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Fé e Ciência: um diálogo necessário


Por: Fernando Razente
Data: 08/09/2021
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“[...] eu não falo de um conflito entre a fé e a ciência. Um conflito como este não existe. Toda ciência num certo grau parte da fé, e ao contrário, a fé que não leva à ciência é fé equivocada ou superstição, mas não é fé real, genuína.” — KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2014. p. 137-138.

A coluna Fé & Ciência pretende ser um espaço de diálogo entre dois campos de poder fundamentais na sociedade: o religioso e o científico. A minha proposta é buscar ampliar esse empreendimento — paraeclesiástico e interdenominacional — que tenho feito também através de textos em outros meios de comunicação  e com os membros da ABC² (Associação Brasileira de Cristãos na Ciência)  de Nova Esperança. Para os menos familiarizados, a ABC² é uma entidade nacional com impacto internacional que tem como objetivo promover a comunicação e a integração entre a comunidade cristã e o campo científico no Brasil, operando como uma embaixada de sentido entre o universo da fé cristã e o universo da ciência. Em Nova Esperança, a ABC² possui um grupo de estudos , que se reúne para discutir sobre temas científicos, promovendo assim um espaço para conversas que envolvem fé e ciência. Particularmente, existem algumas preocupações de longa data que me motivaram a desenvolver uma ação concreta para integrar a religião com a ciência. A principal preocupação gira em torno das definições conceituais da discussão, de como pensam alguns cientistas sobre o que é fé e do que alguns crentes pensam sobre o que é ciência. Tenho notado que as definições mais populares são as mais equivocadas; e pior, estão gerando mais conflitos e menos espaços de diálogo na sociedade em geral, fazendo com que o nosso país se divida em “câmaras de ecos”  criando novas formas e espaços de polarização social. Já faz tempo que não conseguimos chegar em uma unidade cognitiva no espaço da política, e recentemente temos visto essa ruptura do tecido social ocorrer também no espaço científico. Temo que, em breve, em qualquer nível de discussão não sejamos mais capazes de pisar em chão firme algum. Fé e ciência é um diálogo necessário porque muitas vezes a compreensão erudita e/ou intelectual — de representantes de instituições como universidades, intelectuais orgânicos, jornalistas, professores, doutores, políticos, empresários, etc. — a respeito da fé é raramente honesta ou positiva. Não me esqueço que em 26 de maio de 2015, numa temporada de palestras na cidade de São Paulo, Richard Dawkins — famoso biólogo evolucionista britânico e ateu professo, autor de  livros Best Sellers como O Gene Egoísta e Deus:um delírio — foi entrevistado pela revista Galileu sobre religião e dogma. Sobre estes temas, Dawkins aproveitou para endossar aquilo que já havia escrito em 1976 ; apenas disse de outra maneira: “[...] usamos a palavra religião para  significar algo como uma fé, que é, em outras palavras, desprovida de evidências, e eu suponho  que isso meio que signifique dogma.”  As palavras de Dawkins refletem a maneira como o biólogo interpreta a ideia de fé como uma crença “desprovida de evidências”, algo que não possui nenhuma conexão com a ciência ou com o mundo natural que conhecemos. É verdade que para alguns cristãos, essa definição de seis anos atrás pode soar irrelevante e despreocupante. Contudo, para alunos e cientistas, será a compreensão normativa do debate. É preciso considerar a posição que Dawkins — conhecido como um dos  quatro cavaleiros do neoateísmo  — ocupou e ocupa, bem como o impacto de suas ideias e livros. Estou usando Dawkins apenas como um exemplo. Dawkins é fellow emérito do New College da Universidade de Oxford, mas já foi Professor para a Compreensão Pública da Ciência, na mesma universidade, entre 1995 e 2008, influenciando uma geração de cientistas sobre o tema “fé”. Dawkins é o arquétipo do cientista erudito moderno, e, de fato, tem culpa nos conflitos contemporâneos entre a fé e a ciência. Porém, nem toda a culpa deve recair sobre a classe do etólogo. Todo cientista sério sabe que as afirmações de Dawkins e de outros sobre religião são extrapolações indevidas e cheia de preconceitos, mas até que ponto a comunidade cristã com sua visão pessimista da ciência não contribuiu para isso? Minha tese é de que unido à má compreensão pública da comunidade científica sobre o que é fé está o vácuo de uma presença cristã intelectual que afirma a importância e o valor da verdadeira ciência para a sociedade e se engajam para promovê-la de maneira rigorosa. Nos EUA temos um exemplo contrário desse vácuo, na pessoa de Francis S. Collins, um cristão professo que faz parte do ministério de música da igreja onde frequenta, mas que também é um biólogo e renomado geneticista sendo um dos líderes do Projeto Genoma (1990 a 2003) e na gestão de Barack Obama foi nomeado diretor dos NIH, o principal centro de pesquisa biomédica dos Estados Unidos, formado por 27 centros e institutos de pesquisa especializados, com um orçamento anual de US$ 30 bilhões.  Infelizmente, ainda não temos grandes exemplos como esse em nosso país. O que vemos por aqui é que muitos crentes não se envolvem com a ciência porque a definem como algo oposto à religião. Cristãos — que considero herdeiros do filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855), o pai do existencialismo moderno — acreditam que a fé é um experiência à parte da ordem natural do mundo, e que por isso a ciência não pode ter nenhuma conexão com a fé. Para muitos cristãos modernos, a experiência religiosa não pode ocorrer junto com justificações racionais ou científicas, mas trata-se de um momento do indivíduo em sua mais radical subjetividade acreditando em algo. Mas, como defendia Francis Schaeffer (1912-1984), essa ideia de fé dos crentes — que nasce de uma má teologia — implica no desaparecimento da esperança de elo entre as esferas científica e religiosa.  Portanto, é também de responsabilidade dos cristãos modernos o fato de haver uma ruptura no diálogo entre fé e ciência e de tantos cientistas se manterem céticos em relação à validade da experiência religiosa, pois como nos lembra o filósofo e apologista Dr. Greg L. Bahnsen, “[...] a concepção da fé como um compromisso pessoal cego é um dos principais obstáculos que se colocam no caminho dos incrédulos quando se trata de dar um ouvido honesto ao cristianismo.”  O trabalho de recuperação do diálogo é árduo, envolve o trabalho duro de destruição de consensos e renovação de conceitualizações, buscando uma maior precisão de definição. E este é o propósito desta coluna! Pretendo contribuir para a superação do aparente conflito entre as duas esferas da realidade idealizando uma sociedade mais harmônica; promover uma base para o diálogo entre fé e razão desejoso de criar um futuro com cidadãos que compreendem o sentido e propósito da vida; desenvolver e promover visões cristãs bíblicas sobre a natureza, o escopo e as limitações da ciência a fim de que tenhamos igrejas relevantes na sociedade; e, é imperativo nesse processo incentivar a investigação atenta e criteriosa de eventuais implicações teológicas decorrentes de novos conhecimentos revelados pelo avanço científico. Desejo que este espaço auxilie e encoraje você que é cristão a se engajar na atividade científica e manter ou desenvolver uma fé pessoal ativa e comprometida com sua igreja local e com a uma comunidade intelectual cristã, aplicando a fé no conjunto de sua vida profissional e  responsabilizando-se pelas implicações éticas, sociais e ambientais da ciência e da tecnologia, sem deixar de comunicar o evangelho de Cristo na comunidade científica. Como Kuyper, eu não falo de um conflito entre fé e ciência, mas de um projeto que ajude cristãos que estudam ciência e líderes eclesiásticos a integrar sua crença religiosa e o estudo científico, buscando nisso “[...] a glória e louvor de Deus.” (Filipenses 1.11)

