FALE MAIS SOBRE ISSO
Por Simony Ornellas Thomazini
Como este é o primeiro texto da coluna, iniciarei escrevendo a respeito daquilo que nos torna humanos e permite com que possamos conviver com as outras pessoas, isto é, a palavra.
Guimarães Rosa, escritor mineiro, disse certa vez que: “A linguagem e a vida é uma coisa só”. As palavras nos perpassam e precisamos delas tanto quanto necessitamos do ar para respirarmos. No entanto, o mau uso das mesmas, e esse “mau uso” refere-se a algumas pessoas que não possuem recursos psíquicos suficientes para elaborarem o que lhe acontecem, lidam muito mal com suas próprias vivências, tornando-se refém de si mesmas, e, portanto, de suas próprias palavras.
Palavras é o que existe de mais libertador, e também de mais mortífero dizia Françoise Dolto, psicanalista francesa. É por meio de palavras que cria-se laços, assim como também é através delas que vínculos se desfazem. Palavras são capazes de causar alegria, tristeza, raiva, ódio, amor, dentre outras emoções e sentimentos semelhantes. Somos seres destinados a falar e construídos desde crianças pela linguagem. Um recém-nascido não necessita somente que a mãe o alimente com o leite, mas também precisa ser alimentado com palavras para que a partir dali possa se constituir. Assim, podemos perceber ao longo da vida que em muitos momentos, as palavras, ou ficam ‘atravessadas na garganta’, nos faltam, causam mal entendidos, ou ainda, fala-se em excesso, mas, sem por isso dizer alguma coisa.
Sobre esta última menção, há pessoas que usam as palavras em excesso para ocultar-se, o que pode soar estranho, mas, quando se fala demasiadamente não se ouve o que se diz, e por não estar atento as próprias palavras, não há pensamento reflexivo acerca das mesmas, ou seja, enquanto se fala demais não escutamos o que dizemos, e as palavras tornam-se objetos de uso para encobrir-nos. Assim, criamos com as palavras em excesso – e o excesso sempre vem para ocultar alguma falta - a imagem que desejamos passar ao outro, em alguns casos, repleta com ornamentos e honrarias, ou ainda, carregadas de vitimismo.
Existem alguns outros momentos que somos tomados pela angústia, e nos refugiamos no silêncio e isolamento devido a incapacidade de compreender o que se passa conosco, com isso, acreditamos na ilusão de que afastar-se de tudo e todos, é a melhor saída. Há momentos em que precisamos de silêncio e distância, todavia, quando este comportamento acontece em situações conflitantes e angustiantes que precisam ser melhor elaboradas, o isolamento não é libertador, mas propicia um sofrimento maior.
É exatamente nesses momentos em que a palavra assume o seu real poder. E sobre isso, Contardo Calligaris, escritor, psicanalista e dramaturgo italiano radicado no Brasil diz que: “É melhor falar logo das coisas mais difíceis de serem ditas. Pois, quando silenciadas, elas acabam se vingando, sempre”. E o que este autor quer nos dizer?
Quando nos silenciamos, pois não encontramos as “palavras certas” para nos expressar, ou porque acreditamos que as outras pessoas não irão nos entender, ou mesmo nos ouvir, algo disso recai em nosso corpo através daquilo que chamamos de ‘doenças psicossomáticas’, ou ainda, em comportamentos que se repetem com frequência causando sofrimento. Isto quer dizer que algo do que não é dito sempre volta, e retorna com maior força sobre o sujeito, fazendo-o muitas vezes, pagar um preço muito alto. Sigmund Freud, o pai da psicanálise, já havia nos alertado que: “Nada na vida é tão caro quando a doença e a estupidez”.
É nesse sentido que uma psicoterapia, ou uma análise (termo utilizado por psicanalistas) tornam-se o meio mais eficaz e porque não dizer único? para que as palavras possam ser ditas, e ouvidas por um profissional qualificado para tanto, uma vez em que quando não ditas, podem tornar-se doenças, assim como descreve Jacques Lacan, psicanalista francês. Falar sempre salva, “o que é calado na primeira geração, a segunda carrega no corpo” e aqui cito novamente Francoise Dolto para demonstrar mais uma vez a necessária e preciosa função das palavras.
É digno de nota informar a vocês que não estou me referindo a falar tudo o que se pensa com aquele discurso pronto utilizado por algumas pessoas de “não vou levar desaforo pra casa”, e, saem por aí falando de forma irresponsável e insensata. Não é disso de que se trata aqui, pois falando tudo o que se pensa, convoca-se o outro a dizer-lhe também o que pensa, e, com isso, é preciso assumir as consequências de tal feito. O respeito frente às diferenças é sempre bem-vindo nessas e demais situações.
Por fim, é importante ressaltar que quando falamos, algo também se perde, isto é, não se pode dizer tudo, assim, ao escolhermos algumas palavras a serem ditas, perdem-se outras. É por isso que as palavras usadas são as que melhor nos vestem. Com isso, as palavras são capazes de contornar aquelas vivências angustiantes, pois, quando silenciadas, é possível que se use no lugar destas, atos contra si mesmo ou contra o outro, tornando a convivência consigo mesmo e com os demais, conflitante, e, a vida vai tornando-se cada vez mais difícil do que já é.