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Você já se perguntou se existe uma forma de delimitar o campo daquilo que se entende por loucura? Quais comportamentos seriam indicativos de insanidade mental? Que fazer com os reconhecidamente “desajustados”? 

Um dos contos mais admiráveis de Machado de Assis, O alienista é uma sátira acerca da inviabilidade de se definir a esfera da loucura, sob pena de incorrer numa generalização. Afinal, como diz o ditado popular: “de médico e louco todo mundo tem um pouco”.

Machado de Assis conta a história de um médico, o Dr. Simão Bacamarte, obcecado por detectar enfermidades psíquicas, passa a recolher os supostos enfermos num asilo por ele criado, a chamada “Casa Verde”, com o propósito de tratá-los, assim como de desenvolver suas teorias científicas.

No decorrer da narrativa, é apresentado ao leitor um fato inusitado: “quatro quintos da população da vila estavam aposentados naquele estabelecimento”, ou seja, na Casa Verde.  A conclusão do Dr. Bacamarte é que diante desse fato estatístico, a verdade é que não era a maioria da população constituída por loucos, mas o oposto, e, portanto que se devia admitir como normal e exemplar o desequilíbrio das faculdades, e como hipóteses patológicas todos os casos em que aquele equilíbrio fosse ininterrupto. 

Com isso, o protagonista resolve dar liberdade aos reclusos da Casa Verde, que já representavam a esmagadora maioria da população local. 

De acordo com o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) o saber sobre a loucura, que se encerra no discurso psiquiátrico, é extraído a partir de seu Sitz in Leben (expressão alemã utilizada na exegese de textos bíblicos. Traduz-se comumente por "contexto vital"), o lugar de existência, a saber: as instituições de controle do louco que são: família, igreja, justiça, hospital, etc., os saberes a elas relacionados e as estruturas econômicas e culturais da época. Este lugar de existência é o que constitui para Foucault a episteme de uma época.

Dito de maneira mais simples, o que Foucault expressa é que a sociedade possui “instituições de controle” (família, igreja, justiça etc.), são essas instituições que dizem como devemos agir, falar, nos vestir, em fim, como ser “normal”. Se você não se ajusta aos padrões impostos por essas instituições, logo, você é louco, desajustado. 

A sociedade usa para avaliar a saúde mental dos indivíduos os mesmos critérios de avaliação da “saúde” de uma peça pertencente a uma maquina. Peça “saudável” é aquela que não exige reparos e funciona sempre. 

Para que isso aconteça é preciso que a peça esteja totalmente ajustada à ideia da máquina. Sendo assim, o individuo saudável, ou seja, que não é louco é aquele que cuja alma está ajustada à alma da sociedade. Ajustamento produz contentamento. 

Rubem Alves, outro grande gigante da literatura brasileira, tratando sobre o mesmo tema diz em um dos seus livros que ao longo da história sempre houve pessoas consideradas “desajustadas”, mas que também eram dotadas de uma genialidade singular. 

As pessoas ajustadas são indispensáveis para fazer a máquina funcionar. Mas só as desajustadas pensam outros mundos. A criatividade vem do desajustamento. 

Agora imaginem que nossa sociedade é louca, as evidências apontam para esse diagnostico. Estar ajustado a essa sociedade é estar ajustado a sua loucura, logo, o que é padrão de sanidade na verdade é loucura, pois, a sociedade que impõem esses padrões é louca. 

Mas aqueles que possuem sensibilidade para perceber a loucura da sociedade e consequentemente sofrer com isso, serão tidos como loucos, pois, serão “peças desajustadas” impedindo o funcionamento normal da máquina. 

Talvez o Dr. Bacamarte estava certo na sua ideia inicial: são todos loucos. 

Alison Henrique Moretti


Anuncie com Jornal Noroeste
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