Ter ou não ter medo: eis a questão?
O ponto de partida desta nova exposição de ideias, se expressa a partir de uma interrogação própria ao tema apresentado no título: é possível ao ser humano não sentir medo? Creio que a resposta só pode ser negativa. Afinal, como qualquer animal, nós ditos racionais temos a constância da sensação do medo em nossa existência. E as formas de medo são variadas: medo da morte, medo da violência, medo do fracasso, da desilusão e outros. O sentir medo se configura enquanto um mecanismo de preservação importante para a vida. Só um irresponsável ou uma pessoa temerária, não sente medo. Indubitavelmente, o medo sempre se fez presente em muitos momentos da história humana e em nossa atualidade, materializa-se com o advento da pandemia da Covid-19. Um dos principais medos ou pelo menos o primordial, provocado por uma pandemia é o da morte ou perda de pessoas queridas. Obviamente, outros tipos de medo são fundados pela incerteza e insegurança do que virá pós-pandemia, embora alguns efeitos já se façam presentes. Contudo, o por que do título desta reflexão com o “eis a questão?” Ora! Sentir medo é bastante natural, mas a problematização que gostaria de tratar aqui, passa pelo modo como o medo pode ser digamos “manipulado”, para mais ou para menos. Retomando o contexto pandêmico do Corona, quando observamos por exemplo, a atitude de alguém discursa para os cidadãos utilizando o jargão: “Não tenham medo do Coronavírus!”, tal fato torna-se preocupante, pois embora o pânico necessite ser evitado, a conclamação à não se ter medo partindo de um cidadão ao seu povo, pode incitar à atitudes e posturas de irresponsabilidade e despreocupação, quanto aos riscos que toda a população passa, atravessando um quadro grave de pandemia. Não necessariamente, temos nesta postura do “Não tenham medo do Coronavírus!”, um ato de coragem, mas de temeridade e até insensatez. Em contrapartida, ao observarmos títulos ou frases do tipo: “Tenham medo do Coronavírus!”, somos levados à refletir que uma determinada forma de exortação a se ter medo, corre o risco de se transformar em uma alusão ao pânico e à paralisia, também colaborando muito pouco com o combate à doença. Penso então que “ter ou não ter medo: eis a questão?”, passa pela reflexão sobre a utilidade do medo, nesta situação específica, como construção de ações de cautela, responsabilidade e compromisso com o bem-estar individual e coletivo. Com a propriedade que nos permita ultrapassar momentos difíceis, mirando o futuro com otimismo, mas tomando medidas para cuidarmos de nós mesmos e dos outros no agora. Desta forma, se não podemos ser irresponsáveis e recusarmos sentir medo de algo que possa nos destruir, simultaneamente não devemos nos deixar escravizar por ele na condição que pode se transformar em um cruel tirano em nossas vidas, se assim nós permitirmos.
Rogério Luís da Rocha Seixas
Rogério Luís da Rocha Seixas é Biólogo e Filósofo Docente em Filosofia, Direitos Humanos e Racismo Pesquisador do Grupo Bildung/IFPR e-mail: rogeriosrjb@gmail.com