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A academia no divã: reflexões sobre a expressão “Tá pago!”


Por: Simony Ornellas Thomazini
Data: 24/01/2020
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É muito provável que você já tenha se deparado alguma vez com a famigerada expressão “Tá pago!” na internet. O aplicativo instagram é a rede social favorita para essas hashtags em que as pessoas publicam imagens revelando a finalização de seus treinos. 

O que parece ser um ato simples contém de maneira velada uma série de questionamentos que serão discutidas neste texto.

A principal questão quando alguém publica essa expressão está contida na própria palavra. Quando dizemos que algo está “pago”, é porque havia uma dívida a ser quitada com alguém. E aqui fica a reflexão: Se o treino foi pago, a dívida era com quem? As respostas não são tão simples. A dívida pode ser com a saúde, com a sociedade, a mídia, consigo mesmo, etc.

Embora existam vários fatores atrelados a isso, se a pessoa precisa “pagar” para fazer algo, pode ser um sinal de que esteja fazendo o exercício errado. O exercício deve proporcionar bem-estar, prazer e qualidade de vida. Quando praticá-lo passa a ser “pago”, é preciso rever a maneira como estão sendo feitos. É importante lembrar que todo praticante de exercícios físicos requer um objetivo final, e é para ele que se caminha, respeitando sempre os limites de cada um.

Outro ponto importante a ser destacado é o papel que as redes sociais ocupam frente a esse cenário. Será que eu preciso publicar uma foto no instagram para (me) afirmar, precisando, portanto, “pagar” para poder existir? Pois, se eu não postar uma foto na academia dizendo que meu treino foi pago - significa que eu não fui? - e contraí uma dívida (com quem?) que precisará ser paga em algum momento. Talvez no dia seguinte, ou no outro, ou no outro... como uma cobrança sem fim.  

Há aqui um notável sofrimento psíquico quando nos deparamos com pessoas que apresentam esse tipo de comportamento, uma vez em que é a maneira encontrada pela pessoa em se posicionar diante das ofertas que a cultura traz.  A busca incessante pelo corpo perfeito e definido é o sintoma principal que leva a academia ao divã. 

Nesse sentido, várias questões se fazem presentes, transtornos alimentares, vigorexia, dentre outros, mas, o que estamos discutindo aqui, é outro ponto. 

Que vida é essa que precisa ser preenchida com músculos, treinos excessivos, publicação de imagens? A serviço de quem está esse imperativo pelo corpo perfeito? A psicanálise compreende que uma armadura se ergue para encobrir possíveis ameaças vindas do exterior, numa tentativa de proteger um eu fragilizado. Ou ainda, em buscar uma sustentação no olhar do outro para a formação de sua própria identidade. Com isso, a autoestima torna-se muito volátil quando seu parâmetro de ideal é colocado em demasia no exterior.

Várias questões importantes se apresentam nesse contexto, afinal, qual é o preço que cada um paga para poder existir? É preciso “pagar” para realizar algo que deveria ser fonte de prazer e qualidade de vida? É importante ressaltar que não podemos fazer generalizações. Diversas pessoas podem fazer o uso da referida expressão e se sentirem confortáveis na realização de seu treino. Não possuem essa cobrança incessante e infindável consigo mesmo ou com a sociedade. 

Diante disso, é imprescindível a escuta desses sujeitos que sofrem, mas que nem sempre comparece em seu discurso algo desse sofrimento, e sim, em seus atos repetitivos, como, treinos excessivos e em consequência disso, as marcas no corpo, publicações nas mídias sociais e afins.  A psicanálise reconhece a complexidade do psiquismo humano nesse contexto, e pode trazer contribuições frente a estes sintomas atuais. 

Simony Ornellas Thomazini


Anuncie com Jornal Noroeste
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