Virgem Maria
O grande lançamento desta semana é o filme Kraven, O Caçador, que traz a história de mais um dos vilões do Homem-Aranha. Com um elenco estrelado, incluindo Aaron Taylor-Johnson, Russell Crowe e Ariana DeBose, o filme é, sem dúvida, uma incógnita. Isso porque, se seguir os mesmos rumos dos filmes anteriores lançados pela Sony na tentativa de explorar ao máximo as possibilidades do universo cinematográfico que orbita em torno do Homem-Aranha, tende a ser rechaçado pelo público e pela crítica. Porém, estúdio, diretor, roteiristas e produtores não querem rasgar dinheiro e possivelmente aprenderam o suficiente com os erros do passado para acertar a mão neste filme. Diante disso, vale a pena esperar um pouco mais para formar uma opinião sobre ele, considerando as reações que devem surgir a partir deste fim de semana. Se você é fã do universo do Homem-Aranha e está curioso, pode ser que valha a pena correr o risco (risos).
Dito isso, nesta edição da Coluna, quero me deter em um filme lançado diretamente no streaming no fim de semana passado e que tem chamado muita atenção. Sobre Virgem Maria, da Netflix, a Coluna Sétima Arte traz algumas considerações na edição desta semana.
O lançamento de Virgem Maria, dirigido por D.J. Caruso, trouxe uma proposta ousada: revisitar a história de Maria, mãe de Jesus, sob uma perspectiva que mistura elementos bíblicos e ficcionais em um formato de thriller, até aí, tudo bem, já que a liberdade artística é sempre bem-vinda em situações como esta. A ideia de explorar a jornada de Maria desde sua infância até o nascimento de Jesus certamente despertou curiosidade, mas, infelizmente, a execução tropeça em várias frentes, entregando uma narrativa confusa e pouco fluida.
O filme acompanha Maria, interpretada por Noa Cohen, em sua trajetória desde os dias no Templo, quando, conforme a tradição da Igreja Católica, foi consagrada ainda criança, passando pela visita do anjo Gabriel, até o momento em que, já grávida, precisa fugir da perseguição ordenada por Herodes. Essa história tão conhecida ganha aqui contornos de drama de sobrevivência, com cenas intensas, como a fuga da Sagrada Família para escapar dos soldados de Herodes. É uma abordagem ambiciosa que, na tentativa de humanizar Maria, acaba introduzindo elementos que podem parecer estranhos, como interações extensas entre Maria e o diabo e uma representação sombria e pouco usual do anjo Gabriel.
A atuação de Noa Cohen é um dos pontos altos do filme. Ela transmite uma inocência e doçura que são condizentes com a figura de Maria. No entanto, o roteiro não colabora, deixando a personagem superficial e impedindo que o público explore a complexidade de sua jornada interior. Por outro lado, Anthony Hopkins ganha bastante tempo em tela como Herodes, mas sua atuação já não tem o mesmo impacto de seus trabalhos mais marcantes. Recentemente, destaquei o caso de Jeff Goldblum em Wicked, que parece interpretar sempre o mesmo personagem — ele mesmo. O mesmo pode ser dito sobre Hopkins neste filme. Sua performance como Herodes não difere muito do que entregou recentemente como um imperador romano na série Those About to Die. Apesar disso, sua interpretação do tirano é convincente e cria momentos de tensão que estão entre os mais memoráveis do longa.
Já Ido Tako, no papel de José, realiza um trabalho correto, sua jornada como herói é convincente, porém infelizmente sem grandes destaques, deixando a sensação de que o personagem poderia ter sido explorado de forma mais rica e marcante.
A direção de D.J. Caruso tenta equilibrar o tom reverente esperado de uma história bíblica com uma atmosfera sombria e cheia de tensão. Essa tentativa, embora interessante, resulta em uma narrativa que muitas vezes não parece saber para onde quer ir. Enquanto cenas como a perseguição da Sagrada Família são visualmente impressionantes, o tom geral do filme é de inconsistência. O excesso de elementos ficcionais, como a representação exagerada de Satanás, enfraquece a conexão emocional e espiritual com a história original.
Um dos grandes problemas do filme está na escolha de abrir mão de momentos cruciais que poderiam fortalecer sua mensagem espiritual. Trechos como o Magnificat, que exalta a humildade e a devoção de Maria, foram omitidos, o que deixa a narrativa menos profunda do que poderia ser. Ao invés disso, a trama parece apostar mais no espetáculo visual e na ação do que na essência espiritual que deveria ser o coração do filme.
Ainda assim, há momentos de beleza em Virgem Maria. A cinematografia é belíssima, com paisagens que evocam a Terra Santa e cenas que capturam a grandiosidade e o mistério do período retratado. Momentos específicos, como a apresentação de Jesus no Templo, são emocionantes e mostram o potencial que o filme tinha. Esses flashes, infelizmente, são ofuscados pela confusão narrativa e pelas escolhas criativas que desviam do propósito central. Vale destacar também as polêmicas que cercaram o lançamento. A escolha de um elenco majoritariamente israelense gerou críticas nas redes sociais, especialmente em um momento de tensões geopolíticas globais, envolvendo Israel na guerra contra a Palestina. Embora essa decisão não tenha relação direta com o enredo, acabou influenciando a recepção da produção.
A crítica especializada também não foi gentil. Com apenas 30% de aprovação no Rotten Tomatoes, o filme foi amplamente criticado por sua narrativa confusa e tom descompassado. Contudo, não se pode negar que há intenções genuínas por trás do projeto. É evidente que o diretor e os atores tentaram trazer algo novo e significativo, mesmo que o resultado final não tenha correspondido às expectativas. Mas, vale a pena destacar que em tempos de streaming a crítica especializada não reina soberana, bem por isso, o filme segue sendo um dos mais assistidos da Netlfix ao longo dessa semana.
É evidente que Virgem Maria possui méritos que merecem ser reconhecidos. A proposta de explorar Maria como uma figura humana e complexa, com seus medos e desafios, é interessante e tem potencial para inspirar reflexões. Além disso, a presença de um grande ator como Anthony Hopkins traz peso ao elenco e eleva o nível de algumas cenas.
No geral, Virgem Maria é um filme que desperta sentimentos contraditórios. Ele tenta oferecer uma nova perspectiva sobre uma história já conhecida, mas tropeça ao misturar elementos fictícios e dramáticos que afastam a obra de sua essência espiritual e histórica. Para quem busca uma experiência fiel à narrativa bíblica, pode ser uma decepção. Por outro lado, para aqueles que estão abertos a interpretações ousadas e visuais impressionantes, a produção pode valer a pena. Boa sessão!