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Dilemas do puerpério: Meu bebê chora o que eu calo


Por: Simony Ornellas Thomazini
Data: 10/05/2019
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A crônica que escrevo abaixo é resultado de minha prática com um grupo de gestantes enquanto psicóloga da assistência social. Diante das trocas de experiências que elas me trazem e das pesquisas que faço sobre o tema, senti-me motivada a escrever sobre o que quase nunca se fala: a dor do puerpério. 

Escuto o bebê chorar do meu quarto. É a décima primeira vez em que ele chora só hoje. Estou cansada. Exausta pra falar a verdade. Mas, não posso me permitir sentir cansaço, não tenho tempo pra pensar no que estou sentindo, só no que o meu filho precisa, e, ele precisa de mim. Agora! Apressadamente caminho até o berço. Enquanto caminho até o quarto dele, uma lágrima desce de meu rosto, num ímpeto a limpo já em frente a ele. Pego-o calmamente. Estou sozinha em casa. Meu marido está trabalhando. É a décima primeira vez em que meu bebê chora. Eu sou uma péssima mãe, meu Deus! 

“O que você quer filho?” Amamento-o. E enquanto faço isso, olho para aqueles olhinhos marejados e digo a mim mesma que sou uma mãe horrível por estar tão cansada. Faz 15 dias que sou mãe, e faz 15 dias que estou exausta. Devo ser muito fraca mesmo! Ouso chorar, mas tão logo percebo as lágrimas, engulo-as com o copo d’água que está na cômoda ao meu lado. Meu bebê me fita, eu soluço um pouco, e não consigo saborear aquele momento que era pra ser tão nosso. 

Após colocá-lo novamente no berço lembro que preciso limpar a casa. Hoje é sexta-feira e, uau, eu me esqueci completamente, faz 1 semana que eu não limpo a casa! Estou exausta! Olho no relógio, são 18:00h, acabei de colocar o bebê pra dormir e percebo que não fiz a janta de meu marido, nem tenho vontade alguma em fazer nada. Penso em tudo isso sentada na poltrona em que acabei de amamentar meu filho. Ele está ali olhando pra mim em meus braços enquanto a minha mente voa para minhas tantas outras obrigações. Penso em tudo, e não faço nada. E ali, permaneço. Quero chorar, mas novamente engulo meu choro em mais um copo d’água. 

Meu marido chega. Escuto o bater de portas. Não consegui sair daquela poltrona.  Meu filho está dormindo em meus braços. Ele se ajoelha diante de mim, percebe o quanto a maternidade tem me afetado, e me diz que irá fazer o jantar, que eu não preciso me preocupar e que posso dormir. Dormir? Eu nem sei mais o que é isso.  Aquela palavra soa como poesia para os meus ouvidos. Há dias também que sequer olho-me no espelho. Nem sei mais aonde foi parar aquela mulher que eu conhecia. Só tenho olhos para o meu filho, e para aquela casa que me parece cada vez maior...

Então, a maternidade é isso? Ao pensar nisso, sinto-me culpada. Eu amo meu filho, mas estou exausta. Quando ouvi de meu marido que ele faria o jantar, percebi o quanto aquelas palavras aliviaram-me subitamente. Antes de ir para a cama, observei meu filho, com muito receio, mas ciente da necessidade que meu corpo implorava a mim, atendi meu desejo pela primeira vez em 15 dias: descansei.

De madrugada novamente o escuto chorar. Acordo assustada e novamente lá estou eu ninando-o em meus braços. Digo baixinho o quanto eu o amo e o quanto eu preciso dormir, o quanto eu preciso descansar, e o quanto estou me sentindo sozinha, mesmo estando rodeada de visitas quase que a toda hora.  Então choro com ele em meus braços. Choro tudo o que não chorei nesses 15 dias em que só ele chorou. Choro pelas minhas noites de sono mal dormidas, choro pela falta de cumplicidade de meu marido muitas vezes, choro por não ter recebido apoio e ajuda no momento em que mais preciso de minha família e amigos. Choro pela casa suja e pelos jantares que eu não fiz. Choro pela mulher desconhecida em que me tornei. Choro pelo medo de ser uma péssima mãe e choro por agora me permitir sentir tanto cansaço. 

Após esse momento de lágrimas que escorriam torrencialmente de meu rosto, acalmo-me e coloco-o no berço. Estou estranhamente sentindo-me melhor. Antes de voltar a dormir, vou até a cozinha e penso no que acabou de acontecer. Compreendo que aquelas lágrimas vieram porque meu corpo sucumbiu ao peso que o puerpério me impôs. Meu filho estava chorando por mim. Ele estava chorando tudo aquilo que eu não chorei, que eu calei. Eu reconheci que precisava de apoio, então, eu pedi e, pela segunda vez em 15 dias, atendi mais um desejo meu.

E foi assim que pude finalmente apreciar o que é me tornar mãe. Muito longe de qualquer idealização que eu tinha, aprendi a verbalizar tudo o que estava sentindo. Tenho me sentido mais confiante, tenho atendido meus próprios desejos e olhado com uma atenção muito maior e melhor para o meu bebê, porque compreendi o mais importante: foi só quando eu olhei pra mim e cuidei de mim, que pude amar e cuidar muito melhor do meu filho. 

Simony Ornellas Thomazini


Anuncie com Jornal Noroeste
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