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As pós-graduações: mestrado e doutorado


Por: Dr. Felipe Figueira
Data: 21/11/2024
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O mestrado

Em 2010 eu estava no último ano da graduação em História e o projeto de mestrado estava pronto, “A crítica ao eruditismo no jovem Nietzsche”. Pensei em dois lugares para me inscrever, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Estadual de Londrina (UEL)[1]. A primeira instituição era a de minha preferência, seja pelo fato de o Rio ser um centro de estudos sobre Nietzsche, seja pelos amigos Renato Bittencourt, Rogério Seixas e Marcelo Rangel. Quanto à UEL, ela tinha em seu corpo docente o professor José Fernandes Weber, estudioso de Nietzsche, e era mais próxima da minha cidade.

Enviado o projeto para as universidades, era aguardar. Para a minha frustração, na UFRJ ele não foi aceito, mas na UEL foi. Então era o momento de me preparar para a proficiência – que fiz em língua espanhola na Universidade Estadual de Maringá (UEM) -, para a prova escrita e para a entrevista. No que diz respeito à prova escrita, lembro-me perfeitamente os autores indicados: Theodor Adorno, “Educação e Emancipação”, Hannah Arendt, “Entre o passado e o futuro”, Kant, “Sobre a Pedagogia”, e Rancière, “O mestre ignorante”.

Fui aprovado na prova escrita e então veio a entrevista, com os professores Weber e Leoni Padilha. Foi um momento agradável, mais se pareceu um bate-papo. Resultado? Antes de sair o edital definitivo, o professor Weber me enviou um e-mail amistoso: “durma em paz, durma o sono dos justos, você foi aprovado”. Só horas depois da euforia consegui dormir.

Quando da aprovação na UEL eu ainda estava no quarto ano da graduação, por volta de outubro, e isso me trouxe momentos de alegria no curso. A minha instituição na época era uma faculdade, a saber, Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí (FAFIPA), sendo que só no ano seguinte se tornou Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR).

No ano que me formei, até pela falta de tradição em pesquisa e pós-graduação stricto sensu na FAFIPA, poucos alunos foram aprovados no mestrado. Lembro-me da aprovação de uma moça, Aline Copceski, de Letras, na UEM. Infelizmente, a Aline desenvolveu um tipo de câncer e veio a falecer antes mesmo de concluir o mestrado.

Sair de Paranavaí e da FAFIPA e ir para a UEL foi um acontecimento, um divisor de águas, pois eu estaria diante de uma universidade nacionalmente conhecida e, mais do que isso, reconhecida.

Ao chegar 2011, de imediato surgiu uma dificuldade: e o transporte para Londrina? E o dinheiro para os custos? Quanto ao transporte, toda semana era um improviso. Quanto ao dinheiro, contei com a ajuda dos meus pais e com o salário, inicialmente, do Colégio Nobel, depois com a bolsa de tutor da UEM e, por fim, com o salário do IFPR.

Como eu sempre precisei viajar nas pós-graduações, vale a pena abrir algumas linhas para esse assunto.

Em um dia da semana, ao longo do primeiro ano, eu tinha o privilégio de sair de carro de Paranavaí. Dois amigos do curso de História, Liliane Buzignani e Antônio Carlos, cursaram disciplinas como aluno especial, então íamos juntos. Era bom rodar vários quilômetros (180) com bons diálogos.

Quanto ao outro dia, era uma odisseia: às vezes eu tinha que sair na noite do dia anterior e dormir em Maringá no sofá de um amigo, Alexandre Silva, até que no dia seguinte, às cinco da manhã, eu pegava carona até Londrina. Nesse dia, o retorno também era uma odisseia: voltava de carro até Maringá e desta cidade a Paranavaí eu ia de circular. O retorno chegava a demorar sete horas, pois era fácil perder a conexão em Nova Esperança. Vale lembrar, também, que vez por outra precisei dormir em “hotéis de rodoviária” cujas diárias podiam ser de no máximo R$ 20,00.

Raras as vezes, em especial no segundo ano do curso, eu fui com o carro do meu pai para a universidade. Isso quase não ocorria porque ele era vendedor externo.

Estando na UEL, brotavam novidades e bons contatos. A relação com o professor Weber gerou frutos e as disciplinas cursadas ampliaram meu conhecimento. Pude estabelecer um rico intercâmbio entre disciplinas nas áreas de História, Pedagogia e Filosofia, e tomar contato com disciplinas ministradas por mais de um professor. Tudo que dizia respeito à minha área de estudo, Nietzsche, eu fotocopiei, tendo em vista que a biblioteca da UEL sobre o filósofo alemão é vasta.

