Cultura do cancelamento na internet: quais implicações a prática traz à sociedade?
Por Alice Martins Costa Kessler da Silveira e Júlia Alves Cunha Santos*
Em pesquisa promovida pela GlobalWebIndex [1], estimou-se que o tempo despendido em redes sociais aumentou quase 60% nos últimos sete anos, sendo o Brasil o segundo colocado no ranking de países onde mais se passa tempo em redes sociais (em média, 225 minutos por dia). As consequências decorrentes desse aumento não passaram despercebidas e, dentre elas, tem ganhado cada vez mais evidência a prática apelidada de "cultura do cancelamento".
Se você é usuário de redes sociais, provavelmente já deve ter acompanhado alguma celebridade, ou até mesmo uma pessoa desconhecida, ser criticada pelo cometimento de algum erro ou conduta socialmente relevante, tida como reprovável pelos usuários de determinada plataforma. O fenômeno – que divide opiniões e consiste na disseminação ("viralização") de uma foto, vídeo e/ou depoimento relacionado ao evento – tem sido tão recorrente que, atualmente, poucos são os acontecimentos que saem ilesos ao crivo do "Tribunal da Internet": quase toda semana um novo fato vem à tona e, no mesmo instante em que é exposto, passa a ser julgado pelos internautas.
Não por menos, as redes sociais têm se tornado um ambiente cada vez mais hostil, onde os usuários se mostram desconfortáveis em compartilhar suas rotinas, seus pensamentos, etc., pela insegurança de serem a próxima vítima do Tribunal da Internet. Inclusive, esse sentimento, potencializado pela pandemia, foi denominado como síndrome de "FOPO" (fear of other people’s opinion ou medo das opiniões alheias) [2].
Neste contexto, deve-se ponderar que, se, por um lado, a "cultura do cancelamento" possibilita dar maior visibilidade, fomentando o debate, por iniciativa de qualquer usuário, sobre pautas socialmente relevantes, antes encobertas; por outro, ao ser a crítica instrumentalizada por meio de algum usuário, este invariavelmente sofrerá danos, possivelmente irreversíveis, por uma conduta cujos fatos não foram bem apurados antes de serem massivamente expostos.
Cabe a nós, como usuários da internet e cidadãos, portanto, ter cuidado no compartilhamento de informações e na disseminação de críticas a determinado usuário, cientes de que caberá exclusivamente às autoridades competentes apurar e julgar os fatos relacionados ao caso. Assim, para que se evitem críticas pautadas pela intolerância, seria recomendável deslocá-las da pessoa para o comportamento em si – o que parece, inclusive, ser o objetivo idealizado pela "cultura do cancelamento": o debate qualificado a partir da exposição de uma conduta.
Frente a este cenário e cientes da importância de se criar espaços para se fomentar o debate saudável, é que fora idealizado o projeto “Conversa Aberta: Descomplicando”, por meio do qual reunimos, em uma plataforma online, colegas de profissão, alunos da graduação, bem como profissionais de outras áreas, para discutirmos quais são as implicações jurídicas de temas relevantes à comunidade em geral. No primeiro módulo do grupo, que ocorreu durante o último semestre de 2020, um dos assuntos que debatemos foi sobre a "cultura do cancelamento" e o Tribunal da Internet, tratando sobre estas e outras problematizações que a nova cultura traz para a nossa sociedade. Para mais informações sobre o projeto, acessar o perfil da @jujuexplica no Instagram ou nos contatar através do e-mail jujuexplica.descomplicando@gmail.com.
Fontes:
[1] Brasil é 2º em ranking de países que passam mais tempo em redes sociais. Época Negócios, 2019. Disponível em: <https://epocanegocios.globo.com/Tecnologia/noticia/2019/09/brasil-e-2-em-ranking-de-paises-que-passam-mais-tempo-em-redes-sociais.html>. Acesso em: 23 dez de 2020.
[2] Medo da opinião alheia, denominado FOPO, invade as redes sociais. O Globo, 2020. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/ela/gente/medo-da-opiniao-alheia-denominado-fopo-invade-as-redes-sociais-24645025#:~:text=Foi%20cunhado%20pelo%20psic%C3%B3logo%20americano,uma%20das%20principais%20quest%C3%B5es%20contempor%C3%A2neas>. Acesso em: 23 dez 2020.
*Alice Martins Costa Kessler da Silveira e Júlia Alves Cunha Santos são advogadas, idealizadoras do Projeto “Conversa Aberta: Descomplicando” e graduadas em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).