Sófocles. “Édipo em Colono”
Antígona:
“Para onde quer que olhardes, não vereis mortal
que possa escapar se um deus o persegue.”
(SÓFOCLES, 2010, p. 43).
Meu amigo leitor, eu não resisti, tive que estender o comentário sobre “Édipo rei”, indo para “Édipo em Colono”, e, como você já pode deduzir, chegando à “Antígona”. Essa continuidade surgiu após eu adotar procedimento semelhante com a “Odisseia”, indo até “A Divina Comédia”. Como eu disse na introdução a esse livro, quem conta um conto aumenta um ponto.
Após tomar conhecimento do casamento monstruoso, Édipo se desespera, fura os olhos e fica perdido. Polinice, seu filho mais velho, ficando com o lugar no trono, não mostra piedade ao genitor, antes o exila. É por esse emotivo que Édipo sai de Tebas e vai para Colono, território que fazia parte de Atenas. Esse ato do filho jamais será perdoado, sendo uma das grandes tônicas da segunda parte da trilogia tebana.
É necessário esclarecer que por diversas vezes Édipo não se considerou culpado pela tragédia que lhe acompanhava, na verdade, ele se considerava inocente. E o argumento era simples: seu pai, Laio, que fazia parte da família dos Labdácidas, na juventude gostou de um rapaz, Crísipo, e o pai deste, Pêlops, não tolerando esse sentimento antinatural, amaldiçoou Laio, dizendo que ele morreria sem descendentes. Contudo, Laio se casou com Jocasta, o que fez com que um oráculo (de Apolo, em Delfos) predissesse que, ainda assim, o destino de Laio seria terrível, pois, se tivesse um filho varão, este o mataria. Diante desse cenário, Édipo passou a se considerar apenas um joguete do destino, da vontade dos deuses.
Explica-me, se oráculos disseram a meu pai
que ele seria morto por um filho,
como posso ser acusado disso legitimamente
se eu não conhecia pai nem mãe,
pois nem sequer tinha sido gerado?
(...)
Nem a sombra de meu pai, se voltasse
viva, apresentaria queixas contra mim. (SÓFOCLES, 2010, p. 95-96).
A questão é que em decorrência de sua tragédia, Édipo sai de Tebas e vai para Colono. Porém, e aqui vem o teor dessa peça de Sófocles, nem só de maldições vivia Édipo, mas, segundo o próprio oráculo que sentenciou o seu destino, a cidade que o recebesse e o sepultasse triunfaria. Ao tomar conhecimento disso, os habitantes de Tebas, sem perda de tempo, vão a Colono atrás do andarilho, afinal, Édipo, de rei converteu-se em mendigo. Mas, Édipo, com o orgulho mais do que ferido, ressentido com a própria família, a exemplo dos filhos Etéocles (mais novo) e Polinice (mais velho) e de Creonte (seu cunhado e, ao mesmo tempo, tio), ele faz um pacto com o próprio rei de Colono, Teseu, para ficar nessa cidade ateniense. E assim se dá: Édipo, junto às filhas Antígona e Ismene, é recebido por Teseu. Acerca da maldição e da benção, é possível ler:
Ele [oráculo de Delfos] me anunciou que, ao cabo de longos anos,
alívio eu acharia para meus muitos sofrimentos
em território remoto onde deusas preclaras
me concederiam asilo. Lá eu venceria
a última etapa de minha infausta vida, lá eu
viveria para ventura dos que me acolhem
e maldição dos que me expelem, escorraçam. (SÓFOCLES, 2010, p. 32).
Ao longo da obra, que nos comove pelo seu drama, aparece o filho de Édipo, Polinice, e lhe conta que Tebas está um caos. Ele, filho mais velho, foi tirado do trono pelo irmão mais novo, que seduziu a cidade a seu favor. Com o objetivo de reaver o poder, ele se aliou à Esparta e, já com o apoio de sete guerreiros, se empenhará contra Tebas para, ao fim, reaver o que lhe era de direito. Essa história é contada na obra “Os sete contra Tebas”, de Ésquilo, mas que apenas deixo como sugestão para você, caro leitor, ler, pois, do contrário, esse livro sobre livros se tornará infinito. Enfim, Polinice sabe que precisa, apesar das forças dos guerreiros, da benção do pai para poder triunfar. Polinice sabia da benção que havia por trás de Édipo. Contudo, o rei exilado não perdoa o filho, antes o amaldiçoa.

Não adiantou os apelos do filho e muito menos os de Creonte, pois Édipo estava decidido a ficar em Colono. Na verdade, aqueles apelos mais pareciam álcool na ferida, e Édipo estava ferido, psicológica e fisicamente, e sabendo que o seu fim estava próximo, chamou o rei Teseu e lhe pediu para que o acompanhasse em seus últimos momentos, para que, conforme dito pelo oráculo, a benção que ele carregava pudesse ser transmitida. O destino de Édipo estava selado desde antes do seu nascimento, e ele, conforme a história demonstra, foi apenas um joguete de forças muito maiores. E que fim levaram suas filhas Ismene e a decidida Antígona? Foram para Tebas, para tentar que algo ainda pior não ocorresse, a luta inglória entre os irmãos.
Édipo:
“Que os deuses não extingam essa rixa
providencial, caiba a mim pronunciar
a última palavra sobre este conflito
de lanças erguidas contra lanças.
Não prospere o que agora coroado
ocupa o trono nem o arrebate o filho
que agora vive no exílio. Para reter-me,
eu que lhes dei a vida, vilmente expelido,
não fizeram nada. Humilhado, baniram-me,
condenaram-me a viver no estrangeiro.
Direis que a cidade me concedeu o que eu
pedia, que recebi o exílio como prêmio.
Não é verdade. Naquele dia, quando eu
ardia no fogo da fúria, quando mais doce
me teria sido morrer, perecer lapidado,
ninguém apareceu para satisfazer meu desejo.
Com o tempo, amadurecida a dor mortificante,
compreendi que o tormento que me triturou
foi castigo mais severo que erros cometidos.
Assolado pela dúvida, a cidade, recorrendo
à violência, me baniu. Eles, meus próprios filhos,
embora pudessem valer-me, não se dignaram
a tanto. Uma palavrinha salvaria
o pai da desgraça, e, miserável, parti para sempre.
Mas estas, embora donzelas, no limite de
suas forças, me alimentam, me agasalham,
com afeto me socorrem, destemidamente.
Enquanto que meus filhos, em lugar de quem
os gerou, elegeram trono, cetro, poder, mando.
Não esperem que eu os ampare, jamais
o cetro da cidade de Cadmo verdejará
em suas mãos. Eu o afirmo, ao ouvir
os novos vaticínios, lembrado de antigas
declarações de Febo sobre meu destino.
Venha Creonte ou outro por eles
enviado, amparados por estas sacrossantas
divindades protetoras, me socorrerdes
com mão forte, suscitareis segurança
para esta cidade e trabalho para inimigos.” (SÓFOCLES, 2010, p. 55-57).
Sófocles. Édipo em Colono. Trad. Donaldo Schüler. Porto Alegre: L&PM, 2010.