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Dogma e Política: a crise Ariana


Por: Especial para JN
Data: 10/09/2025
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Por Pedro Augusto Santos Pimentel[1]

Foto: Divulgação

A chamada Crise Ariana surgiu no início do século IV, no momento em que o cristianismo deixava de ser perseguido e começava a se organizar como religião oficialmente tolerada no Império Romano, especialmente após o Édito de Milão (313 d.C.), promulgado pelos imperadores Constantino e Licínio, que estabeleceu a liberdade de culto no império. Nesse contexto, divergências teológicas que antes permaneciam abafadas vieram à tona com maior intensidade, provocando debates que rapidamente ultrapassaram o campo religioso e alcançaram a esfera política.

O presbítero Ário, de Alexandria, defendia que Cristo era um ser criado por Deus Pai, superior a todas as criaturas, mas não eterno nem igual a Ele. Sua fundamentação partia de uma leitura literal de passagens bíblicas que falam da subordinação do Filho ao Pai, como João 14:28 (“o Pai é maior do que eu”), Colossenses 1:15 (“o primogênito de toda a criação”) e Provérbios 8:22-25, identificando a Sabedoria com o Logos. Essa interpretação, porém, negava a eternidade e a plena divindade de Cristo, comprometendo a própria essência da redenção, pois apenas Deus poderia reconciliar a humanidade consigo mesmo.

Como observa González (2002, p. 89), “o arianismo sustentava que o Filho fora criado e, portanto, não era igual ao Pai”. A controvérsia logo assumiu dimensão política. Se Cristo não fosse plenamente Deus, a salvação pregada pelos cristãos se tornaria questionável e a unidade da Igreja estaria em risco. O imperador Constantino, interessado em preservar a coesão religiosa para garantir a estabilidade imperial, convocou o Concílio de Niceia em 325 d.C., reunindo bispos de todo o mundo cristão.

A questão central girava em torno da natureza de Cristo: seria Ele uma criatura, como defendia Ário, ou eterno e consubstancial ao Pai, como afirmava a tradição? Após intenso debate teológico, o concílio aprovou a fórmula homoousios (“da mesma substância”), declarando que o Filho é plenamente divino em igualdade com o Pai. Como registra González (2002, p. 92), “o Concílio de Niceia declarou que o Filho é da mesma substância do Pai (homoousios), rejeitando de modo decisivo a doutrina ariana”.

Nesse cenário, destacou-se a atuação de Atanásio de Alexandria, ainda diácono, que defendeu com vigor a necessidade da plena divindade de Cristo para assegurar a eficácia da salvação. Posteriormente, já como bispo, Atanásio tornou-se um dos maiores defensores da ortodoxia nicena, enfrentando exílios e perseguições sob imperadores favoráveis ao arianismo. Segundo González (2002, p. 98), “a luta de Atanásio contra o arianismo foi um dos fatores centrais para a preservação da fé ortodoxa”.

Apesar da condenação conciliar, o arianismo continuou a influenciar a vida da Igreja devido ao apoio de imperadores como Constâncio II e à adoção dessa doutrina por povos germânicos em processo de conversão. Essa persistência demonstra como o poder imperial absorveu e instrumentalizou debates teológicos, transformando-os em instrumentos de legitimação política. A situação mudou apenas com o imperador Teodósio I, que proclamou o Édito de Tessalônica em 380 d.C., tornando oficial a fé nicena, e reforçou sua posição no Concílio de Constantinopla (381 d.C.), ampliando a condenação do arianismo e consolidando a doutrina trinitária.

A controvérsia ariana revela, assim, a profunda intersecção entre fé e política no século IV. A definição da ortodoxia cristã não ocorreu apenas no campo teológico, mas também por meio da estrutura conciliar da Igreja, sustentada pela autoridade imperial. Nesse sentido, a superação do arianismo não representou apenas a vitória de uma formulação doutrinária, mas a integração entre Igreja e Império, na qual a unidade da fé era compreendida como garantia da unidade política. A crise, portanto, demonstra que a afirmação da plena divindade de Cristo foi ao mesmo tempo uma questão de ortodoxia dogmática e de estabilidade imperial.

 

Referência:

GONZÁLEZ, Justo L. A era dos gigantes. Tradução de Hans Udo Fuchs. 6. ed. São Paulo: Vida Nova, 2002. (Uma história ilustrada do cristianismo; v. 2).



[1]Educando da 3ª série 1 do Ensino Médio do Colégio Coração de Jesus.


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