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Horkheimer, tecnologia e moral


Por: Especial para JN
Data: 11/10/2023
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(Foto: Divulgação) Lucas Miranda (3ª série do EM - CVM)

 

Aluno: Lucas Miranda[1]

Orientador: Prof. Fernando Razente[2]

O presente artigo tem como objetivo analisar criticamente as problematizações centrais do teórico crítico Max Horkheimer (1895-1973) da natureza, função, impactos e uso ideológico da tecnologia na sociedade. Trata-se de uma reflexão relevante, pois fundamentada na compreensão de um dos principais nomes da chamada Escola de Frankfurt, núcleo de reflexão social de linha marxista criada em 1923 pelo economista austríaco Carl Grunberg (1861-1940) e considerada pelo pensador brasileiro José Guilherme Merquior (1941-1991) como “(...) uma das mais sugestivas formações ideológicas de nosso tempo.”[3]

Segundo nos conta o historiador da filosofia Hans Joachim Störing (1915-2012), Max Horkheimer era “(...) filho de uma família judaica, [que] foi em 1930 professor de filosofia social em Frankfurt e diretor do ‘Instituto para Pesquisa Social’ de lá. Ao mesmo tempo, trabalhou como editor (e um dos principais autores) de Zeitschrift für Sozialforschung [Revista de pesquisa social] que era publicada em Frankfurt.”[4]

Neste posto que ocupou, Horkheimer tornou-se mundialmente relevante especialmente a partir da publicação do ensaio Teoria tradicional e teoria crítica (1937) – considerado pela escritora brasileira Bernadette Siqueira Abrão “o verdadeiro manifesto da Escola de Frankfurt”[5]e, depois, com a obra Dialética do Iluminismo (1947)[6] redigido em conjunto com seu colega sociólogo Theodor W. Adorno (1903-1969).

Nas duas obras, transparece o grande objetivo de Horkheimer e da Escola de Frankfurt: interpretação das causas e elaboração de um programa articulado para superação da injustiça social e opressão política daquela primeira parte do século XX.

Para tanto, foi a questão da natureza da tecnologia que recebeu enorme atenção dos autores da primeira geração da Escola de Frankfurt, especialmente de Max Horkheimer que produziu seus diagnósticos pessimistas e fáusticos acerca da racionalidade técnico-científica na sociedade.

Horkheimer, especialmente na década de 40 (no chamado segundo momento da Escola de Frankfurt), se dedicou a uma crítica da civilização técnica por meio de sua “Teoria Crítica”. Sob o impacto da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a chamada “Teoria Crítica” de Horkheimer procurará a genealogia do fenômeno totalitário da Alemanha nazista de Hitler e da Itália fascista de Mussolini[7] em questões metafísicas, identificando no ideal de razão ou de racionalidade a responsabilidade pela produção da instrumentalização e do controle absoluto e massivo dos indivíduos que tanto caracteriza o totalitarismo.

Como bem sintetizou a filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975) em seu clássico Origens do Totalitarismo (1951), “Os movimentos totalitários objetivam e conseguem organizar as massas”,[8] e esta organização absoluta das massas, para Horkheimer, estava relacionada ou encontrava correspondente direto com a questão da tecnologia que por sua vez exprimia o ideal de racionalidade instrumentalizante.

Essa racionalidade, para Horkheimer, não era em essência uma razão neutra ou verdadeira, mas sim uma razão de um tipo específico, uma ‘razão burguesa’, que conforme análise do filósofo inglês Roger Scruton (1944-2020), é aquela de Horkheimer identifica como a característica “(...) pela qual todas as coisas são refeitas à imagem da classe média em ascensão.”[9] Portanto, Horkheimer identifica a racionalidade científica do período da Segunda Guerra como um instrumento de controle  fatídico das massas gerado pelas pretensões de avanço e poder da classe burguesa.

Não à toa, Horkheimer (como marxista que foi) defenderá em seus pensamentos, especialmente no texto Eclipse for Reason (1947), que o “juízo categórico” iluminista enquanto conceito filosófico e lógico é, na verdade, o típico conceito da sociedade pré-burguesa que falsamente dirá aos homens que: a coisa é como é e não há nada o que se possa fazer; há regras e leis fixas e lógicas para a organização e progresso da vida humana.

Como explica a pesquisadora brasileira Regina Zilberman (1948-), essa visão crítica de Horkheimer da “razão tecnológica” é decorrente de sua antítese a pretensão iluminista, que encontra para todo fato uma explicação racional, lógica e científica, fundamentando a prática de controle e manipulação da natureza, sem especulação, mas de forma aplicada, submetendo os indivíduos a mera utilidade. Em outras palavras, a tecnologia científica representava uma força alienante advinda das pretensões iluministas.

