teu fumo?

Além da minha alma, que outra alma há na minha?

Por que me destes o sentimento de um rumo,

Se o rumo que busco não busco, se em mim nada caminha

 

Senão com um uso não meu dos meus passos, senão

Com um destino escondido de mim nos meus atos?

Para que sou consciente se a consciência é uma ilusão?

Que sou entre quê e os fatos?

 

Fechai-me os olhos, toldai-me a vista da alma!

Ó ilusões! Se eu nada sei de mim e da vida,

Ao menos eu goze esse nada, sem fé, mas com calma,

Ao menos durma viver, como uma praia esquecida...

Simony Ornellas Thomazini


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