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Estados de exceção e as democracias


Por: Rogério Luís da Rocha Seixas
Data: 16/01/2024
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Inicio esta nova exposição de ideias, fazendo referência as ideias de um pensador da nossa atualidade, o italiano Giorgio Aganbem que escreve em seu livro intitulado de Homo sacer: “Qual o ponto oculto da intersecção entre o modelo jurídico-institucional (MODELO SOBERANO) e o modelo biopolítico de poder”? (Agamben, 2010, Homo sacer: Estado de Exceção, p. 14). Para Agamben, a exceção ou o Estado de Exceção, encontra-se neste ponto de intersecção onde vida e direito se tocam na figura do soberano e da vida nua. Significa dizer que o poder soberano pode determinar o que é humano e o que é animalizável. O que é matável ou não? Quem é o inimigo interno e o externo? Algo que pode ser denominado como Políticas da inimizade.

Esta noção de exceção, nos permite perceber o limite entre direito e política, onde o estado de exceção, é o uso que o soberano faz do direito, para suspender os direitos de indivíduos.  Tal prática não é algo comum apenas a experiências de governo como na Alemanha nazista, que decretou o estado de exceção, medida que sustentou o ataque a milhões de judeus em campos de concentração, mas também Bush nos Estados Unidos prendeu e exportou estrangeiros, suspendendo todos os direitos e compreendendo-os como uma ameaça contra a segurança nacional. Na ditadura militar (no período entre 1964-1985), o Brasil implantou o estado de exceção através do Ato Institucional AI - 5.

Deve-se observar também que a ausência da lei que o estado de exceção instaura não significa a ausência de ordem. O estado de exceção é uma medida aplicada fora da ordem jurídica, porém não se trata da anarquia ou do caos. A soberania se distingue da lei constituída propondo uma nova lei. O estado de exceção distingue dois elementos fundamentais do direito: a norma e a decisão. No estado normal, a decisão é mínima e aplica a norma, porém no estado de exceção, a decisão é constante e anula a norma. O estado de exceção é uma ruptura paradoxal entre norma e aplicação: por um lado, o estado de exceção é a ausência de aplicação da norma que está em vigor, por outro lado, o estado de exceção é uma aplicação pura sem norma (ou de uma norma que não está em vigor).

Deve-se ressaltar que O que tem levado os ditos soberanos a decretarem o estado de exceção é a necessidade.  Neste aspecto, cabe aqui a expressão: necessitas legem nom habet, ou seja, a necessidade não tem lei. Significa afirmar que por um lado “a necessidade não reconhece nenhuma lei”, por outro, “a necessidade cria a sua própria lei”. Ora, esse princípio determina a necessidade como justificativa para uma transgressão, como o poder de tornar lícito o ilícito. Ou por outro lado, a necessidade é condição para que a lei não observe o caso.

A aplicação do estado de exceção, como observamos em democracias, fato que está ocorrendo no Equador, sustenta-se no argumento do cidadão em perigo, o Estado alega legítima defesa contra o inimigo interno como se fosse inimigo externo. A exceção é aplicada então enquanto necessidade de proteger os direitos dos cidadãos e suas vidas, mesmo que os seus direitos e suas próprias vidas, passem a ser ameaçados pelo próprio soberano que deseja protege-los Nessa perspectiva, há impossibilidade de definir as consequências jurídicas dos atos cometidos durante o estado de exceção. Não se pode deixar de ressaltar que o estado de exceção não é uma ditadura: a ditadura é constituída por pleno direito e o Estado possui mais direito que os cidadãos, enquanto no estado de exceção incide a suspensão do direito e a aplicação de uma força sem lei constituída. O estado de exceção é um decreto do soberano que age com força de lei. Nessa medida, o poder executivo se sobrepõe ao poder legislativo, promulgando, modificando ou anulando as leis em vigor. O estado de exceção interpõe poder executivo e legislativo, sobrepondo lei e decreto, sem diretamente o apoio popular, que constitui uma democracia.

A insistência no estado de exceção deixa aparecer sua natureza constitutiva da ordem jurídica e de certo modo, efetiva a liquidação da própria estrutura democrática. A insistência e a forma como as medidas de emergência, são usadas para salvar a constituição democrática, podem levar à sua ruína. Obviamente que o Estado deve atuar contra grupos ou organizações criminosas, terroristas ou antidemocráticas, que ameacem os direitos e a segurança dos cidadãos, assim como manter a ordem e estabilidade jurídica e democrática. Neste aspecto, a experiência equatoriana é uma advertência inclusive para a nossa Sociedade-Estado democrático. O problema a ser identificado é que o poder soberano, passa a ser definido pela sua autoridade de instituir o estado de exceção, enquanto uma medida drástica que suspende o direito dos indivíduos e simultaneamente, aplica uma forma de violência sem lei, podendo declarar cidadãos qualificados como “inimigos do estado” ou “antipatrióticos”, na condição de inimigos internos. Desta forma, o estado de exceção, ao invés de ser usado apenas em emergências, como guerras, situação ilustrada na atual guerra entre Israel e Hamas, o que também expressa problemas essenciais com referência aos direitos humanos, tornou-se cada vez mais uma técnica de governar. Uma condição totalmente incompatível com uma estrutura dita democrática.

Rogério Luís da Rocha Seixas

Rogério Luís da Rocha Seixas é Biólogo e Filósofo Docente em Filosofia, Direitos Humanos e Racismo Pesquisador do Grupo Bildung/IFPR e-mail: rogeriosrjb@gmail.com


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