Um dia especial - Crônica de Fabiana Burdini Margonato
· Por Fabiana Burdini Margonato
Era um sábado, quando conversava com minha amiga, a Viviane, até que ela me disse uma coisa que me deixou espantada:
- Você não sabe o que aconteceu... Aqui em casa temos uma novidade! Adotamos uma cachorrinha!!
- Não acredito! Sério? Como assim?
Nós sempre fomos amigas, nos encontrávamos sempre, eu, meu marido e crianças e ela com seu marido e o filho. Em nossos encontros, o assunto era a vida das crianças, desafios pessoais, profissionais e tudo mais que se enquadra em “conversas de adulto”. Mas a novidade que a Viviane me disse, a de que adotaram um cachorro me deixou realmente inquieta...
Na época em que tudo aconteceu, morávamos em um apartamento, eu e o João e os nossos filhos que, pasmem, queriam saber de tudo nessa vida menos de ter um amigo bicho ocupando o nosso espaço. Eu, diferente das minhas crianças, sempre amei os cães. Cheguei até a fazer loucuras como, aos onze anos, levar lá pra casa uma cadelinha toda suja de graxa que achei na rua até convencer a minha mãe pelo choro que deveríamos ficar com ela.
Mas eu cresci, me tornei gente e muito tempo se passou desde então: entrei na faculdade, conheci o João e resolvemos nos casar e adentrar nessa vida intensa de compromissos e responsabilidades e responsabilidades e compromissos. Tínhamos filhos, três meninos, e já não tinha mais espaço para nada em nossas preocupações. Mas quando a Viviane, tão cheia de coisas quanto eu, naquele sábado, me disse que tinha agora uma cachorrinha.... Aí meu Deus, despertou em mim o amor latente em todos esses anos.
A partir daí, comecei a sonhar (de novo) em ter um cãozinho, mas o João.... Ah, o João! Fazia 11 anos que estávamos juntos e, se tinha uma questão polêmica que havia entre nós, era a minha vontade de ter o um bichano. Nos primeiros anos, eu sempre tocava no assunto, mas chegou a ser motivo até de briga. Eu falava que queria um cachorro, o João falava que se o cão entrasse, ele saía... Até o meu cunhado, o Paulo, me disse uma vez: - Faz uma surpresa pro João, quando ele for trabalhar, compra um cachorrinho e traz pra casa até ele se acostumar!
Mas o João fechava a cara toda vez que eu pensava nisso! Parece até que ele adivinhava. E com o tempo eu fui desistindo. Mas quando a Viviane me disse que agora ela tinha a sua Lilizinha, ficava cada vez mais difícil pra mim dormir sem sonhar com o meu bichaninho...
Até que um dia, criei coragem. Liguei pra Viviane e falei:
- Viviane, me passa o telefone daquele Canil em que você comprou a Lilizinha.
- O que você vai fazer?
- Vou ligar lá! Vou arrumar um bicho aqui pra casa também!
- Mas e o João?
- Ah, o João? Vamos ver no que vai dar... Acho que vou fazer uma surpresa pra ele.
O canil em que a Viviane buscou a Lilizinha era em outra cidade. Ficava há uns 90 quilômetros daqui, mas segundo a Lilizinha, o preço de cães lá era bem melhor. Achei interessante a ideia, se fosse pro João se estressar, que pelo menos ele se estressasse comigo gastando menos. Então, criei coragem e liguei lá:
- Canil do Petbom, bom dia!
- Bom dia, vocês vendem cães da raça Tititi? – Era a raça da Lilizinha e eu queria uma fofucha igualzinha.
- Vendemos sim, em que posso ajudar?
E aí comecei a falar para a mulher ao telefone em como eu estava pensando. Ela me enviou várias fotos pelo celular. Vários cachorrinhos, um mais lindinho que o outro. Mostrei pras crianças longe do João e eles não gostaram de nenhum.
- Pra que cachorro? Vai morder a minha bola?
- Pra que cachorro? O que eu quero é jogar vídeo game?
- Pra que cachorro? Eca!! – Estávamos criando três Joãozinhos em relação a cães e eu precisava mudar isso!!
