Inteligência Artificial nas Eleições de 2024: Os dilemas entre a revolução digital e a mega proteção do eleitor
Thiago Paiva dos Santos e Wilson de Jesus Guarnieri Júnior
A inteligência artificial percorre uma jornada para imitar as capacidades cognitivas humanas por meio de máquinas. Já evoluiu de simples algoritmos de lógica para sistemas complexos capazes de aprendizado, processamento de linguagem natural e tomada de decisões autônomas.
Essa evolução permitiu que a inteligência artificial encontrasse utilidade em diversos campos do conhecimento e da atuação humana, incluindo a seara eleitoral, razão da grande atenção para essa tecnologia no decorrer desse ano de 2024, ano de eleições municipais.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) definiu a IA como um sistema computacional que, por meio de lógica, representação do conhecimento ou aprendizagem de máquina, utiliza dados para produzir conteúdos, previsões, recomendações ou decisões. A utilização da IA nas eleições de 2024 no Brasil, mesmo estando no início da sua jornada evolutiva, poderia revolucionar a maneira como campanhas são conduzidas e como eleitores interagem com candidatos.
Se, por um lado, a inteligência artificial pode ser benéfica ao organizar e gerar informações, otimizar estratégias, personalizar a comunicação dos candidatos e partidos, aprimorar a logística e baratear os custos de campanha, ela também inclui riscos. Um dos principais cuidados é com a possibilidade de induzir os eleitores ao erro, seja por meio de manipulação de voz, imagem e opiniões, seja pela propagação de desinformação personalizada gerada por IA.
A capacidade avançada da inteligência artificial de gerar conteúdos artificiais, particularmente deepfakes, representa um potencial significativo para a propagação de informações falsas, o que pode comprometer gravemente a integridade dos processos eleitorais. Esse risco é especialmente preocupante devido ao impacto direto na erosão do livre convencimento dos eleitores, fundamental para a legitimidade e a equidade do processo eleitoral.
Essa manipulação poderia ameaçar não somente a confiança do público quanto à integridade das manifestações partidárias, já por vezes objeto de desconfiança em algum cenário político, mas também ameaçar a confiança do público no próprio sistema democrático como um todo, ao possibilitar a criação e propagação de versões enganosas que podem influenciar indevidamente as opiniões e decisões dos eleitores.
A regulamentação, com a imposição de restrições do uso da inteligência artificial na sua prática negativa e perniciosa, além do fomento da transparência na sua utilização pelas campanhas eleitorais se torna, portanto, fundamental para garantir que os eleitores estejam conscientes da origem e da veracidade das informações recebidas.
Essa abordagem envolve, o estabelecimento de normas para a produção de conteúdo artificial, o combate à disseminação não orgânica de informações e a imputação de responsabilidades aos indivíduos que empreguem usos nocivos e ilícitos dessas tecnologias.
Nessa lógica de proteção do sistema democrático estabelecido desde a carta constitucional de 1988, o Tribunal Superior Eleitoral, ao alterar a Resolução nº 23.610/2019, que trata de propaganda eleitoral, adotou medidas rigorosas para regular o uso da inteligência artificial nas Eleições Municipais de 2024, visando tutelar o eleitor e preservar a integridade do processo eleitoral.
As principais ações incluem a proibição de deepfakes, de modo que o uso de conteúdos manipulados digitalmente, especialmente vídeos e áudios, foi estritamente proibido na propaganda eleitoral. Também foi estabelecida a obrigação de aviso, qualquer uso de IA em propaganda eleitoral deve ser claramente indicado.
Foi vetado o uso de robôs para simular diálogos com candidatos ou qualquer pessoa, visando evitar a manipulação de eleitores. As Plataformas Digitais foram chamadas à atuação direta, sendo obrigadas a remover imediatamente conteúdos que violem as diretrizes, incluindo desinformação, discursos de ódio, e outros conteúdos prejudiciais à democracia.
Os sistemas de combate à desinformação foram fortalecidos, com a possibilidade de responsabilização solidária de provedores e plataformas digitais caso falhem na nova obrigação de remover conteúdos nocivos de forma imediata.
Trata-se de uma tentativa de colocar o Brasil na vanguarda do combate à desinformação e ao uso indevido de inteligência artificial em processos eleitorais, com o TSE fornecendo diretrizes objetivas para partidos, candidatos, eleitores e plataformas digitais, tornando o pleito o mais justo e transparente possível.
Em resumo, os benefícios da IA nas eleições são indiscutíveis, desde que seu uso seja racional e pautado pela ética e pela responsabilidade. A notória capacidade das máquinas em analisar dados em grande escala pode ajudar a identificar e combater a disseminação de desinformação, além de oferecer aos eleitores informações mais precisas e relevantes sobre os candidatos em campanha e suas propostas.
A IA possui o potencial de transformar as eleições no Brasil, oferecendo oportunidades para tornar o processo eleitoral mais completo em informações, eficiente, barato e inclusivo. No entanto, para que esses benefícios sejam realizados sem comprometer a democracia, é crucial uma abordagem responsável e transparente.
À medida que nos aproximamos das eleições municipais de 2024, a sociedade tem diante de si uma oportunidade de liderar pelo exemplo, demonstrando como a inteligência artificial pode ser empregada de forma ética e eficaz no meio eleitoral, sendo, inclusive, capaz de promover um ambiente em que a tecnologia e a democracia estejam em harmonia.
Tiago Paiva dos Santos é bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá-PR (2007). No TRE-PR, além das funções jurisdicionais de Desembargador na Corte, também foi Diretor-Executivo da Escola Judiciária Eleitoral, além de ter exercido a função de Ouvidor Regional Eleitoral de 2020 a 2022. Advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná (OAB/PR), sob n.º 46.275 e na Ordem dos Advogados Portugueses (OA), Conselho Regional de Lisboa, sob n.º 62288L. Mestrando em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em Portugal.
Wilson de Jesus Guarnieri Júnior é bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá-PR (2006). Sócio Fundador da Advocacia Guarnieri Consultores Jurídicos e Compliance, com 18 anos de atuação, foi Delegado da Caixa de Assistência dos Advogados da OAB/PR. Advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná (OAB/PR), sob n.º 48.764. Mestrando em Direito Digital e Agronegócio pela Faculdade de Direito Londrina, em Londrina/PR.