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O COVID-19 e a Descartabilidade da vida humana


Por: Assessoria de Imprensa
Data: 14/04/2020
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*Rogério Luis da Rocha Seixas

Indubitavelmente a pandemia do Covid-19 trouxe e deixará muitas questões para refletirmos e agirmos, se assim escolhermos, pois afinal podemos decidir que tudo ficará como antes da pandemia, o que não é muito provável. 

Contudo, dentre as questões que o coronavírus nos revela que, por sinal, não se trata de nenhuma novidade, mas devido a este momento de tanta fragilidade e perplexidade, ganhou um reflexo muito intenso, pode-se ressaltar: a descartabilidade da vida humana. 

Não pode passar desapercebido que em meio as discussões referentes às medidas a serem tomadas contra a pandemia, ocorreu um grave choque: o interesse em salvar vidas ou a preocupação em proteger a estrutura econômica. 

Ficou bastante evidente que os interesses econômicos se sobrepuseram em muitos discursos governamentais e que minimizaram a gravidade do vírus ou que retardaram em tomar medidas cabíveis, graças exatamente à preocupação mais acentuada com os fatores econômicos. 

Essa questão presente em nossa atualidade, que como destaquei no início desse texto, já se faz há muito tempo bastante concreta, remete-se a uma lógica do sacrifício, que se fortalece mais e mais no cerne de nossa experiência neoliberal. O Covid-19 desvelou esta lógica, demonstrando que se opera com a ideia de que alguém vale mais do que o outro, por ser útil economicamente e desta forma, sua vida possui maior valor. Tal lógica expressa-se com a ação de descartabilidade de algum obstáculo ao processo de mercantilização plena da vida e sua administração enquanto capital humano. Evidencia-se que segundo este viés de mercantilização, paradoxalmente, a própria vida humana deve ser eliminada, principalmente a dos “indesejáveis”, daqueles cuja condição existencial encontra-se precarizada ao ponto de serem descartáveis. Significa afirmar que aqueles despossuídos de valor podem ser descartados. 

Há uma lógica de governo que privilegia o mercado, colocando a vida dos indivíduos e de populações à parte. O Covid-19 apontou como questão política, ética e social exatamente esta lógica da descartabilidade da vida humana.  Obviamente que a questão econômica é importante. A criação de empregos é essencial, assim como a geração de renda e alta produção para o maior desenvolvimento e progresso das diferentes sociedades, pontos que infelizmente serão alvos também do Covid-19.  Contudo, em tempos de coronavírus e após a pandemia, um dos principais problemas que deve ser tratado passa pela mudança na relação mercado e ser humano, pois ficou clara a nossa pertença enquanto seres possuidores de uma fragilidade em comum, nos obrigando a nos unir mais pela noção de igual valor de vidas, e do maior valor da humanidade sobre a lógica calculista e fria do aparato econômico.

*Rogério Luis da Rocha Seixas

Biólogo e Filósofo. Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisador do Grupo de Pesquisa Bildung (IFPR)


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