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A onça e nós


Por: R. S. Borja
Data: 09/10/2025
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Por horas vagou, sem direção, na imensidão das águas. Machucada, desorientada pela dor, exausta pelo esforço sem resultado. O porquê dos ferimentos nunca saberemos, se mera diversão, prazer mórbido, crueldade, medo ou um ato de defesa ante possível agressão.

Passou por diversas embarcações, sem contudo, ser socorrida. Muitos não agiram por medo, outros por não saberem como ou não possuírem as ferramentas necessárias. Alguns ignoraram, desviando o olhar. Por fim, tiveram aqueles que simplesmente não se importaram.

Quando já sentia suas forças esvaírem, avistou um pequeno barco parado, como se a aguardasse. Nele estavam seres humanos, iguais aquele ou aqueles que causaram as suas feridas. O instinto de sobrevivência sobrepujou o medo e foi de encontro ao barco.

No barco, improvisaram um bote, algo provisório para que ela pudesse flutuar e se sentisse segura para ser transportada para um lugar seguro. E mesmo sem saber para que lugar estava sendo levada, ela se agarrou àquela prancha, que a permitia descansar e aliviada um pouco sua dor.

Levada ao hospital, constatam a existência de trinta e seis fragmentos de chumbo na cabeça, não sendo possível a retirada de todos. Ficará com marcas e sequelas, mas sobreviverá. As marcas a lembrarão de que um dia foi gravemente ferida e talvez quem e os motivos pelos quais a agressão ocorreu.

Como aconteceu com a onça, muitas vezes, apesar das lutas diárias, obtendo vitórias e derrotas, somos atingidos violentamente e caímos. A perda de um ente querido, o término de um relacionamento, a demissão, a falta de recursos, traições.

Como aconteceu com a onça somos surpreendidos e não conseguimos nos defender. Muitas vezes também não sabemos porque fomos golpeados, se por diversão, crueldade, insensibilidade ou medo. Sabemos de onde parte a agressão, de nós mesmos ou de outras pessoas, mas não queremos acreditar ou entender.

Como aconteceu com a onça, feridos, olhamos ao redor e vemos somente uma imensidão de dor, tristeza e abandono, sem esperança em se curar. Como a onça, em desespero, buscamos caminhos que aliviem nossa dor e experimentamos álcool, drogas, medicamentos e outros tantos vícios, até descobrirmos que, passando o efeito, ainda estamos na imensidão de dor, tristeza e abandono.

Como aconteceu com a onça, quando estamos no chão tentando sobreviver, passamos por pessoas que, mesmo vendo nossa situação, não estendem a sua mão, nos ignorando, seja por medo de não conseguir, por não se importarem ou por mera satisfação de nos ver nessa situação.

E no momento em que estamos sem forças e prestes a sucumbir, alguém nos oferece, não a salvação, mas a oportunidade de achar o caminho para ela, nos conduzindo nessa jornada para a cura. Nos possibilita o manejo das palavras, a leitura das palavras ou da palavra, a audição de sons ou, ainda, a elaboração dos sons. Ensina a cultivar a terra, a cuidar da cabeça e do corpo ou, simplesmente, nos acaricia com suas palavras;

E se, tal como a onça, nos agarramos a essa mão, seremos transportados para o tratamento e cura. Manteremos as marcas da agressão e poderemos recordar de quem nos agrediu, mas esqueceremos os motivos.

Olhando nossas vidas quantas vezes fomos a onça buscando sobreviver a mágoas, traumas e medos, sem ter esperança ou forças para superar, até sermos resgatados por uma ou várias pessoas que, com pequenos atos, nos revigoram pouco a pouco, até obtermos o tratamento que nos faz renascer

A todas as pessoas que, consciente ou inconscientemente, se dispõem a resgatar outros seres, em especial àquelas que permitiram externar, por meio de palavras escritas nossa visão do mundo nesse período, dedico esse texto, expressando toda gratidão.


Anuncie com Jornal Noroeste
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