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Mães Narcisistas: A confusão nos afetos


Por: Simony Ornellas Thomazini
Data: 07/05/2019
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Para dar início a esse tema um tanto quanto polêmico e fora do perfil romantizado e idealizado que a sociedade impõe sobre a maternidade, citarei um conto publicado na Folha de São Paulo no dia 04/05/2014 de autoria de Lydia Davis, conhecida por seus escritos brevíssimos e publicado por ela no seu primeiro livro chamado: “Break it Down” (1986).

 

A Mãe

A menina escreveu uma história. "Mas quão melhor seria se você escrevesse um romance", disse a mãe. A menina construiu uma casa de bonecas. "Mas quão melhor seria se fosse uma casa de verdade", disse a mãe. A menina fez um travesseirinho para o pai. "Mas quão mais útil seria uma colcha", disse a mãe. A menina cavou um pequeno buraco no jardim. "Mas quão melhor seria se você cavasse um buraco grande", disse a mãe. A menina cavou um buraco grande e entrou nele para dormir. "Mas quão melhor seria se você dormisse para sempre", disse a mãe.

Como já foi escrito na coluna anterior de título: “O que é ser mãe?”, nem todas as mães amam seus filhos, o que é algo inconcebível na visão de muitos, porém, isso revela, portanto, que o amor de mãe não é algo inato, mas construído. 

Assim, uma mãe narcisista segundo o documento da Associação Americana de Psiquiatria lista nove traços do comportamento do narcisista patológico, mas apresentando apenas cinco deles, a pessoa já é diagnosticada com o problema. 

Nesse sentido, uma das características apresentadas é pouca ou a falta de empatia. Basta apenas essa característica para que ocorram graves conflitos ao se relacionar com uma pessoa narcisista. Ainda de acordo com esse documento, outros traços do comportamento são: sentir-se único e especial, sentir inveja ou ter o pensamento de que é alvo de inveja frequentemente, exigir ser constantemente admirado, entre outros.

 A psicanalista Verbenna Yin explica que “a mãe narcisista é habilidosa em se fazer de vítima e dizer que a filha é ingrata”.  Ela também relata que “O transtorno de mãe narcisista é um quadro real onde a relação mãe e filha fica comprometida por uma atitude constantemente perversa dessa mãe, que age com hostilidade, falta de acolhimento e cuidados enquanto a filha quer pertencer e tenta agradar o apetite insaciável da mãe insatisfeita, o que compromete sua autoestima e capacidade de realização no mundo”. 

Há na internet e no facebook páginas destinadas a ajudar e a acolher aquelas vítimas de mães narcisistas, dentre os relatos coletados estão: “Minha mãe sempre foi muito agressiva e abusiva comigo, desde a infância. Sentia muito medo dela, pavor. Mas ela só era assim comigo, não com as pessoas na rua. Isso sempre me deixou confusa, conta L que possui uma página na internet para dar suporte a mulheres que teriam sofrido com suas mães narcisistas, chamada: “De Filha para Filha – Conhecendo a Mãe Narcisista.” 

Tudo era motivo para eu ser agredida, desde um arroz que não tinha ficado bom. Ouvia: ‘Não sabe fazer nada direito’. Às vezes, ela passava por mim no corredor de casa e me dava um tapa, sem nenhuma razão. Mesmo no verão, tinha de usar roupas de frio, para esconder os hematomas. Vivia em cativeiro. Era de casa para a escola e vice-versa.”, fala a professora A.*, 34, criadora da página no Facebook “Mães Narcisistas”.

É importante ressaltar que muitas dessas mães também possuem alguns outros transtornos associados tais como o transtorno bipolar, por exemplo.

Outro ponto de destaque e esclarecimento é que “Nem todo mundo que comete abusos, físicos ou emocionais, é narcisista patológico. Pode ser apenas uma pessoa má. Mas todo narcisista patológico comete abusos” relata o psiquiatra Erlei Sassi, coordenador do Ambulatório de Transtornos de Personalidade e Impulso do IPQ (Instituto de Psquiatria) do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo).

Na contrapartida dos fatos, está o outro lado por parte da vítima como o medo do julgamento. Não é algo “comum” nem agradável de ouvir que uma mãe maltrate seu filho não agindo como guardiã, algo esperado pela sociedade. Outas, não conseguem nem admitir a si mesmas que suas mães são capazes de trata-las mal de propósito, pois espera-se que mães queiram o melhor para seus filhos, mas nem sempre é assim. Nesses casos, além do maltrato explícito, também está inclusa a culpa e a fantasia de que há alguma espécie de “merecimento” para ser tratada desta ou daquela forma. Com medo do retalhamento da sociedade ou da dificuldade de perceber isso em si mesma, muitas mulheres se calam e se oprimem, passando às vezes, a vida toda devastadas e buscando, sem sucesso, maneiras de serem amadas por suas mães. É nesse sentido que essas páginas podem ser benéficas porque são um espaço de escuta e acolhimento para quem também vivencia ou já vivenciou relacionamentos com mães narcisistas. 

A psicanalista Vera Iaconelli, doutora em Psicologia pela USP, também declara que existe um tabu acerca da maternidade. “Há muita idealização. Mães são aquelas que tiveram filhos. O que elas já são - más, violentas- aparece na maternidade. 

É importante também mencionar que essas atitudes de destruir a autoestima de uma filha não acontece conscientemente muitas vezes, mas é decorrência de um histórico que foi se estabelecendo e tornou-se parte de sua personalidade, porque ninguém olhou para essa mãe e ela não teve a chance de ser cuidada como precisava, consequentemente, isso foi passado de geração em geração. 

Embora existam com maior frequência mães narcisistas que abusam de suas filhas, também pode ocorrer o abuso com seus filhos. Sobre isso, posso discorrer num outro momento, pois, os efeitos causados por uma mãe narcisista e controladora com o filho é diferente daquilo que é causado à filha. 

Sobre o tratamento, é possível dizer que a psicoterapia ou uma análise (termo utilizado por psicanalistas) é a melhor forma de tratamento. No entanto, há um grande entrave, pois, um narcisista não reconhece que precisa de ajuda, afinal, como alguém que sente-se único e especial pode admitir que há algo errado com ela (e)?

Nesse sentido, o tratamento é destinado aos filhos, que são as maiores vítimas de mães narcisistas. Quem convive ou conviveu com mães narcisistas possuem traços de devastação psíquicas inimagináveis, todavia, há saídas. Essas pessoas passam por reconstrução das vivências, ressignificando e podendo assumir suas próprias vidas, muitas vezes, porém, mantendo distâncias consideráveis de suas próprias mães. 

Há várias produções cinematográficas que evidenciam o que foi discutido aqui, cito dois filmes que particularmente gosto muito, o primeiro que citarei, inclusive, usei como complemento bibliográfico em meu TCC na Faculdade de Psicologia: Cisne Negro (2010) de Darren Aronofsky e o clássico Sonata de Outono (1978) de Ingmar Bergman. 

Simony Ornellas Thomazini


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