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Pacaraima, a mídia e a verdade


Por: Assessoria de Imprensa
Data: 25/10/2019
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Em reportagem especial para o Jornal Noroeste, Felipe Figueira relata direto de Paracaima (RR) o que realmente acontece na fronteira Brasil/ Venezuela 

Por: Prof. Felipe Figueira | Especial para o JN

A mídia é um fenômeno/fato social um tanto diferente e dos mais importantes na sociedade. Um tanto diferente porque detém um poder que extrapola a esfera do individual e do local, mesmo quando se trata de um jornal local; e dos mais importantes porque o ser humano é essencialmente um ser social.

Nesse horizonte, é digno de nota e de curiosidade que a crise imigratória venezuelana ganhou um enorme interesse por parte da mídia brasileira entre 2017 e 2018, porém, em 2019, tirando a repercussão em relação ao autoproclamado presidente Juan Guaidó, quase não se fala mais sobre o país caribenho. Nem televisões e nem jornais tratam mais sobre esse cenário, e o pouco que é tratado é quase sempre superficial.

A questão é que os imigrantes venezuelanos não pararam (e não param!) de entrar no Brasil via Pacaraima, sendo uma média de 800 a 1000 pessoas que cruzam a fronteira para o lado brasileiro atrás de uma condição de vida melhor e de refúgio. Como pode algo tão alarmante não gerar mais interesse por parte da mídia? Trata-se de um drama humano do mais alto grau.

Enquanto isso, Pacaraima, um pequeno município de Roraima, que, segundo o CENSO de 2019 possui apenas 17.401 habitantes, encontra-se em um caos sem precedentes, pois a sua população atual, entre residentes e pessoas de passagem, mais do que dobrou. Entretanto, as escolas não aumentaram as estruturas e nem mais docentes foram concursados/contratados. Por sua vez, os hospitais também não aumentaram as suas instalações e o corpo clínico não acompanhou o acréscimo da demanda. O que fazer, então, diante de tamanha complexidade?

Não é difícil deduzir que, por causa do caos, inúmeras situações tenham surgido ou tenham se agravado, como as que dizem respeito a problemas ambientais e de segurança.

Pacaraima, que por causa do tipo de solo (caulim) não possui cemitério, tampouco serviço de esgoto, vive um sério problema que envolve tanto a sujeira presente no município quanto a contaminação da água. E por que Pacaraima tem uma estrutura tão precária? Um dos motivos é que esse município faz parte da Reserva São Marcos e as terras ainda não foram desmembradas, o que torna a respectiva cidade, na teoria e quase que na prática, uma reserva indígena que não pode alterar/desenvolver certas estruturas.

Quanto à segurança, os furtos, roubos e tráfico de armas e de drogas aumentaram numa proporção assustadora, e as câmeras de segurança, que já não eram suficientes, muitas encontram-se queimadas. Uma saída improvisada para esse problema foi a contratação de vigilantes particulares por parte dos comerciantes e dos moradores (em especial, os do centro). É certo que o Exército, a Polícia Militar e a Força Nacional têm atuado da melhor forma possível, porém, a situação em Pacaraima escapa ao controle mesmo de instituições tão sérias e bem estruturadas como as supracitadas.

Para ilustrar a complexidade da segurança, cabe narrar um fato ocorrido em 17 de agosto de 2018.

Um comerciante pacaraimense, Seu Raimundo Nonato, 56 anos, passou por um grave assalto em sua residência: quatro venezuelanos, com violência e grave ameaça, desferiram um fortíssimo golpe na cabeça e amarraram a sua esposa. No mesmo dia do assalto, um senhor de 80 anos, também chamado Raimundo, morador do Bairro Vitória, veio a falecer. O que a população de Pacaraima pensou? Que o Seu Raimundo comerciante havia sido morto pelos venezuelanos. Consequência? Os moradores brasileiros de Pacaraima se reuniram, cansados por causa de tanto caos, expulsaram e atearam fogo nos pertences dos imigrantes. Logo se vê que o caos em Roraima é uma bomba relógio, um verdadeiro campo minado. Como desarmá-lo? Eis uma resposta que ninguém consegue dar de forma rápida e precisa.

A Venezuela, como é bem divulgado pela mídia, é a terra do petróleo. Isso é verdade. O petróleo é tão abundante que chegava a ser vendido a “preço de banana”, na verdade, banana era muito mais cara. A gasolina chegou a custar R$ 0,01 no interior da Venezuela e R$ 1,50 no posto internacional na divisa com o Brasil. Isso motivou um tráfico de combustível enorme na região fronteiriça.

No entanto, como tudo parece possuir um “no entanto”, há uma série de bloqueios contra a Venezuela, um deles é o dos Estados Unidos, que não têm mais refinado o petróleo venezuelano. A polêmica entre os EUA e o país caribenho é tão intensa que necessita de um estudo à parte. Enfim, e aqui cabe um detalhe: a Venezuela só possui o petróleo, mas não a tecnologia suficiente para refiná-lo, ou seja, não transforma o petróleo em diesel e gasolina. Por causa disso, da carência de tecnologia venezuelana, logo a terra do petróleo ficou sem gasolina, e o único posto na divisa é o de Pacaraima (recente e pequeno), com apenas duas bombas. A gasolina custa nesse posto R$ 4,20, mas chega do outro lado da divisa por R$ 7,00, R$ 8,00, podendo chegar (caso seja possível encontrar esse produto!) a R$ 10,00 e R$ 12,00 no interior. Logo se percebe o tamanho do caos!

Falamos um pouco dos problemas sociais, ambientais e econômicos da referida crise venezuelana, mas também há um ou outro ponto positivo a se destacar, sendo que ele também envolve a economia. Esse ponto é, em especial, o comércio em Pacaraima. Como falta quase tudo na Venezuela, o comércio do município de Roraima é o responsável por suprir de tudo: de gasolina e diesel a comida, roupa e papel higiênico. Pacaraima é uma cidade pequena, já foi dito, mas com um movimento e um giro econômico capaz de espantar grandes cidades. Porém, a que custo o comércio tem se fortalecido? Muitas vezes, ao custo da segurança e do bem-estar. É difícil encontrar um morador pacaraimense, bem como um comerciante, seguro, que durma de forma tranquila.

Voltando ao problema do início desse texto: onde está a mídia, em especial a grande mídia, para (re)tratar tamanha complexidade? Não (re)tratar só para lucrar, mas para buscar, ainda que minimamente, a verdade. Estou sendo utópico com essa ideia? Se sim, prefiro assim permanecer, porque a realidade é dura demais sem utopias.

Enquanto isso, escrevo essas breves linhas para o Jornal Noroeste em meio ao calor e ao barulho de Pacaraima, na esperança (na utopia?) de que esse texto possa encontrar leitores atentos e que atendam, na medida do possível, à minha preocupação: é preciso buscar a verdade, ainda que ela seja difícil e quase impossível de ser alcançada. Pacaraima, 22 de outubro de 2019.


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