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Experiências em Minas Gerais (parte 3). O que é o tempo?


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 02/02/2024
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Introdução

         As cidades históricas de Minas Gerais, Ouro Preto e Mariana, são verdadeiros desafios para quem os visita, tanto em um sentido físico quanto mental. Físico, pois subir e descer as suas ladeiras são testes para as pernas e os joelhos, e, enquanto escrevo esse texto, estou dolorido por inteiro; e mental, pois é difícil encontrar cidades com tanta história, seja no Brasil ou no exterior.

         Até hoje, visitei essas cidades duas vezes, a primeira, em 2017, ainda solteiro e com a minha mãe, a segunda, em 2024, com a minha esposa. Além de companhias distintas, o motivo das visitas também mudou. Na primeira, fui a trabalho, para concluir os estudos de pós-doutorado em História na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP); na segunda, foi puramente a passeio. Não que na primeira minha mãe e eu não tenhamos passeado, pelo contrário, mas é que havia o elemento profissional.

         Tanto em uma quanto em outra visitas há padrões: as mesmas cidades históricas visitadas, Ouro Preto, Mariana, Congonhas e Tiradentes; visitas com guias turísticos; e, tanto quanto possível, imersão cultural.

         Feitas essas considerações, esse texto se desdobrará em duas partes, respectivamente, primeira e segunda viagens.

Primeira viagem: 2017

         Minha mãe e eu sempre gostamos de viajar e a forma mais objetiva que encontramos para isso foi aproveitar minhas pesquisas para explorarmos novos lugares. Como eu cursava pós-doutorado na UFOP, em Mariana, a ocasião foi perfeita. Combinei com a minha mãe de viajarmos 15 dias para as cidades mineiras, passando, na ida, em Paraty, cidade que compõe a famosa Estrada Real, o maior circuito turístico do Brasil.

Rua no Centro Histórico de Paraty

Ficamos quatro dias em Ouro Preto e sete em Mariana; em Paraty ficamos dois, e em Tiradentes e São João del Rei um. Até hoje é viva a memória que tenho da minha mãe provando queijos e doces e fotografando as ladeiras de Ouro Preto e Mariana. “Filho, isso é um teste para o meu joelho.” E realmente era um teste, mas ela foi aprovada.

         Tanto em Ouro Preto quanto em Mariana contratamos o serviço de guia. É impossível a um turista dar conta de tantas histórias sem alguém que de fato conheça o local. Enquanto os guias falavam, minha mãe e eu anotávamos. Não foram poucas as vezes que dissemos, mesmo em grupo: “Poderia repetir?” Nós dois sabíamos que a memória humana é limitada. A história é enorme, mas a memória humana é curta. O tempo é extenso, mas o tempo do ser humano é diminuto.

Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) campus Mariana

 

Em Mariana, da esquerda para a direita: Igreja Nossa Senhora do Carmo, Igreja São Francisco de Assis. Ao centro, o Pelourinho, no qual escravizados eram castigados.

         Era maravilhoso caminhar pelas vielas e ladeiras descobrindo histórias e saber, pelos guias, que por elas passaram nomes de vulto da cultura nacional e internacional. Além do que, estávamos diante da mais pura criação de mestres como Aleijadinho e Ataíde, que a cada canto das cidades deixavam marcas perenais. A cultura, por mais que possa se esvair e se modificar com o tempo, também tem poder para permanecer ao longo dos séculos. É isso o que se vê em museus, e é isso o que se vê em museus a céu aberto, como o são as cidades históricas.

         Lembro-me que fomos a uma mina, a Mina do Veloso, um local do século XVIII, e lá tivemos contato com diversos ditados populares, como “bucho cheio”, “meia tigela” e “santinho do pau oco”. Deixo ao leitor uma brincadeira e um desafio: que pesquise a história desses ditados. História também é algo divertido, por mais que muitas expressões tragam em si marcas da exploração e da tristeza.

