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Avaliação escolar: porcentagens e conselhos de classe


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 19/05/2020
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Certa vez ouvi que um homem simples, mas com grande sabedoria, ensinava música para uma multidão. Sua forma de ensinar era exigente: cobrava cem por cento de cada músico. Todavia, esse cem por cento era interessante: se a pessoa tinha apenas “dez por cento” para oferecer, exigia a integralidade do que ela podia ofertar, não aceitando nem um por cento a menos. Dito em outros termos, o maestro exigia cem por cento de dez por cento e tendo por meta elevar o conhecimento da pessoa a vinte, trinta por cento ao final do ensino (que o mestre ensinava que nunca se dava por completo). O ensino era exigente, mas, ao mesmo tempo, leve e libertador.

A partir do exemplo acima fico a imaginar se o mesmo não pode ser aplicado, com algumas ressalvas, claro, ao cotidiano escolar, no caso, à avaliação escolar. Supondo que um professor detenha oitenta por cento da ciência que se dispõe a ensinar, ao transmiti-lo ao estudante esse saber acaba por sofrer uma perda de uns vinte por cento (afinal, a linguagem não raro traz em si perdas), o aluno absorve uns quarenta e quando este coloca no papel (avaliação) é possível imaginar que o conhecimento ficou em apenas vinte por cento.

É claro que a situação acima é feita a partir de números ideais, como se houvesse alguém tão genial a ponto de compreender oitenta por cento de determinada ciência. Imagine, por exemplo, alguma pessoa saber oitenta por cento do que se passou até hoje na história. Logo, se isso é algo impossível, parece razoável dizer, também, que é impossível uma avaliação que cobre cem por cento de cem por cento, ou, em outras palavras, uma avaliação que se proponha a cobrar tudo sobre determinado conteúdo. Essa ideia qualitativa (ou mesmo quantitativa) fica ainda mais complexa de ser pensada quando a educação não consegue, no mais das vezes, ensinar o básico para os alunos. Não é porque foi dito que Pedro Alvares Cabral ajudou Portugal a colonizar o Brasil que só por causa dessa informação deve-se cobrar tudo de Brasil Colônia, e esse é um erro facilmente observado no universo escolar: avaliações mais pesadas do que o ensino. Nesse bojo, o dito e problemático “fracasso escolar” é mais do que óbvio: o sucesso foi feito para não existir.

Por outro lado, e retornando o que foi trazido no início desse texto, uma avaliação escolar mais sábia, e que também pode ser objetiva, busca uma formação e um aluno reais, e não ideais (ao menos no ponto de partida). Disso resulta que um professor, identificando hipoteticamente que um aluno tenha trinta por cento a oferecer, deve cobrar cem por cento desses trinta e lutar metodicamente para que esta porcentagem suba gradativamente. Esse critério, óbvio, é subjetivo e problemático, mas serve como uma espécie de metáfora; nada em educação é simples, mas precisa ser ao menos cogitado.

Por mais abstrato que possa parecer esse artigo, ele, por incrível que pareça, não é, sendo que os exemplos aqui trazidos são frequentemente aplicados por professores nos conselhos de classe finais. Não ao acaso que muitos docentes dizem uns aos outros: “o aluno x entrou de tal jeito, não atingiu a média final, mas cresceu ao longo do ano e merece um voto de confiança”, “o fulano de tal acordou e pode recuperar o que perdeu no ano que vem com um voto de confiança”. Apesar de em um e outro casos existirem reprovações, pois podem ser inevitáveis diante da lógica da educação formal, é certo que nenhum professor almeja a retenção de ninguém, e que, ainda que inconscientemente, tem em vista que não é possível exigir cem por cento de cem por cento.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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