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Medo Líquido e a Pandemia


Por: Rogério Luís da Rocha Seixas
Data: 10/07/2020
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Começo  esta nova exposição de ideias, destacando o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que viveu no exílio até seu falecimento em 2017, ministrando aulas na Inglaterra e que defende a noção de que nossos tempos modernos, podem ser caracterizados enquanto “uma Modernidade líquida”, identificando desde as relações humanas e até mesmo o sujeito, tudo se encontra “liquefeito”, “fluídico” ou em outros termos, instável e efêmero. O que pretendo expor como ideia é que a partir deste mundo líquido, marcado pela globalização tecnológica, o que Bauman vai identificar enquanto “medo líquido”, torna-se cada vez mais intenso em nosso século XXI, pois vivemos e tememos a violência das grandes metrópoles, o medo da crise econômica que leva ao desemprego, o medo da rejeição amorosa, o de ficarmos fora da possibilidade de consumir, o medo do diferente e muitos outros. Medos que não apresentam uma forma única e definida. Muito bem! Formulo a seguinte questão para nossa reflexão: “Como a pandemia do Covid-19 se encaixa neste medo líquido, caso seja possível identifica-la com tal conceito?”  Penso que para tentar refletir sobre tal questão, podemos destacar duas posições que foram e ainda são tomadas no contexto da pandemia: o Negacionismo, se identifica com o medo de não controlar o que pode acontecer o mudar tudo. Um medo referente a perda de um mundo estável. Um mundo controlável. A demonstração atemorizadora da liquidez da suposta normalidade estável. Há o medo da perda do mundo idealizado com a fluidez da estabilidade, seja social, econômica ou política. A não aceitação de que tudo é falível e efêmero, inclusive e principalmente a vida. Constrói-se uma realidade que possa determinar uma sensação de segurança, contra esse medo, o que pode levar e leva a atitudes de indiferença e irresponsabilidade com si mesmo e para com os outros.  A outa postura denomino de Hipermedo: aqui o medo é tamanho, que existe  também um negacionismo, mas referente a possibilidade de um novo refazer ou recomeçar, já que não haverá mais possibilidade de vida ou aspirar por um futuro, pelo motivo de que sendo tudo passível de se perder na fluidez, representada no caso pela ameaça do Corona vírus, nada mais faz sentido, a não ser  esperar por um término de tudo. Estabelece-se uma inação, pela certeza hipermedrosa de que tudo se perderá e não faz diferença agir ou a atitude gera um tamanho pânico ou descontrole que em nada ajuda no enfrentamento do medo. São duas posturas extremas que no fundo guardam pontos em comum: o pavor da morte, sentimento passível a qualquer ser humano, e o anseio pela liberdade e segurança, um tipo de relação muito tensa em nossa atualidade. Talvez muito mais pela busca da segurança do que pela de liberdade.  Deve-se observar que tais posições extremas, em nada contribuem para uma situação de pandemia na qual estamos experimentando. Então o medo é condenável? De forma alguma. O medo além de ser próprio de nossa condição natural, atuando positivamente para a nossa preservação e cuidado. Eu tenho meus medos como qualquer pessoa, inclusive do Covid-19. Medo por mim e principalmente pelos meus entes queridos, além de me preocupar com os outros. O problema é nos deixarmos ao mesmo tempo escravizar por ele ou criarmos uma personalidade de invulnerabilidade que não temos, negando nossos medos. Como enfrentá-lo? Não há uma receita pronta. 

Mas Bauman, vai asseverar que a reflexão sobre nosso medo ou medos é um meio bastante eficaz para compreendê-lo e conviver com ele, pois o que não conseguimos compreender e controlar, portanto o que nos apresenta de forma desconhecida, nos atemoriza. Reflexão que aqui não se assimila a mera abstração ou contemplação, mas sim com um agir de tal modo que possamos modificar nossas relações sociais, produções e ações. Aprendermos por exemplo, com o medo de que pandemias novas, como a do Coronavírus, surjam com mais agressividade e assim devemos pensar e realizar, práticas de solidariedade mais intensificadas. Mudar nosso cotidiano de tal maneira para que possamos buscar equilibrar a relação entre liberdade e segurança, questão que muito nos atemoriza. Pensar e atuar com o sentimento de que se vive ou convive-se em um mundo comum, que precisa ser melhor cuidado por todos, a partir do sentimento de responsabilidade assumido em todas as esferas sociais e políticas.

Bauman, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2001.

Bauman, Z. Medo Líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2008.

Rogério Luís da Rocha Seixas

Rogério Luís da Rocha Seixas é Biólogo e Filósofo Docente em Filosofia, Direitos Humanos e Racismo Pesquisador do Grupo Bildung/IFPR e-mail: rogeriosrjb@gmail.com


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