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O Homem do Norte


Por: Odailson Volpe de Abreu
Data: 19/05/2022
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Violência e barbárie são traços primitivos da humanidade e que tendem a assombrá-los mesmo em tempos supostamente civilizados, como os atuais. Os telejornais bradam quase que diariamente histórias assombrosas de execuções, chacinas e outros tipos de selvagerias que, aos poucos, parecem que vão se adequando à realidade e ganhando um tom de normalidade. Em pleno século XXI é preciso rever valores e posições, buscando o comprometimento com uma sociedade mais pacifica. Dito isso, vale a pena pensar na violência como rico material para a arte, capaz de fazer o homem refletir sobre como ele próprio já foi e como deveria ser agora. Uma das estreias da semana passada, O Homem do Norte, é uma obra excelente para esse tipo de reflexão.

Baseado na lenda nórdica do príncipe Amleth, o filme poderia ser resumido como a Avenida Brasil dos vikings (fazendo referência à notória novela da Globo), mas isso seria diminuir uma obra que exibe o que há de melhor tanto em excelência técnica, quanto em dramaticidade. O responsável por isso foi o diretor Robert Eggers, conhecido por dois grandes sucessos dos últimos anos, A Bruxa e O Farol, ambos sombrios o suficiente para tocar o lado mais soturno do ser humano.

Diferente dos dois filmes anteriores que aclamaram Eggers como um grande diretor, O Homem do Norte contou com um orçamente bem polpudo e um grande estúdio como suporte, no caso, a Universal. Se esse suporte financeiro e de distribuição ajuda por um lado, por outro, atrapalha bastante. Isso porque um filme menos caro e independente não vem com o peso de gerar lucro. Já um filme que ostenta um orçamente de algo como 90 milhões de dólares precisa ser, no mínimo, um blockbuster. Eggers sentiu bem esse peso nas costas e, por isso, O Homem do Norte é de longe seu filme mais comercial e menos profundo. Nem por isso ele pode ser classificado como um filme menor, pelo contrário, ainda é uma perfeita obra de arte.

O roteiro, escrito por Eggers em parceria com Sjón, bebe nas fontes Shakespearianas de Hamlet e no Gesta Danorum – obra clássica do historiador medieval Saxo Grammaticus sobre a história da Dinamarca. Dividido em capítulos muito bem demarcados, ele consegue orientar de forma muito dinâmica o espaço e o tempo em que cada ato está sendo desenvolvido. Justificando o grande orçamento, o filme exibe cenários fabulosos e uma grande quantidade de figurantes, o que torna a história um grande épico. Para mais, diferente das outras obras, nessa o diretor abusa um pouco do CG, mas no final isso acaba sendo compensado pela qualidade técnica.

Sobre essas questões técnicas, vale a pena destacar o trabalho de fotografia – tão típico de suas obras – que tem por características principais os tons sombrios e acinzentados, o que torna Eggers um grande mestre da luz e sombra. O trabalho de mixagem de som também é excelente fazendo com que o público se sinta dentro da cena devido aos sons dos ambientes, algo que combina muito com o tipo de trilha sonora escolhida para a trama. Soma-se a isso o clima de misticismo nórdico e a violência literalmente visceral, isso porque o diretor não perde a chance de expor as entranhas de alguém na tela. Além do mais, ele ainda brinda o expectador com um inesperado e empolgante plano sequência, durante a invasão da vila eslava. Fique atento!

O elenco repleto de estrelas impõe a seus papeis uma alta dose de teatralidade e dramaticidade. Destaque deve ser dado ao protagonista, Alexander Skarsgård, que compõe um personagem muito mais bestial do que humano, levando ao nível máximo a vingança como destino. Anya Taylor-Joy revisita de maneira empoderada seu papel em A Bruxa ao encarnar agora uma misteriosa bruxa eslava. Também Nicole Kidman brilha ao entregar a personagem mais complexa e redonda da trama. Kidman interpreta uma mulher amargurada pelos abusos sofridos e capaz de qualquer coisa por um mínimo de afeição. Vamos à trama!

O filme conta a história de um príncipe nórdico que, ainda criança, assiste impotente ao tio executar de maneira brutal seu próprio pai e roubar sua mãe, obrigando-a a desposá-lo. Após fugir para um lugar distante ele cresce em meio a violências e saques, invadindo vilas e escravizando aldeias inteiras. Numa dessas incursões tem uma revelação mística sobre seu passado e futuro e resolve retornar para as posses do tio como um escravo, onde construirá de maneira engenhosa e sanguinária sua vingança e redenção.

Por que ver esse filme? Vários motivos pesam a balança a favor de O Homem do Norte. Talvez o primeiro deles seja o fato do público poder conferir um filme bastante autoral, ainda que seja um blockbuster. Outro aspecto é sua brutalidade, pensar na barbárie exagerada dos povos nórdicos da Idade Média permite ao homem atual rever a forma como compreende e justifica a própria barbárie nos dias de hoje. Por fim, porque de maneira muito justa o filme destrói o véu hipócrita da romantização da Idade Média, que tanta gente admira, defende e almeja nas redes sociais. Um filme muito interessante para quem está disposto a ver algo mais do que sangue e tripas. Boa sessão!

 Assista ao trailer:

Odailson Volpe de Abreu


Anuncie com Jornal Noroeste
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