Se há duas palavras para me definirem enquanto mestrando estas são: entusiasmo e êxtase. Eu aguardava os dias de ir à UEL, terça e quinta, como se fossem festas. Eu gostava de andar pelo calçadão, pelo Horto da Figueira, comprar livros, ir à biblioteca e almoçar no restaurante universitário, que servia um delicioso filé de merluza. Até hoje me lembro do mestrado com entusiasmo e êxtase.

A escrita da dissertação foi confortável e célere. Confortável porque eu falava de algo que eu gostava, e célere porque em apenas quarenta dias escrevi a dissertação, de noventa páginas. Então chegaram os momentos da qualificação e da defesa, ocasiões que aprendi bastante, e que contaram com a participação dos professores José Fernandes Weber, Sílvio Gallo, Marcos Nalli e Leoni Padilha. Com esses quatro professores até hoje tenho contato, bem como parcerias intelectuais.

Depois que concluí essa etapa do estudo, pensei em ir para dois lugares, já que na UEL não havia doutorado na minha área: UNESP-Marília e UNICAMP. Se quando comecei o mestrado eu tendia mais para ler Nietzsche pelo Nietzsche, aos poucos meus olhos se voltaram à filosofia da educação e à educação como um todo. Tanto melhor, pois não existe nada em estado puro.

Apenas para encerrar esse subtítulo, quando eu saía de Londrina para voltar a Paranavaí, o caminho, de 180 quilômetros, era demorado. Muitas vezes, saindo da UEL às 18 horas eu só chegava em Paranavaí por volta da meia-noite. Meu pai, então, sempre me esperava no ponto da circular. Isso era o ano de 2012, sendo que concluí o mestrado em julho desse mesmo ano, e no ano seguinte meu pai veio a falecer. Meu mestrado é uma obra coletiva.

O doutorado

A primeira vez que fiz seleção para o doutorado foi em 2012, logo após concluir o mestrado. Inscrevi-me na UNICAMP e na UNESP-Marília. Para a minha tristeza, as minhas inscrições foram indeferidas. Devo ter enviado algo errado, ou, provavelmente, não enviado algo obrigatório.

A segunda tentativa foi em 2013, apenas para a UNESP-Marília. Não fui aprovado. Fiquei como primeiro suplente para a linha de Filosofia e História da Educação. Quando vi o resultado, em julho daquele ano, chorei de tristeza ao imaginar que por mais um ano eu ficaria longe da pós-graduação, já que só haveria novo exame em 2014. Lembro-me que no dia do resultado meu pai me falou: “Você não acredita em Deus? Vai dar tudo certo”. Mesmo após as palavras do meu pai, falecido em 20 de novembro de 2013, não aguentei e dormi a tarde toda de infelicidade.

Por volta das dezessete horas acordei porque ia lecionar às dezoito. Quando eu estava no Colégio Nobel, eis que recebo a ligação daquele que viria a ser o meu orientador, Rodrigo Gelamo. O professor me disse que logo um de seus orientados defenderia e que eu conseguiria uma vaga. E de fato consegui. Em março de 2014 fiz minha matrícula e comecei a estudar.

Com a aprovação no doutorado em uma excelente instituição, não quis saber de prestar novos exames. Um exame já tinha me consumido as energias o suficiente para eu não querer repetir o processo.

Uma vez que entre julho de 2012 e março de 2014 eu não cursei o doutorado e tive uma parte do tempo livre, resolvi antecipar a tese. O que me impedia de fazer isso? Nada. Então, até julho de 2013 eu escrevi a tese em diálogos com o professor Weber (que seria meu coorientador), e depois desse período contei com a orientação antecipada do professor Rodrigo. Quando eu comecei o programa eu já estava com a tese em fase avançada, o que me permitiu qualificar em outubro de 2014 e defender em março de 2015.

O percurso do doutorado foi dos mais interessantes e intensos, porque eu trabalhava em Paranavaí, no IFPR, como professor 20 horas, e ia toda semana a Marília, para ficar dois ou três dias. O dinheiro? Não dava, pois eu ainda pagava as parcelas do carro, fora outros compromissos, como o combustível até Marília. Foi nessa situação difícil, e órfão de pai, que a minha mãe entregou tudo que tinha: as parcelas do seguro-desemprego e mais as suas economias.

Até janeiro de 2014 eu tinha três empregos: 20 horas como tutor do curso de História da UEM, 5 horas como professor de Filosofia e Sociologia no Colégio Nobel e 20 horas no IFPR. Como logo eu teria novos compromissos, teria que deixar dois trabalhos. Fiquei apenas com o IFPR, o que me proporcionou um ganho de tempo, mas uma perda de salário.