 

2. https://www.gazetadopovo.com.br/busca/?q=fernando+razente  acessado em 06/09/2021.

3. A ABC2 é uma iniciativa da Associação Kuyper para Estudos Transdisciplinares (AKET) com o apoio da Templeton World Charity Foundation (TWCF). Ver: https://www.cristaosnaciencia.org.br/ 

4. Ver: https://www.instagram.com/novaesperancaabc/ 

5. GARIMELLA, K., et al. 2018. Political discourse on social media: Echo chambers, gatekeepers, and the price of bipartisanship. Proceedings of the 2018 World Wide Web Conference.

 6. “Mas o que, afinal, é fé? É um estado de espírito que leva as pessoas a acreditar em algo - não importa o que seja - na total ausência de evidências de apoio. Se houvesse boas evidências de apoio a fé seria supérflua, pois as evidências nos obrigariam a acreditar de qualquer maneira.” (DAWKINS, Richard, O gene egoísta.)

7.https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2015/05/richard-dawkins-o-criacionismo-e-um-insulto-ao-intelecto.html acessado em 08/08/2021.

8. “Richard Dawkins, Christopher Hitchens, Sam Harris e Daniel Dennett são considerados os líderes do movimento Novo Ateísmo. [...] O ateísmo promovido em cada um deles motivou algo como um movimento ‘novo’.” (OLIPHINT, Scott K. Know Why You Believe).

9. https://revistapesquisa.fapesp.br/francis-sellers-collins-agora-vamos-entender-o-cerebro/ 

 10. Francis Schaeffer (1912-1984) foi um teólogo cristão evangélico americano, além de filósofo e pastor. Ele mapeou essas consequências na sociedade moderna em seu livro A Morte da Razão, e descreveu a implicação mais óbvia dessa visão da fé como um salto no escuro: “O que o salto de Kierkegaard fez foi remover a esperança de toda e qualquer unidade. Após Kierkegaard, o que temos é algo assim: o otimismo deve ser não racional/ toda racionalidade = pessimismo. Desapareceu a esperança de um elo entre as duas esferas [imanente e transcendente].” (SCHAEFFER, Francis. A Morte da Razão)

11.  SEMPRE PREPARADOS. Orientações para a defesa da fé. Editado por Robert R. Booth. Por DR. GREG L. BAHNSEN.

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


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