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A dor crônica: quando o cheio demais cria o vazio


Por: Simony Ornellas Thomazini
Data: 28/05/2019
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Segundo a medicina, o significado mais aceito da dor é de acordo com a Sociedade Internacional da Dor (IASP, 2011): “uma experiência sensitiva e emocional desagradável, associada a uma lesão ou descrita como a ela relacionada”.

Existe, porém, uma diferenciação em relação ao caráter alarmante da dor aguda que segundo Márquez (2007): “as dores crônicas podem ser entendidas como as que se mantém após a cura da lesão inicial, ou que persistem além de semanas ou meses”. 

Para a psicanálise, portanto, pelo viés da linguagem, a dor é entendida como um dos nomes da angústia, e a angústia, de acordo com Lacan, é o afeto que não engana. 

Essa dor é a expressão de um próprio limiar, isto é, de um ultrapassamento do limite do que seria “permitido” ao psiquismo, consistindo em grandes cargas de energia, vista como um excesso. A dor, nessa perspectiva, é oposta ao desprazer, pois as quantidades excessivas acabam invadindo os dispositivos psíquicos de proteção criando a ideia do “cheio demais cria o vazio”, expressão utilizada por Pontalis (2005). 

 Assim, a dor é efeito de uma implosão. Esta dor da qual estamos falando, sem etiologia orgânica, é entendida para a psicanálise como um fenômeno, na qual entenderemos melhor a seguir.

O que é dor crônica?

O sujeito acometido por dores crônicas é aquele que seus relatos são breves, contidos, e concentra seus dizeres de maneira tão minuciosa a respeito desta dor que sente, levando-nos a pensar que é como se fosse um grito, um som visceral que provém de seu corpo que sofre, sendo esta uma via para manifestar a intensidade de um sujeito que está em colapso.

  Estar dor sentida como uma aniquilação, como descreve Nasio (2007) “se traduz então por uma sensação física de desagregação [...] um desmoronamento mudo do corpo”.

Este autor ainda enfatiza que se a dor crônica revela o silêncio e o mutismo em que o sujeito está submerso, o grito seria o primeiro movimento necessário para dar voz ao que ele sente. Assim, por não ser comunicável, por se consistir num fenômeno só para si, a dor possui somente essa possibilidade de alternância: o silêncio e o grito.

Esse grito primeiro que o sujeito enuncia, é entendido por Lacan como um primeiro passo para sair de seu estado de petrificação. É, portanto, uma tentativa de representação. Porém, até esse momento em que o grito rompa o silêncio, a dor que petrifica e paralisa faz com que quaisquer tentativas de fugas sejam inúteis, deixando-o a deriva. O efeito disso nos pacientes é como destaca Barreto (1995) “a dor é de uma mudez desesperada”.

Nesse sentido, pessoas acometidas por essas dores, não sabem e não podem dizer por que e de onde vem essa dor que nunca passa. É por isso que o grito cumpre o papel, não somente de uma descarga necessária, como também uma ponte entre o inconsciente e a consciência para aquilo que está invadindo o psiquismo em quantidades intoleráveis, podendo ser capturado e elaborado. 

É importante ressaltar que esta dimensão da dor da qual estamos discutindo, é diferente da esfera do sofrimento. Na primeira, o sujeito está fechado em si mesmo, sem nenhuma abertura para o Outro, submerso em um mutismo intolerável como foi descrito acima. Já a experiência do sofrimento faz movimentos de demandas e cria o laço social, ou seja, o sujeito em sofrimento faz apelos para o outro numa tentativa de apaziguamento e ligação desse transbordamento doloroso. 

Como é o tratamento?

Em uma psicoterapia ou em uma análise (termo utilizado por psicanalistas), o psicólogo ou o analista, irá oferecer uma escuta a esse sujeito que incluirá a sua dor tanto numa dimensão de sentido como em seu aspecto fora-de-sentido.

Como já foi dito, é só quando o grito é expresso numa tentativa de inscrição de intensidade, portanto, como esforço de estabelecer contornos ao ego, que o sujeito será ouvido e inserido numa dimensão de significação, abrindo as portas para que possa fazer um apelo ao Outro – passo primeiro fundamental na condução da dor à representação. 

Nesse sentido, a tarefa de elaboração da dor crônica seria a de tentar fazer a ligação ao que não foi ligado – e que, por isso, é excessivo – através do trabalho árduo de ligação e conjunção, isto é, de representação. 

Nessa dimensão incessante e insistente por parte do analista, a dor crônica constitui-se como um grito que o retira de seu silêncio; um grito que chegará aos ouvidos daqueles que realmente podem e estão qualificados a ajudá-lo.

 

Simony Ornellas Thomazini é Pedagoga com especialização em Psicopedagogia Institucional e Clínica; Psicóloga. Atua como psicóloga no CRAS - Centro de Referência da Assistência Social de Uniflor, e psicanalista na Fênix Desenvolvimento Humano.

Simony Ornellas Thomazini


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