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Bela Vingança


Por: Odailson Volpe de Abreu
Data: 13/05/2021
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A arte imita a vida! Essa é uma frase clichê, mas não ninguém pode negar sua alta carga de veracidade. Iniciei o texto essa semana dessa forma porque já faz um tempo que tenho dado destaque na coluna a filmes que buscam tratar sobre o empoderamento feminino e sobre a reflexão a respeito de uma sociedade menos sexista e mais igualitária. Isso ocorre desde 2017, quando as denúncias e o escândalo envolvendo homens poderosos que assediavam e, até mesmo, estupraram mulheres profissionais da área do entretenimento chocou o mundo. O movimento #metoo tomou fôlego, cresceu e passou a inspirar muita gente competente que canalizou toda a sua indignação e busca por um mundo mais justo para o gênero feminino em várias obras como livros, séries e também filmes, ou seja, a arte não apenas imita, mas tem sua inspiração na vida. A estreia da vez se enquadra nesse contexto. Bela Vingança chegou aos cinemas, depois de ter encantando e surpreendido muita gente nas últimas premiações.

A mulher por trás de Bela Vingança já é bem conhecida do público, Emerald Fennell. Célebre mundialmente por seu papel como Camila Parker Bowles na série da Netflix, The Crown, ela também é responsável pelo roteiro da excelente série Killing Eve: Dupla Obsessão. Recentemente a atriz resolveu se aventurar pelo mundo da Sétima Arte e seu filme de estreia foi Bela Vingança, que rendeu muitos elogios e algumas indicações e prêmios para sua protagonista.

Fennel não assina apenas a direção de Bela Vingança, mas também seu roteiro e por ser o seu primeiro trabalho para a indústria cinematográfica, o filme é bastante ousado e contém mais acertos do que erros. Com uma linguagem visual bastante dinâmica e dual, Fennel abusa na subjetividade, fazendo com que o expectador sempre entenda algo que está para além da cena. Soma-se a isso diálogos inteligentes que reproduzem falas que, infelizmente, fazem parte do mundo machista e patriarcal que insiste em sobreviver na sociedade moderna.

Ela usa de um senso de humor irônico (eu diria até tipicamente inglês), para tratar um assunto sério e expor ao longo da história a maneira como um estupro não apenas arruinou o futuro de uma jovem, como despertou nela uma obsessão por vingança. Uma trama que parece muito simples e que muita gente pode até achar que já foi explorada, mas que nesse filme ganha várias sutilezas, tornando-se muito interessante do começo ao fim.

Para isso, Fennel constrói sua protagonista como uma pessoa multifacetada, capaz de transparecer características diferentes de acordo com sua intenção ou necessidade. Ela pode ser inocente e frágil, mas repentinamente se apresentar como uma verdadeira fera, pronta para dar o bote. O conceito de vingança é sempre muito bem-vindo para o público. De maneira geral as pessoas nutrem em seu interior um apreço inconsciente pela velha máxima “olho por olho, dente por dentre”, fundamentada na lei de retaliação (há quem chame de talião) do antigo código babilônico de Hamurabi, que remonta ao século XVIII a. C. (isso mesmo, essa sede de vingança tem como essência uma sociedade de quase 2.000 anos antes de Cristo!). Por isso, livros, séries, novelas e filmes que se constroem sobre as bases da vingança são tão adorados pelo público.

No caso, após uma experiência traumática resultada da ação de um representante da masculinidade tóxica, a protagonista resolve fazer justiça de forma particular, buscando livrar a sociedade de um tipo mais comum do que imaginamos, o monstro que se esconde por trás da máscara de cara legal”. A vida dupla que Cassandra, ou Cassie, leva para chegar até essas pessoas é instigante e garante interesse imediato do público, tanto feminino quanto masculino.

Falando em público, esse é aquele tipo de filme que deveria ser visto preferencialmente por homens. Porque sua abordagem acessível e exageradamente honesta abre espaço para uma reflexão pessoal, fazendo com que os expectadores desse gênero repensem alguns posicionamentos ou mesmo comentários que estão interiorizados e que já não são mais possíveis nos dias de hoje.

Vencedor de vários prêmios na última temporada, esse filme ganhou merecidamente o Oscar de Melhor Roteiro Original. Mas há quem diga que ele foi injustiçado em relação ao Oscar de Melhor Atriz, de maneira que Carey Mulligan, a atriz principal de Bela Vingança deveria ter ficado com a estatueta no lugar de Frances McDormand. Boa parte dos críticos, principalmente os mais jovens, concordam com isso, pois a atuação de McDormand em Nomadland é incrível, mas não é tão surpreendente, complexa e heterogênea quanto a de Mulligan. Tanto ela quanto o elenco de Bela Vingança dão um show de interpretação, com destaque para a atuação de Bo Burnham, o responsável pelo pontapé inicial à trama! Falando em trama, vamos à ela!

Em Bela Vingança, Cassie é uma mulher com muitos traumas do passado que frequenta bares todas as noites e finge estar bêbada. Quando homens mal-intencionados se aproximam dela com a desculpa de que vão ajudá-la, Cassie entra em ação e se vinga dos predadores que tiveram o azar de conhecê-la.

Por que ver esse filme? Por seu enredo atual, por seu conteúdo crítico disfarçado de sátira trágica, mas principalmente por sua originalidade. Um filme que poderia ser um punhado de clichês acabou surpreendendo em várias cenas, inclusive em seu final catártico. Sobre o final eu não vou comentar para não estragar sua experiência. Afirmo apenas que, mesmo que aparente ser cruel na conjuntura construída ao logo da trama, ele se apresenta completamente plausível. Um filme, inteligente, divertido e ousado. Para bom entendedor, esse é um daqueles tipos de prato que se deve comer frio. Boa sessão!

Odailson Volpe de Abreu

Odailson Volpe de Abreu


Anuncie com Jornal Noroeste
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