         Mas, o meu conhecimento não veio apenas das falas dos guias, eu comprei livros e assisti a documentários para que o saber entrasse. Assim, eu pude ministrar aulas e escrever artigos. Porém, mesmo diante de muitas anotações, o tempo, que a tudo tende a tragar, começou a esvoaçar as minhas memórias e então, já casado, comecei a sonhar com um retorno às cidades mineiras e em 2024 esse desejo se realizou.

Segunda viagem: 2024

         Um dos sonhos da minha esposa era conhecer Minas Gerais, seja por causa da famosa culinária, seja porque o seu avô paterno veio desse estado. Depois de meses de planejamento, colocamos o carro na estrada. O mesmo carro da primeira vez, um HB20S, foi o da segunda. Eu brinco que esse veículo é o meu Rocinante. Está comigo há 12 anos e muito me ajuda em minhas loucuras.

         De imediato, minha esposa se espantou com as ladeiras de Ouro Preto e disse: “Isso vai ser um teste para os meus joelhos.” E de fato foi, mas ela foi aprovada. Na verdade, sofri mais do que ela, pois, ao chegar à noite ela dormia, já eu, com o corpo dolorido, demorei a pegar no sono.

Ponte dos Suspiros, em Ouro Preto, local onde se encontravam Maria Doroteia e Tomás Antônio Gonzava, autor do livro “Marília de Dirceu”.

Em Ouro Preto, contratamos um guia de turismo, Lucas Leocadio, e no nome dele rendo homenagem a todos os guias, e fomos descobrir a cidade, outrora chamada de Vila Rica. Foi um espanto saber que que quase todo o meu conhecimento de sete anos atrás se esvaiu. Era espantoso entrar nas diversas igrejas e não saber interpretar os símbolos. Mas, também, é preciso não ser tão severo, seja porque é difícil encontrar lugares tão poderosos em história, seja porque a cultura brasileira é profundíssima. Na Igreja Santa Ifigênia, também chamada de Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, por exemplo, se a pessoa não entender de cultos africanos e de seus orixás, não saberá da missa o terço. Manuel Francisco Lisboa e o filho, Aleijadinho, trabalharam na arte da igreja, e em seu interior há trabalho de uma quantidade grande de pessoas, de livres a escravizadas.

Fachada da Igreja de Santa Ifigênia

Diante de todas as informações transmitidas pelo guia, eu estava com um papel e uma caneta sempre a postos. Escrevi nove páginas em sete horas de visita. Várias vezes disse, por ser uma visita privativa: “Poderia repetir?” Às vezes, eu via a minha esposa sentada, exaurida, mas ainda faltava muito para aprender e visitar. Ao longo das caminhadas, eu pensava: “O que acontece com a minha memória que tudo está esfumaçado?” Então a certeza: pobre mente humana, ao mesmo tempo que é tão potente é tão fugaz. Ao chegar à hospedagem, mesmo cansado, me coloquei a escrever e redigi as duas primeiras partes da trilogia “Experiências em Minas Gerais”. Já o presente texto, escrevi só dois dias depois. Minhas energias haviam se esgotado.

Considerações finais

         De tudo o que foi dito, o que se extrai é que quem viaja a cidades históricas pode, deve e vai se divertir, mas que deverá aproveitar a oportunidade para aprender. Para isso, a presença de guias é essencial. Eis um trabalho de alto valor, que deve ser visto como uma função nobre, pois são pessoas que mantém viva a história.

         E também é possível afirmar que o ser humano é o que é: poderoso em arte, em pensamentos, mas, também, o tempo deixa as suas marcas, seja apagando histórias e memórias, seja dizendo ao ser humano: “Você é uma poeirinha da poeira.” Diante desses paradoxos, tipicamente humanos, não resta outra tarefa senão a de conviver com a força e a fraqueza humana, sendo essa convivência, também, que expõe a natureza do ser humano, um dos grandes temas do movimento cultural chamado Barroco, algo que superabunda nas cidades históricas mineiras.

Quem quiser contratar serviço de guia em Ouro Preto e Mariana, segue a indicação:

Lucas Leocadio

@lucasguiavoce

(31)99521-6545

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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