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Entre roupas estendidas e um verde quintal


Por: Especial para JN
Data: 09/05/2023
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Jacilene Cruz

Nunca escondi das pessoas meu gosto pela leitura. Desde nova, muito nova, leio. Li o meu primeiro livro quando tinha uns três ou quatro anos de idade. Era um dos livros didáticos dos meus irmãos, todo em inglês, mas cheio de imagens... Tão grande era meu gostar, que me graduei em Letras, mesmo não sendo apaixonada pela gramática.

Apesar do apego à leitura, especialmente a literária, desenvolvi uma certa vaidade que me fez/faz esnobar alguns livros. Os clássicos estrangeiros, deixo-os passar fácil, fácil. Dá um certo prazer em dizer, “ah, não li.” Uma espécie de ufanismo talvez. Um não querer a sensação de trair Machados, Drummonds, Carolinas e Conceições. Fiz isso com alguns filmes também: ET, E o vento levou, e as guerras em todas as estrelas.

Sobrou até para Dom Quixote. Comecei a lê-lo algumas vezes, porém sempre o trocava por uns versos livres de Quintana ou uma prosa bem acabada de Rubem Alves.

Felipe Figueira. Dom Quixote. São Paulo: Editora Patuá, 2020.

 

Entretanto, como não negou Caetano, a amizade é um sentimento superior, e foi ela quem me fez ler um outro Dom Quixote. E torço para que Cervantes me perdoe, mas li primeiro a reescrita do professor Felipe Figueira. O mesmo que sempre escreve para esse Jornal.

Quanto primor, lirismo e ousadia: Ele brinca com a obra original como se estivesse estendendo roupas para secar ao sol: estas recebem calor e refletem, ao astro rei, cores e danças esvoaçantes. Ou, é possível que Figueira pense estar, no quintal de sua casa, fazendo mudas de uma velha planta: uma raizinha com algumas folhas pra cá, outra ali ou acolá e, de repente, um mundo de vida verde se instaura e se instala.

Incontestável é que agora, depois de terminada a leitura do Quixote que se estendeu ao sol, que esmeraldou o que antes era acinzentado, sinto-me vazia e sozinha. E o inevitável aconteceu: tirei meu Cervantes da estante, assoprei-o, sentei-me na cadeira de balanço do meu quintal e, entre varais e o jardim, recomecei a lê-lo vorazmente.


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