Mesmo assim, eu vi uma pretinha, bem pequenininha e mandei mensagem no outro dia, para a mulher do canil dizendo: - É essa!
Nem falei pros meninos. Deixei o tempo passar e à noite até sonhei com a futura moradora da casa que estava prestes a chegar. No outro dia cedo, tomando café com o João eu falei:
- Sábado você vai estar de plantão, né João?
- É.
- O dia todo?
- É. Saio cedo de casa, pego uma marmita para o almoço e chego em casa à noite.
Na minha cabeça passou um “ufa” quando senti que teria total liberdade para colocar o meu plano em prática. Voltei para a conversa:
- Ah, tá. É que sábado vou fazer uma viagem com as crianças.
João ficou espantado:
- Que viagem?
- Ah, vamos pra Drilona, passar o dia lá. Pegar a cachorrinha que comprei pra trazer aqui pra casa.
- Cachorrinha? – Achei que o João ia surtar!!
- É, mas não precisa se preocupar. No pet shop daqui ia custar mil e quinhentos reais e lá saiu por setecentos. – João ainda sem palavras... – E além disso, a Cileide vai comigo pra ajudar com as crianças e trazer a bichinha no carro sem grandes problemas.
Cileide era a nossa funcionária já há uns quatro anos, que praticamente me ajudou a criar os meninos, especialmente o Dudu, que fazia de tudo pra agradar a tia Ci. Eu nem tinha falado nada ainda, mas resolvi colocar ela no rolo, sem que a coitada sequer soubesse. Agora a minha próxima missão seria a de convencê-la.
O João nem respondeu. Achei que não tivesse escutado. Mas o plano estava feito. Agora era só colocar em ação. No mesmo dia à tarde, falei com a Cileide e ela me disse:
- Ih, num sei não... O João não vai gostar nada disso e eu também não. Mais alguém pra eu cuidar, sujeira pra limpar...
- Ah Cileide, por favor, preciso de você nessa aventura. – Fiz a mesma cara para a Cileide que eu fiz para a minha mãe aos onze pra trazer a bichaninha pra casa e acho que deu certo. Cileide topou.
- Então você me pega lá em casa bem cedo, umas 8 horas, no máximo, prá eu poder voltar à tarde também, tá?
- Tá bom, Cileide, pode deixar.
Tudo certo. Não falei mais nada em casa. No sábado de manhã, assim que o João saiu cedinho, corri pra cama dos meninos e fui chamando. Ninguém queria acordar...
- Mãe, não quero cachorro.
- Mãe, cê tá louca?
- Mãe, me deixa dormir!!
Prometi mundos e fundos, mas consegui levantar os três quando falei que depois de pegar os bichanos a gente ia passear no shopping. E lá fomos nós. Passei na casa da Cileide, ela entrou no carro e a viagem começou.
Durante a viagem, conversávamos no carro sobre a cachorrinha, sobre o passeio no shopping que faríamos depois, como prometido, mas não imaginávamos o que estava por vir. Entrando na cidade, ativei o GPS do celular, até que, depois de andarmos uns trinta minutos, chegamos ao canil Petbom. Era umas dez horas quando chegamos, toquei a campainha e a porta se abriu. Entramos todos, o Dudu, o meu mais novo, agarrado no colo da Cileide, curioso com tudo e os outros dois muito atentos a todas as novidades ao redor.
Tinha uma moça na recepção e eu me apresentei, dizendo que vim buscar a cachorrinha, como combinamos durante a semana. Quando olho para o lado, vejo um cãozinho branco, filhotinho que me olhou de um jeito que me deixou apaixonada. Meu coração chegou a bater mais forte, até que no devaneio dos meus pensamentos, escutei a voz da moça:
- Pode subir! – Eu respondi:
- Subir? Para onde?
- A cachorrinha está lá em cima, tomou banho e está sendo preparada. Vamos lá aí você já desce com ela. – E me apontou para a escada que levava para o segundo andar do canil. Eu pedi pra Cileide ficar lá embaixo com as crianças e fui.
