Base de cálculo defasada impede que municípios ampliem arrecadação do IPTU
Num momento de crise econômica como a atual, agravada pela pandemia da Covid-19, os municípios paranaenses estão deixando de arrecadar o que poderiam com o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) se cobrassem o valor justo dos contribuintes. Isso acontece porque os valores atribuídos aos imóveis para calcular o tributo estão defasados e não refletem o preço de mercado. A conclusão é de levantamento realizado pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR).
A falta de utilização do pleno potencial arrecadatório do IPTU decorre da histórica desatualização da Planta Genérica de Valores (PGV), empregada na apuração da base de cálculo do imposto. Dos 399 municípios paranaenses, apenas 103 (26% do total) cumprem os prazos estabelecidos na Portaria nº 511, emitida em 2009 pelo então Ministério das Cidades. Essa portaria estabelece que a PGV seja atualizada a cada quatro anos, com no máximo o dobro desse prazo para os municípios com população de até 20 mil habitantes.
Com base em uma amostra de 41 municípios, de todas as regiões do estado, o TCE-PR concluiu que o valor presumido utilizado para o cálculo do IPTU corresponde, em média, a 30% do valor real dos imóveis. Esse patamar é menos da metade do mínimo, de 70%, recomendado pela Portaria 511/09. Há, portanto, um potencial de 40% de incremento da arrecadação, conclui o estudo realizado pela Coordenadoria de Auditorias (CAUD) do Tribunal.
"A gestão eficiente do IPTU é uma oportunidade para se melhorar a arrecadação municipal com uma fonte de receita estável, cujos recursos podem ser utilizados em benefício de toda a população, em ações e serviços de grande impacto, como obras e pavimentação de ruas", afirma o auditor de controle externo Elizandro Brollo, coordenador da CAUD. "O objetivo do Tribunal com esse trabalho é induzir mudanças no comportamento da administração tributária, incentivando os municípios a manter suas PGVs atualizadas."
Questionários
A base de cálculo do IPTU é o valor venal dos imóveis - o preço que terrenos e edificações alcançariam na venda à vista, seguindo condições usuais de mercado. Para apurar o valor venal, costuma-se adotar instrumentos que permitem a avaliação em massa dos imóveis por meio da Planta Genérica de Valores, cuja fórmula de cálculo considera atributos como localização do terreno, padrão e tempo das edificações nele construídas.
Incluído no Plano Anual de Fiscalização (PAF) de 2021 do TCE-PR, o levantamento buscou verificar se os municípios formalizaram legalmente sua adesão aos ciclos regulares de atualização da PGV e mapear o grau de defasagem desse instrumento. O tema foi incluído no PAF 21 devido a sua relevância. Segundo o Sistema de Informações Municipais - Acompanhamento Mensal (SIM-AM) do TCE-PR, o IPTU representa, em média, 28% da receita tributária dos municípios do Paraná.
O levantamento foi executado entre os dias 30 de julho e 9 de novembro, pelos auditores de controle externo Fernando Humberto Angulski de Lacerda e Paulo Costa Carvalho. A CAUD enviou questionários online às 399 prefeituras do Paraná, por meio do Canal de Comunicação (CACO), ferramenta eletrônica de diálogo institucional do Tribunal com seus jurisdicionados.
PGV desatualizada
Em resposta, 303 municípios (75% do total) informaram ter editado ato normativo instituindo a PGV. No grupo de 96 que não possuem esse instrumento foram incluídos os 11 municípios que não responderam o questionário. Das administrações que possuem legislação sobre o tema, em 284 (93%) a edição ocorreu por meio de lei; 14 (5%) via decreto e 6 (2%) por outro instrumento.
A conclusão do estudo é que 116 municípios paranaenses desobedecem ao princípio da legalidade tributária pelo fato de não terem editado lei, no sentido estrito, para definir parâmetros de cálculo do IPTU. Destes, 96 sequer editaram PGV e outros 20 o fizeram por norma infralegal. Somados, eles representam 29% do total de municípios do Paraná.
Considerando-se os 303 municípios que editaram PGV, apenas 103 (34%) obedecem aos intervalos regulares na atualização desse instrumento fixados no artigo 30 da Portaria 511/09 do Ministério das Cidades. Desse grupo, 65 prefeituras não atualizam a PGV há mais de 20 anos - em 18 delas a defasagem supera três décadas.
A desatualização é generalizada, independentemente do porte do município. Nos que têm mais de 20 mil habitantes, enquadrados na revisão quadrienal, atinge 80%. O índice é superior aos 61% verificados nos municípios com população abaixo daquele patamar, em que é permitida a atualização no prazo de até oito anos, desde que comprovada a manutenção dos níveis de preço do mercado imobiliário local.
Impacto econômico
Além das respostas aos questionários, o estudo avaliou os resultados das auditorias operacionais na receita pública, realizadas pelo TCE-PR desde 2019, para chegar à constatação de que a base de cálculo do IPTU está subavaliada. Nesse período, equipes do Tribunal auditaram 41 municípios. Em 34 deles (83% da amostra) foi verificado alto grau de defasagem da PGV.
Os 24 municípios desse grupo que não revisam a PGV há mais de 20 anos cobram, em média, o IPTU relativamente a apenas 19% do valor real dos imóveis, bem abaixo da média de 30% verificada nas 41 administrações fiscalizadas individualmente no PAF Receita Pública nos últimos três anos.
Outra constatação do estudo é que a revisão periódica da PGV não é uma garantia inquestionável de que o valor venal dos imóveis acompanha os preços de mercado. Um exemplo disso está em Capanema (Sudoeste do estado). Embora a administração municipal tenha editado a PGV em 2018, a base de cálculo representa apenas 10% do valor real dos imóveis urbanos.
Causas
"Além da função tributária, a PGV serve de instrumento de planejamento urbano quanto ao uso e à ocupação do solo. Por isso, o IPTU é um instrumento de política urbana definido no Estatuto das Cidades", afirma Paulo Costa Carvalho, gerente do PAF Receita Pública 2021.
Ele aponta outra virtude do IPTU: é uma receita estável, de fato gerador contínuo (a propriedade de imóveis), diferente do ISSQN e o ITBI, por exemplo, que sofrem oscilações de acordo com a intensidade do consumo de serviços e das transações imobiliárias, respectivamente. A PGV também é utilizada como baliza para apuração do ITBI, na medida em que atua como referencial mínimo em relação aos valores de transação declarados pelo contribuinte.
Entre as causas para a falta de atenção à gestão eficiente do IPTU por sucessivas gestões municipais, o levantamento do TCE-PR aponta, com base em trabalho do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), do Ministério da Economia, a baixa cultura fiscal, causada, em parte, pelo grande volume de transferências governamentais; a falta de estrutura administrativa e de pessoal capacitado; além de um componente eleitoral. "Prefeitos e vereadores não querem ser carimbados por provocar aumento de impostos", conclui o estudo do TCE-PR.