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FILOSOFIA, MEIO AMBIENTE E RESPONSABILIDADE


Por: Assessoria de Imprensa
Data: 31/01/2020
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Por / Felipe Figueira * Rogério Seixas**

Na tradição religiosa judaico-cristã, ao criar a natureza, Deus confiou ao homem, sua criação principal e assemelhada a Ele, a responsabilidade pela obra natural divina. O pensamento filosófico e científico da Modernidade, secularizando esta concepção teológica, propaga que o homem, enquanto sujeito racional e capaz de conhecer, deve tornar-se “senhor da natureza”. Inegavelmente tal fato consolidou-se até nossa atualidade, principalmente com os avanços técnicos e científicos que ainda se fazem presentes na caminhada humana, permitindo o seu assenhoramento sobre a natureza. Obviamente que quando se assume a responsabilidade por algo, deve-se pontuar a necessidade de se assumir também a noção de se colocar como responsável pelas suas ações quando se responsabiliza ou assenhora-se de alguma coisa. No caso específico da relação entre a Humanidade e a Natureza, ou em termos mais contemporâneos, a ação humana e seus efeitos sobre o Meio ambiente, não se pode negar que a irresponsabilidade em nossa práxis quanto ao meio ambiente é evidente e cada vez mais intensa. Um tipo de ação desmedida causada pelo sucesso tecnocientífico progressivo alcançado pela humanidade e sua manipulação sobre o meio ambiente. Tal perspectiva nada positiva, foi pensada pelo filósofo judeu-alemão Hans Jonas (1903-1993), que nos anos sessenta do século XX, tratou deste tema em sua obra intitulada “Princípio Responsabilidade – Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica”, onde ressalta que o poder tecnológico e seus sucessos, apresenta uma dimensão ameaçadora e perigosa, pois Jonas assevera que tal potencial leva mais e mais a uma ação humana desmedida de intervenção e manipulação tecnocientífica  sobre a natureza, ameaçando as condições de vida não apenas das gerações do presente, mas como aponta o pensador, colocando em risco as possibilidades de existência das futuras gerações. Jonas foi e de certa forma ainda é acusado de ser tecnofóbico, isto é, expressar temores referentes aos efeitos remotos, cumulativos e preocupantemente irreversíveis da intervenção humana, utilizando-se de seu potencial tecnocientífico, sobre a natureza, ou, como denomina o autor, a Biosfera. 

Hans Jonas

Indubitavelmente as reflexões de Jonas são concretas, equilibradas e bem atuais. Não se faz necessário apenas nos embasarmos na advertência de especialistas e estudiosos com referência aos efeitos cada vez mais destrutivos de nossa ação no meio ambiente, pois no cotidiano sentimos na pele os efeitos de tais ações desmedidas e irresponsáveis. Infelizmente tal irresponsabilidade apresenta um conjunto de fatores que agravam a questão: a ideia ainda corrente que a natureza é ilimitada em sua capacidade de renovação e recuperação, sendo assim os recursos naturais são renováveis ad infinitum. Destaque-se também uma separação irrecuperável, própria da Modernidade entre sujeito e Natureza, sendo aquele autossuficiente para resolver seus problemas à parte da natureza, que se enquadra apenas enquanto objeto de manipulação e exploração.  Interesses econômicos que levam a exploração desmedida por parte de grupos e empresas, que mais se preocupam em manipular e alterar de tal forma, o meio ambiente, buscando suas riquezas e despreocupando-se com sua preservação e conservação. Por sua vez, Estados-Nações, na maioria das vezes ligados a tais conglomerados exploradores que alimentam estes Estados, tomam posturas que não só estimulam a intervenção desmedida sobre o ambiente como desmerecem as preocupações quanto aos efeitos deletérios de nossas ações, descumprindo acordos e cooperações que pudessem colocar em prática atitudes e medidas de responsabilidade quanto a nossa relação com o meio ambiente, assemelhando-se a “dragões famintos” devorando os recursos naturais, aparentemente impassíveis aos efeitos destrutivos de sua fome em crescerem e se fortalecerem.

Retomando Jonas, em sua reflexão alerta que por mais que o homem acredite que possa controlar e capturar as forças da natureza, além de buscar submeter a si os recursos naturais sem maiores consequências, ele sofre, em última instância, os efeitos de suas ações desmedidas contra esta mesma natureza, forçando o poderio tecnocientífico, político e econômico humano, a de algum modo, obedecer os ciclos e leis naturais que são transgredidos. Tal situação diagnosticada  por este pensador e que se torna cada vez mais potencialmente arriscada para a sobrevivência de toda a vida no planeta, inclusive a humana, que nela se encontra incluída, levou Jonas a propor um novo tipo de regulamentação normativa do potencial tecnocientifico do agir humano, implicando um princípio ético da responsabilidade em caráter geral e inédito, que reconheça um direito próprio à Natureza e que a inclua no agir responsável  humano, significando abandonar a posição tradicional que considerava o  homem enquanto o ápice da natureza e coroa da criação. Propõe-se assim uma ética que inclua a natureza e reconheça como dever ético de responsabilidade a preservação das condições da vida para o agora e principalmente para o futuro. Embora possa-se reconhecer esforços para esta situação se concretizar, a irresponsabilidade e a desmedida com relação à Natureza ou ao meio ambiente não só permanecem como se intensificam. Não se deve acreditar na visão um tanto utópica de que podemos retornar ao que era antes, mas sim nos conscientizar do que desejamos para a sobrevivência do todo Ser que, semelhante a uma rede, estrutura todo o fenômeno natural da existência, inclusive a nossa. Sem alarmismo, devemos nos responsabilizar mais com relação à essa rede que em nosso momento presente encontra-se bastante estremecida e com rupturas que podem de vez extingui-la. 

Felipe Figueira*. Doutor em Educação. Professor de História e Pedagogia no IFPR Campus Paranavaí e Líder do Grupo de Pesquisa Bildung.

Rogério Seixas**. Doutor em Filosofia. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Bildung (IFPR).


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