Chegando lá, vi a bichaninha. Estava ainda despenteada, mas toda cheirosa e já colocando o lacinho. Peguei no colo, do tamanho da minha mão, e juntas, descemos a escada do canil. Quando cheguei lá embaixo, os meninos estavam brincando com a cachorrinho branco que me encantou logo na entrada. O dono do canil, na hora me disse que era irmãozinho da fêmea que estávamos levando. O Zezinho começou a chorar na hora:
- Não acredito que vamos separar uma família?
- Como assim, Zezinho?
- A gente vai separar os dois, isso é muito, mas muito triste mesmo. – E começou a chorar desesperadamente. O Pedrinho concordou com o irmão e começou a chorar também, falando que estava tudo errado. Fui ficando desconfortável e acabei soltando uns murmúrios de mãe:
- Ai meu Deus, a gente quer comprar cachorro pra agradar e essas crianças vem aqui e choram! Só por Deus mesmo!!!!
Os meninos começaram a me pedir pra levar o cãozinho também, mas isso estava fora de cogitação. Éramos em cinco no apartamento, e eu tinha um marido, o João, que basicamente era alérgico a cães. Eu respondi:
- Imagina! Isso está fora de cogitação!
O Zezinho correu pra rua e ameaçou se jogar em baixo de um carro e o Pedrinho fez a mesma coisa. Larguei tudo e fui atrás. A Cileide ficou lá dentro com a bichaninha e o Dudu. Tentei convencer e nada. Ameacei pegar o chinelo lá em casa e nada também. O dono do Canil foi lá fora e disse:
- Posso fazer um precinho bom nos dois.
A Cileide foi atrás e me deu um olhar mortal, como sempre fazia e ficou falando que eu não podia ceder à vontade dos meninos, como sempre. Todos sempre me diziam que eu era muito molenga com esses meninos. Então eu disse pros meninos:
- Entrem, nós vamos resolver. – A Cileide só me olhou, muito assustada.
Tentei eliminar o problema tocando na parte dos valores. Perguntei para o dono do Canil:
- Quanto custa o cachorrinho?
- Custa seiscentos reais. A fêmea setecentos e o macho seiscentos. – Eu falei pras crianças:
- Gente, sem chance! Não dá pra gastar tudo isso! Fora vacinas, remédio de verme, ração, etc.
Começou a choradeira de novo. Pra descartar de vez, falei então pro moço:
- Se você me fizer os dois por mil eu levo! – Pronto. Ele não iria aceitar.
O moço pensou, pensou e disse:
- É... aí fica difícil.
Mas a moça do canil, acho que era a sua mulher, olhou pra ele, olhou, olhou... Até que ele disse:
- Ah, tudo bem, vai! Não vamos separar a família!
Meu Deus do céu! Eu estava frita! O que vou fazer agora com dois cachorros? A Cileide quase que nem me olhou. Só vi de longe balançando a cabeça com a maior cara de desaprovação. Ela sempre me dizia que eu era muito molenga.
Pegamos os dois e colocamos dentro da casinha para viagem que a Viviane tinha nos emprestado e começamos a nossa volta para casa. Passamos no shopping, como prometido, os meninos comeram lanche, tomaram sorvete e eu e a Cileide ficávamos observando os bichinhos dormirem pensando em como se tornariam importantes para nós.
Entramos no carro, rumo à nossa cidade. Pensei no João e em como iria contar que a novidade tinha se duplicado. Enquanto pensava, meu telefone tocou e começamos a conversar pelo bluetooth do carro. Eu ia contar a novidade apenas à noite, quando ele chegasse. Mas no meio da conversa, o Zezinho entrou logo falando:
- Pai, cê não sabe o que aconteceu...
- Diga, meu filho!
- Nós compramos dois cachorros!
Do outro lado da linha, escuto uma tosse, que até hoje não sei se foi um engasgo ou outra coisa. O João não respondeu nada e o telefone ficou mudo por uns cinco segundos. Achei que a ligação tinha caído. Perguntei:
- João? Tá vivo?
Escutei sua respiração e percebi que ainda sim. Aí eu disse:
- Precisamos desligar, estamos na estrada. A gente se fala à noite. Beijos.
E assim seguimos pra nossa nova jornada com os nossos dois novos melhores amigos.
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· Fabiana Burdini Margonato
Professora de Língua Portuguesa e Inglesa, Farmacêutica, esposa e mãe de três