O indivíduo trabalhador que compõe as massas, diz Scruton, “(...) é alienado, fragmentado, e separado de sua verdadeira natureza humana por uma ordem social que o condena a labuta da produção para troca.”[10] Essa alienação atingirá e utilizará as massas como instrumentos das ambições e da sede insaciável por controle e poder da classe burguesa na Segunda Guerra. Na leitura de Merquior, a interpretação da Escola de Frankfurt dirá que, no fim das contas, a “(...) razão tecnológica, de instrumento à disposição do homem, se transforma numa investida tirânica contra a natureza e contra o próprio homem. O instrumento, elevado a finalidade suprema, passa a usurpar os verdadeiros fins, esquecidos e ausentes.”[11]

Isso significa que não há, para Horkheimer, progresso, liberdade e avanços legítimos na tecnologia de racionalidade (que, segundo ele é de natureza burguesa/capitalista), mas apenas alienação, instrumentalização, tirania e controle abusivo e utilitário. A razão, para Horkheimer, estava definitivamente corrompida na ordem capitalista e havia perdido seu foco na vida humana natural e espontânea.

Trata-se, como já dito, de uma visão extremamente pessimista da tecnologia científica e da economia capitalista, dado que, biograficamente, é de conhecimento geral que o próprio Horkheimer, além de ser um burguês europeu refinado, exilou-se não em qualquer país, mas exatamente nos Estados Unidos da América, especificamente na Califórnia, o “(...) arquétipo da sociedade tecnológica plenamente desenvolvida”, lembra Merquior.

Embora se possa, por um lado, concordar com Horkheimer quanto a realidade do uso da tecnologia científica para fins de controle ideológico especialmente por parte do Estado por outro lado não é possível ratificar suas pretensões teóricas sobre uma real genealogia dos regimes totalitários em concepções capitalistas.

Enquanto Horkheimer identificava a tecnologia como fruto de uma razão burguesa e instrumental e uma ameaça à autenticidade humana, nossa visão ontológica sugere que, tal razão que visa promover conhecimentos científicos em prol da elaboração de técnicas de controle da vida e da natureza em busca de maior produtividade e prosperidade corresponde natural e espontaneamente à verdadeira essência da humanidade.

De fato, a depender de seu uso e propósito, é possível que a tecnologia nos aliene em vários sentidos; mas que também é ela mesma um fruto dos avanços científicos aplicados, que não só nos liberta de diversas limitações humanas como nos permite alcançar um domínio sobre o mundo e sobre nós mesmos.

Evidentemente que, uma capacidade tecnológica sem uma relação de dependência com imperativos morais absolutos poderá gerar inúmeros prejuízos, como bem demonstrado por David Buller, diretor de programa da BioLogos, em seu artigo Oppenheimer: The Dilemma of Scientific Power publicado em agosto.

Além de descrever os dilemas morais da tecnologia da bomba atômica na Segunda Guerra Mundial, uma das questões levantadas por Buller é: “A ciência e a tecnologia modernas avançam a um ritmo tremendo. Nossa força moral se manterá?”[12] Em outras palavras, estamos dando a devida importância para o que a dimensão moral de nossa razão diz sobre a natureza da tecnologia e qual o propósito dela em nossa existência? O conhecimento científico por si só não nos proporcionará o conhecimento do sentido das criações tecnológicas.

Por isso, não é suficiente reconhecer que a tecnologia é a expressão da essência criativa e positivamente dominadora da humanidade, mas também lembrar da necessária relação da ciência com a ética, da tecnologia com a fé, para que não haja instrumentalizações, alienações ou explorações desumanizadoras, como bem denunciadas por Horkheimer (embora não da maneira mais certeira).

Que este olhar nos inspire a explorar as profundezas da inovação tecnológica, reconhecendo-a como a expressão da potencialidade humana; mas que nos alerte também para sua necessária dependência e correlação com os imperativos do conhecimento teológico para um encaminhamento positivo das novas invenções.



[1] Aluno da 3ª série do Ensino Médio do Colégio Vila Militar - Feitep.

[2] Professor de Filosofia do Colégio Vila Militar - Feitep.

[3] MERQUIOR, José Guilherme. Arte e Sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin: ensaio crítico sobre a escola neo-hegeliana de Frankfurt. São Paulo: Realizações, 2017. p. 28.

[4] STÖRIG, Hans Joachim. História Geral da Filosofia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 546.

[5] ABRÃO, Bernadette Siqueira. História da Filosofia. São Paulo, SP: Nova Cultural, 1999. p. 460.

[6] No Brasil, a obra é mais conhecida como “Dialética do Esclarecimento” (Cf. a edição de 1985 pela Ed. Zahar)

[7] O intelectual brasileiro Merquior escreve que a “(...) Filosofia e Teoria crítica vincula o interesse pelo passado utopístico da filosofia à necessidade de lutar contra o totalitarismo fascista.” (MERQUIOR, José Guilherme. Arte e Sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin: ensaio crítico sobre a escola neo-hegeliana de Frankfurt. São Paulo: Realizações, 2017. p. 36.)

[8] ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 436.

[9] SCRUTON, Roger. Tolos, fraudes e militantes: pensadores da Nova Esquerda. Rio de Janeiro: Record, 2020. p. 192.

[10] Ibidem, p. 192.

[11] MERQUIOR, José Guilherme. Arte e Sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin: ensaio crítico sobre a escola neo-hegeliana de Frankfurt. São Paulo: Realizações, 2017. p. 60.


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