A generic square placeholder image with rounded corners in a figure.


O COVID19 E O CANIÇO PENSANTE


Por: Assessoria de Imprensa
Data: 17/03/2020
  • Compartilhar:

O título deste texto pode parecer estranho, mas reflete uma problematização bem atual e atrevo-me a afirmar, também muito antiga: a fragilidade da condição humana. Mas, como assim? Poderá se questionar o leitor.  O caniço pensante expressa a figura do humano que, enquanto ser racional, característica que desde as origens do pensamento clássico e ainda, de certo modo, presente em nossa atualidade, predomina sobre as outras espécies. Um caniço que pensa, pois mesmo capacitado de racionalidade quebra com uma forte ventania.

Esclareço que a construção desta imagem, a do caniço, não é de minha autoria, mas do pensador francês Blaise Pascal (1623-1662), que expressa em sua reflexão filosófica um paradoxo: simultaneamente o homem é tanto grandeza quanto miséria. Perante o Universo ele é um nada, contudo, perante o nada o homem é tudo, devido a sua capacidade racional, torna-se capaz de se reconhecer como existente, reconhecimento que um vegetal e mesmo um animal não possuem. Esse é o realismo trágico de Pascal. Ele compara o homem a uma cana, a mais fraca da natureza, só que ela e no caso o homem, é uma cana que pensa e reflete. Entretanto, refletindo-se neste ponto o paradoxo, apenas uma gota d`água ou uma forte ventania torna-se suficiente para matá-lo. Mesmo assim, o homem ainda é nobre, porque sabe que morre e que existem outras coisas no universo superior a ele ou pelo menos deveria saber ou mesmo tentar refletir sobre isso. Para Blaise Pascal, essa é a nossa verdadeira condição, que nos torna incapazes de saber sobre tudo com total certeza e que assim nos impossibilita ou impossibilitaria de ignorar o absoluto. 

Todavia, é inegável que em nossa atualidade marcada por um enorme potencial tecnocientífico, não conseguimos “aceitar” ou mesmo “perceber” a nossa condição de caniço pensante. Afinal, tentamos a qualquer custo fugir a todas as intempéries que possam nos ameaçar. Almejamos sempre ultrapassar as nossas limitações, visando exatamente dirimir a nossa fragilidade.

Utilizamos de nossa capacidade racional para produção de uma existência que possamos controlar ou pelo menos tentar, livrando-nos da condição existencial natural que nos prende e assemelha ao caniço pensante pascalino. Assim sendo, o homem não suporta e não deseja assumir sua condição miserável. Isso faz com que busque fugir de si mesmo e evite refletir sobre sua finitude e fragilidade. A fuga ocorre por meio do que Pascal denomina como divertimento. Inegavelmente são diversas as formas de divertimento que inventamos e buscamos usufruir.  

            Quanto ao nome Covid19, citado no título do artigo, faço referência a um “vírus” que não pode ser comparado a uma gota de água. Muito ao contrário. Um vírus é muito menor. Também está longe de ser o vento que pode envergar o caniço pensante. Para termos uma noção, um vírus possui proporções estruturais pequeníssimas em relação à bactéria que foi responsável pela terrível peste negra, que assolou a Europa, causando uma mortandade de proporções tão absurdas que se imaginou que a Humanidade atingira seu derradeiro fim, como se fosse a praga apocalíptica divina, lançada para castigar os pecados do homem. Apesar desta e de outras ditas pragas, aqui estamos nós. Importante ressaltar que com valor e grande importância, conseguimos nos sobressair a muitas intempéries e limitações impostas pela natureza, devido inclusive a nossa capacidade de pensar e, por consequência, produzir conhecimento e aplicá-lo. Contudo, ainda somos assolados por vírus que mais não são do que aglomerados de proteínas, lipídios e material genético. Que não ganhou uma descrição biológica definitiva ou a classificação em algum reino natural como acontece com os animais e os vegetais.

 Sem dúvida alguma, apesar dos pesares vencemos muitas batalhas para não quebrarmos em definitivo, mas agora mesmo, enquanto escrevo estas linhas, o mundo enfrenta uma nova pandemia. Países fechando fronteiras e paralisando suas atividades. Economias sendo ameaçadas em sua estabilidade. E a sensação de fragilidade e finitude que também volta a nos atormentar, obriga-nos a reconhecer, mesmo a contragosto e por instantes, que podemos quebrar, qual um caniço. O novo terror, o Corona vírus ou Covid19, apresenta-se prontamente para nos incomodar em nossa diversão, enquanto estamos buscando mais e mais pela longevidade, a indestrutibilidade e a sensação de suplantação de nossa fragilidade, contemplando o objetivo de superar a própria morte, demonstrando que apesar de toda nossa tecnologia e ciência, progressos e avanços, ainda somos, em nossa essência, caniços pensantes que podem envergar e quebrar.

            Todo o homem deve e encontra-se à procura do que se convenciona denominar de felicidade. Condenar tal objetivo seria uma insensatez e o filósofo Blaise Pascal realiza esta condenação. Porém, seguindo a reflexão pascalina, a partir da exemplificação do atual algoz biológico que atormenta os continentes, devemos refletir se não estamos buscando de forma irresponsável, egoísta e vaidosa, principalmente quando nos divertimos em manipular  e interferir no equilíbrio ambiental de modo desmedido, despertando por assim dizer a “fúria assassina” de um coronavírus.

Claro que venceremos mais esta “praga”, que está longe de ser comparada à peste bubônica, o “castigo imposto por Deus”, citado anteriormente. Entretanto, gostaria de finalizar este texto  situando que alguns pontos-chaves da reflexão pascalina referente a grandeza e a miséria humana, no quadro pandêmico do Covid19, nos desafie a formular uma indagação final e extremamente imperiosa: de que forma percebemos hoje essa “miséria” e essa “grandeza” em nós, que podemos envergar e quebrar?

 Rogério Luis da Rocha Seixas

Biólogo e Filósofo. Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisador do Grupo de Pesquisa Bildung (IFPR).

 


Anuncie com Jornal Noroeste
A caption for the above image.


Veja Também


smartphone

Acesse o melhor conteúdo jornalístico da região através do seu dispositivos, tablets, celulares e televisores.