O REAL CADA VEZ MAIS VIRTUAL
O título desta nossa nova exposição de ideias, não traz necessariamente nenhuma novidade. Afinal, nosso quotidiano torna-se mais concreto de virtualidade do que de realidade. Noção de realidade que atualmente colocamos em questionamento. Contudo, o que proponho colocar como tema para esta reflexão parte do fenômeno que indubitavelmente deixará marcas profundas na história humana deste século: a pandemia da Covid-19. Por qual motivo começar pelo Corona vírus? Ora, observamos como foi necessário que o mundo parasse no sentido de deslocamento dos corpos humanos por todos os cantos. Foram proibidos encontros em público. As aglomerações coibidas. Até cultos e missas, que retornam aos poucos, sofreram obstrução. As escolas e universidades encontram-se com suas atividades docentes ainda paralisadas. A atividade econômica e de trabalho encontrou-se e ainda se encontra em congelamento! Vejamos! A circulação dos corpos que marca uma realidade tangível e sensível, no momento considerado mais grave da pandemia, teve de paralisar total ou parcialmente. As questões que teimam em surgir: como será o dito novo normal? Semelhante ao que era antes da Covid? Penso que não! Todavia, reflitamos sobre o seguinte: Muitos não pararam de trabalhar, como no caso de empregados de determinadas empresas e escritórios, que para cumprir suas tarefas se utilizam do home office. Desta forma, as atividades de trabalho que são comuns a um determinado espaço, ocupado por corpos concretos, passaram a ser substituídas pelo trabalho virtual. Reuniões de negócios e transações econômicas são realizadas por meio de vídeos-conferências, sem a necessidade da presença dos negociadores no mesmo espaço físico, em contato direto uns com os outros. Assembleias e reuniões parlamentares também fazem uso do meio virtual, impedidos de se encontrarem no espaço físico, próprio para as decisões e debates políticos. Escolas e universidades, voltam-se de modo mais agudo para a educação online, algo que já era em certo grau praticado, mas que ganha uma enorme intensidade no panorama atual. Mesmo o contato de muitos com o sagrado tornou-se neste momento, foi invadido pelo meio virtual. Quanto a esta questão, destaco um acontecimento muito sintomático: Em um santuário católico muito conhecido por suas missas lotadas, antes da flexibilização começar, os padres e o bispo pediram que muitos fiéis enviassem fotos suas com os seus respectivos familiares. Estas fotos foram coladas em todas as cadeiras do santuário. Desta forma, os fiéis não estão realmente lá, mas a parte o fator da fé, que não é o objetivo de nossa discussão, virtualmente encontra-se presentes participando da celebração. Tudo funciona assim como se na realidade estivessem naquele local de corpo presente. Um amigo, na época em que a Europa estava fechada por causa da pandemia, me enviou a plataforma de um site, que lançou uma exposição virtual sobre o Palácio de Versalhes na França, reunindo imagens em alta resolução e em 3D da arquitetura do palácio! Havia também um guia privado na plataforma, contando toda a história deste famoso palácio! Significa dizer que eu estive neste local virtualmente. Conheci toda a sua estrutura e também a história, estando a quilômetros de distância. Isolado em minha casa! Mas por meio da tecnologia virtual, a visitação tornou-se uma realidade praticamente inquestionável. Destaco então que a tecnologia da qual dispomos ganha cada vez mais a capacidade de transformar crenças e desejos em realidades. Como afirma o pensador israelense Yuval Harari: “As novas tecnologias, ao contrário do que normalmente se pensa, dão poderes às ideias e ficções humanas, coisas que as pessoas podiam apenas imaginar, mas não tornar realidade, agora são passíveis de se tornarem reais” (Harari, 2019). Significa dizer que com as nossas tecnologias podemos tornar mais reais determinadas situações e ações do que possamos supor. E penso que esta condição que já se faz atual, com o acontecimento da pandemia da Covid-19, causará uma maior aceleração da predominância do virtual, alterando o que compreendemos ou apreendemos como real. Mudanças nos postos de trabalho, nas práticas educacionais e outros âmbitos da vida humana serão afetados. Quais serão estes efeitos? Só saberemos experimentando o porvir.
Yuval Noah Harari. 21 Lições para o Século 21. Ed. Companhia das Letras, 2019.
Rogério Luís da Rocha Seixas
Rogério Luís da Rocha Seixas é Biólogo e Filósofo Docente em Filosofia, Direitos Humanos e Racismo Pesquisador do Grupo Bildung/IFPR e-mail: rogeriosrjb@gmail.com