DECEPÇÃO, PROPÓSITO, PODER ENTRE OUTROS
Época de fim de ano, com poucas ou nenhuma atividade por conta dos recessos, feriados, etc, nos dá a oportunidade de darmos mais atenção as questões particulares, familiares bem como para olhar de forma mais detalhada postagens, podcast, musicais, filmes, ou seja, como se dizia antigamente, ficar zapeando.
Então, somos bombardeados por milhões de informações, opiniões, achismos, teses, teorias, fofocas, discursos ideológicos, fake News. Muitas das coisas ditas se mostram interessantes, relevantes e até inovadoras. Outras, no entanto, chamam a atenção pela obviedade, pela contradição entre a afirmação e a justificativa e pela falta de profundidade.
Muitos falam, principalmente em assuntos sentimentais e de relacionamento que só se decepciona quem cria expectativas. Óbvio. A decepção, desapontamento ou desilusão é o sentimento de insatisfação que surge quando as expectativas sobre algo ou alguém não se concretizam.
E qual a solução dada para resolver o problema? Não criar expectativas em relação ao outro.
A questão é que na vida, em maior ou menor grau, tudo gera expectativa, ainda que não nos demos conta disso. Quando iniciamos um ano, esperamos que seja melhor que o anterior; quando viajamos, esperamos que o lugar seja tão bonito quanto nas fotos que vemos, quando compramos pão, esperamos que ele venha assado na forma que gostamos; quando vamos a um show, esperamos que o som esteja bom, que sejam tocadas as músicas que gostamos; quando chegamos do trabalho, esperamos poder descansar, assistir um filme, fazer um lanche ou simplesmente não fazer nada.
Ou seja, desde quando acordamos, esperando que o alarme toque, até o momento de dormir, quando esperamos que o medicamento faça efeito, temos expectativas, maiores ou menores.
Ocorre que expectativa para ser considerada como expectativa pressupõe o prévio conhecimento do algo e do alguém. Se inexistir esse prévio conceito, ainda que não formado completamente, não há que se falar em expectativa, mas, sim, em ilusão ou projeção ou somente surpresa.
Ora, se a pessoa sempre se mostrou confiável e presente, e em certo momento vemos que ela agiu de forma leviana, ela não atendeu as nossas expectativas; contudo, se queremos que uma pessoa seja presente e ela não é, ai temos a frustração de uma projeção ou ilusão. Igualmente, se não conhecemos um determinado lugar, e não gostamos dele, não há que se falar em quebra de expectativa, que somente acontecerá se já vimos o lugar anteriormente, em especial por fotos ou vídeos.
Então porque não se aconselha as pessoas a tentarem conhecer a outra pessoa e só esperar o que ela demonstra ser capaz de oferecer e não a se isolar, se tornar individualista e olhar só para si e para seus objetivos?
Simplesmente porque conhecer o outro exige investimento, exige tempo, paciência, sacrifícios até conseguir formar o quebra cabeça real e a partir daí ter uma troca de conformidade com os limites de cada um.
Tudo o que a sociedade moderna não tem ou quer ter, uma vez que a modernidade exige respostas rápidas, mesmo que não verdadeiras. Mais fácil e rápido criar um ideal de pessoa que deve atender as nossas demandas e se não atender, nos afastamos e direcionamos nossa idealização ou mesmo necessidade de atenção e resolução dos nossos traumas, neuroses a outra pessoa, ainda mais quando há tantas solteiras.
E o ciclo vai se repetindo e quanto mais se repete mais traumatizados, solitários e ansiosos ficamos. E mais fechados em nossa individualidade, com medo de nos relacionarmos e entorpecidos por medicamentos.
Quem sabe um dia aprendemos que a expectativa tal qual a decepção, são inerentes ao ser humano e estão presentes no dia a dia. E que mesmo assim vale a pena investir tempo em conhecer verdadeiramente o outro para se ter uma relação recíproca e de troca verdadeira, em que um aceita o outro como é realmente e não como gostaria que fosse ou mesmo um mero depósito do lixo emocional
Não há decepção maior do que descobrir que nossos olhos não miravam a outra pessoa, mas, sim, as nossas próprias ausências.
Não há dor maior do que saber que não foram nossas expectativas que não foram atendidas, mas, sim, nosso desejo de deixar de sofrer que foram frustrados.
Quando conhecemos as outras pessoas e a nós mesmos, a decepção somente ocorrerá quando as pessoas deixarem de ser elas mesmas.
Se não conhecemos as pessoas e a nós mesmos, a decepção sempre ocorrerá quando as pessoas não forem o que queremos, como queremos ou não realizarem nossos desejos.