Maio laranja: a banalização do mal e a cumplicidade do silêncio!
O mês de maio é tradicionalmente marcado por campanhas de conscientização e mobilização social em prol da vida e da segurança no trânsito, no chamado “Maio Amarelo”. No entanto, há um outro movimento igualmente necessário que ganha força neste período: o Maio Laranja, voltado à prevenção e ao combate do abuso e da exploração sexual de crianças e adolescentes. Essa campanha é mais do que simbólica; ela escancara uma ferida aberta em nossa sociedade que precisa, com urgência, ser tratada com seriedade, empatia e políticas públicas eficazes.
A data de 18 de maio, estabelecida como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, relembra um crime bárbaro ocorrido em Vitória (ES) em 1973, que marcou para sempre a luta por justiça para as vítimas da violência sexual infanto-juvenil. Desde então, milhares de vozes se levantam todos os anos para exigir o fim da impunidade e a proteção integral à infância.
Os números revelam uma realidade estarrecedora: a cada hora, três crianças são abusadas no Brasil. Metade dessas vítimas tem entre 1 e 5 anos — uma fase em que a vulnerabilidade e a incapacidade de expressar o sofrimento são ainda maiores. Além disso, estima-se que mais de 500 mil crianças e adolescentes sejam explorados sexualmente anualmente no país, mas apenas 7,5% dos casos chegam ao conhecimento das autoridades. Esses dados, subnotificados, apontam para uma tragédia silenciosa que se perpetua nas sombras da omissão.
Como nos ensina Hannah Arendt (1906-1975), o mal muitas vezes se banaliza quando a sociedade se acostuma com ele e o tolera. A violência sexual contra crianças e adolescentes, quando não combatida de forma sistemática, institucional e social, transforma-se num mal naturalizado. A omissão, portanto, também é uma forma de violência.
Ao refletirmos sobre o que nos diz Michel Foucault (1926-1984), percebemos que o controle e a repressão do corpo infantil — especialmente em contextos de abuso — envolvem relações de poder profundamente assimétricas. A criança, destituída de meios de defesa, torna-se alvo fácil de adultos que, em contextos familiares ou sociais, utilizam-se da autoridade e da confiança para violentar e silenciar.
O Maio Laranja, nesse sentido, é um ato político e ético de rompimento com o silêncio. Ele mobiliza escolas, igrejas, entidades civis, profissionais da saúde, da educação e do sistema de justiça para que a proteção integral da criança e do adolescente não seja apenas uma cláusula constitucional, mas uma realidade concreta.
É urgente que a sociedade compreenda que denunciar é um ato de amor. Que ouvir as crianças, acolher seus relatos, prestar atenção a comportamentos, mudanças súbitas de humor ou isolamento, é uma responsabilidade coletiva. Como afirmou Paulo Freire, "a educação não transforma o mundo. A educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo." Educar para a proteção é, portanto, um caminho necessário e possível.
Precisamos romper os pactos de silêncio, os muros da impunidade e os véus da negligência. O combate ao abuso sexual infantil é uma causa que deve ser diária, contínua e incansável. E que este Maio Laranja nos lembre que proteger a infância é um dever de todos nós — do Estado, das famílias, das instituições e de cada cidadão.
"O mais chocante em relação ao mal é que ele é cometido por pessoas normais, que se recusam a pensar sobre o que estão fazendo."
— Hannah Arendt, em "Eichmann em Jerusalém: Um Relato sobre a Banalidade do Mal"
· Alex Fernandes França é Administrador de Empresas, Teólogo, Historiador e Mestre em Ensino