Depois que eu concluí os créditos (disciplinas a serem cursadas na pós-graduação), no final do primeiro de semestre de 2014, a situação financeira da minha família melhorou, por dois fatores. Primeiro: meu pai não nos deixou em dificuldades, nem com dívidas, mas a ação de inventário e partilha demorou para ser concluída, e isso nos atrapalhou; apesar de toda demora processual, a ação chegou ao fim em 2014. Segundo: meu regime de trabalho foi alterado de 20 para 40 horas com Dedicação Exclusiva, o que foi uma vitória.

Enfim, se não bastasse a minha mãe ter dado todo o dinheiro que tinha, ela ainda me acompanhou em todas as idas a Marília. Como eu lecionava na época até às 23 horas, eu chegava em casa cansado e às três da manhã tinha que sair para estar na UNESP às oito. Minha mãe e eu conversávamos o caminho inteiro para eu não dormir e, quando chegávamos à universidade, até dar o horário da nossa diária no hotel, ela ficava no carro ou andando para passar o tempo. Na hora do almoço e da janta, dividíamos o marmitex. Tudo para economizar. É por essas e outras que digo que a minha mãe é doutora tanto quanto eu sou. Quanto à minha irmã, que na época tinha dezesseis anos, ficava em casa e na escola e uma amiga dela dormia em nossa casa para lhe fazer companhia. Foi nessa época, para a minha segurança, que a minha irmã começou a namorar aquele que viria a ser meu cunhado, o que me tranquilizava enquanto eu estava longe.

         Quanto às disciplinas do doutorado, elas foram um capricho à parte. Tive a honra de ser aluno dos professores Pedro Pagni, Sinésio Ferraz Bueno, Rosa Fátima Chaloba, Lígia Presumido, Débora Deliberato, Rita de Cássia, Ana Clara Nery, além de fazer bons contatos com outros professores, a saber, Alonso Bezerra de Carvalho e Rosane Michelli. Além disso, a UNESP contava (conta) com uma forte rede de intercâmbio, o que me colocou em contato com colegas de vários países, como a Colômbia e Moçambique, fora vários estudantes que eram professores no Instituto Federal do Ceará (IFCE), que cursavam um doutorado interinstitucional (Dinter).

         Eu acredito que fui um bom aluno nas disciplinas, o que me convenço pelos conceitos A. Porém, no que tange à escrita da tese, fui rebelde. Talvez eu já tivesse “mania de escritor”, o que significa que eu não gostava de grandes interferências em meu texto, por mais que estas fossem necessárias e inevitáveis. Eu brincava que a cada tese que eu escrevia meu orientador vinha com uma antítese. Nada mais compreensível. Mas, até porque na época eu era inexperiente, tudo isso cansava e me desagradava, talvez, também, inspirado pela própria crítica de Nietzsche e de Molière ao eruditismo e ao academicismo.

         Quando chegou o momento de qualificar, a banca foi composta pelos professores Alexandre Filordi de Carvalho e Pedro Pagni. Foi bonito de ver o conhecimento dos professores e o tanto que eu precisava aprender. Saí da qualificação aprovado, mas com as costas cheias de vergões. Não descansei até que tudo que foi apontado fosse devidamente resolvido (ou, ao menos ao meu ver). Fiquei quatro meses imerso na minha tese.

         Em fevereiro de 2015 o trabalho estava pronto para ser defendido (novamente, segundo a minha perspectiva). A banca foi comporta por Marcelo de Mello Rangel, Alexandre Filordi de Carvalho, Genivaldo de Souza Santos, José Fernandes Weber (coorientador) e Rodrigo Gelamo (orientador). Se na qualificação as considerações foram duras, na defesa tudo foi tranquilo. O professor Marcelo, que viria a ser meu supervisor de pós-doc, falou por primeiro e conduziu o teor amistoso da defesa.

         Findada a banca, tanto quem arguiu quanto quem ouviu foram almoçar juntos. Apesar da alegria, tudo o que eu desejava era chegar em Paranavaí e descansar. Uma defesa é – literalmente – uma defesa: a pessoa passa por diversos ataques e isso desgasta. Ao rodar os quatrocentos quilômetros que separam Marília de Paranavaí, pude chegar em casa. Que felicidade. Após tanto esforço e tantos anos de estudo eu era doutor. A felicidade era total, até que eu olhei uma foto do meu pai e chorei pensando que ele, que tinha me acompanhado em tudo, não chegou a ver o filho ser doutor. Mas, depois do choro, veio a consolação, meu pai estava (está) vivo em mim, e ele se orgulhava de ter dado aos filhos um tesouro que ninguém tira: os estudos. Que bela herança.



[1] Para Filosofia na UFRJ e Educação na UEL. Na época, nesta segunda instituição, não havia mestrado em Filosofia.

Dr. Felipe Figueira

Felipe Figueira é doutor em Educação e pós-doutor em História. Professor de História e Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Paranavaí.


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