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Dois ataques ao magistério


Por: Assessoria de Imprensa
Data: 07/04/2020
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Há certo tempo ouvi dois ataques ao magistério, mas que a pessoa que atacou nem conseguiu perceber a agressão. Vou reproduzir as ofensas para, em seguida, explicá-las da forma mais ampla possível.

            1ª Ofensa: “Professor não consegue perceber o endividamento das pessoas porque o seu público é diferente, não é de adultos, mas é formado por crianças e adolescentes”.

            2ª Ofensa: “O mundo está caindo aos pedaços por causa da inflação e do aumento do dólar, mas professor não está nem aí com isso porque todo dia primeiro o dinheiro está na conta”.

            A primeira ofensa diz respeito a um fato apontado por Theodor Adorno (1903-1969), qual seja, de que o professor não vive no universo dos adultos e que, em razão disso, acaba por se tornar uma pessoa menor na sociedade, a exemplo do seu público, pessoas menores. Logo, o professor é infantilizado e a sua visão de mundo, por mais racional que seja, ainda assim recebe o rótulo de pouco prática diante da “vida real”. Conforme ensina Adorno: “(...) a opinião pública não leva a sério o poder dos professores, por ser um poder sobre sujeitos civis não totalmente plenos, as crianças. O poder do professor é execrado porque só parodia o poder verdadeiro, que é admirado” (2006, p. 103). Por sua vez, esse “poder verdadeiro” será visto a partir da análise da segunda ofensa.

            O que acontece, todavia, é que nem a escola e nem o professor são ilhas, sendo que a inflação, por exemplo, a tudo corrói, além do que é próprio do magistério se inteirar acerca do que acontece no mundo.

            Já a segunda ofensa aponta o professor enquanto uma figura parada no tempo, enquanto alguém que pode simplesmente sentar e falar, falar e falar qualquer coisa que o seu salário é garantido. Por outro lado, outros profissionais, como os ditos liberais (exemplos: médicos e advogados), têm de correr ousadamente atrás do “pão de cada dia”, pois este não vem de “mão beijada”. Ainda segundo o filósofo alemão Adorno: “(...) quando comparado com outras profissões acadêmicas como advogado ou médico, pelo prisma social o magistério transmite um clima de falta de seriedade” (2006, p. 99). O professor, assim, “(...) embora sendo um acadêmico, não seria socialmente capaz” (2006, p. 99).

            Não estou a criticar o fato de que os referidos profissionais liberais precisam de bastante energia para vencer as dificuldades financeiras, afinal, negar isso seria estar fora da vida real, porém, o professor também não encontra o mundo à sua inteira disposição. Por exemplo, não é das tarefas mais simples e triviais ensinar 30, 40 alunos por turma e ensinar, além dos conteúdos, também regras de boa convivência. Muitas vezes, é possível ver professores com 30, 40, 50 anos já com algumas enfermidades decorrentes da profissão, como Lesão por Esforço Repetitivo (L. E. R.), crises de ansiedade, cordas vocais e joelhos bastante desgastados. Além desses aspectos destacados, fácil é saber de agressão em relação a professores, sendo que os jornais estão repletos dessas trágicas situações.

            Portanto, a ideia de que o professor é alguém que “não está nem aí” para o mundo, uma vez que “todo dia primeiro o dinheiro está na conta” é um engano, pois é uma tática para menosprezar a docência, seja porque ela (docência) trata de um público considerado menor na sociedade, no caso, os menores, seja porque ela tem uma remuneração fixa ao final do mês, fruto de uma carga horária semanal igualmente fixa (carga horária em média de 40 horas). Se o professor, na prática, trabalha só o estabelecido contratualmente, isso certamente será discussão para um próximo texto.

            E por que a pessoa que fez as duas ofensas não as percebeu enquanto tais? É possível dizer que há certos preconceitos tão enraizados na sociedade que são reproduzidos de forma inconsciente. Como é mais fácil quebrar um osso do que um preconceito, este é reproduzido sem grandes dificuldades pela sociedade. Acontece que é preciso e urgente trazer à tona, isto é, trazer à luz certos preconceitos, porque eles acabam por ruir, dificultar, não só a saúde dos indivíduos e da sociedade, mas a saúde da cultura também.

 

Theodor Adorno. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.


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