Wicked
Quem já teve a sorte de assistir ao musical Wicked, seja na Broadway, em Nova York, ou no West End, em Londres, costuma sair encantado, cheio de histórias sobre como o espetáculo é inesquecível. Infelizmente, ainda não tive esse prazer — porém, nem por isso, deixo de reconhecer o tamanho do desafio que é levar uma produção tão icônica dos palcos para o cinema. Esse trabalho exige mais do que talento: é preciso encontrar o equilíbrio perfeito entre honrar a obra original e abraçar as possibilidades que a linguagem cinematográfica oferece. Afinal, enquanto o teatro encanta pela intimidade e pela magia do ao vivo, o cinema pede uma abordagem mais expansiva, com cenários que saltam aos olhos, performances que cativam sem a interação direta com o público, e, claro, adaptações que conquistem tanto os fãs de longa data quanto quem está conhecendo essa história pela primeira vez. E há também aquele velho desafio: traduzir músicas inesquecíveis em momentos que brilhem na tela grande, mantendo a alma e o coração que fizeram do musical um verdadeiro fenômeno. A grande estreia dessa semana tem essa missão, Wicked promete reproduzir nos cinemas todo o sucesso que já conquistou nos palcos. A coluna dessa semana busca discutir um pouco dessa magia de Wicked e seu esforço para replicá-la na tela grande.
O gênero musical no cinema é um verdadeiro convite à emoção, uma explosão de som, cor e narrativa que não deixa ninguém indiferente. Para uns, é pura magia: histórias cativantes entrelaçadas com músicas que grudam na memória e transportam o expectador para outro mundo. Para outros, pode ser um pouco… exagerado, com aquelas canções surgindo em momentos inesperados. Seja como for, o musical tem um lugar especial no coração da sétima arte, especialmente durante sua Era de Ouro, entre as décadas de 1930 e 1950. Quem não lembra dos clássicos como Cantando na Chuva ou O Mágico de Oz? Naquela época, esses filmes eram mais do que entretenimento: eram um refúgio, um alívio para um público que enfrentava tempos difíceis. Hoje, o gênero continua encontrando maneiras de se reinventar, provando que ainda há espaço — e muito amor — para ele nas telas do cinema.
Depois de muita expectativa, Wicked finalmente faz sua estreia cinematográfica, sob a direção de Jon M. Chu. O diretor convida o público a revisitar Oz sob uma nova perspectiva, explorando a história das icônicas Bruxas antes da chegada de Dorothy. O filme entrega uma experiência visual e emocional que, independente de um ou outro tropeço, tem momentos de verdadeiro brilho. Sustentado por atuações intensas e uma direção visual cheia de personalidade, Wicked promete encantar tanto os fãs do teatro quanto os curiosos de primeira viagem.
No centro da história está a improvável amizade entre Elphaba, a Bruxa Má do Oeste, interpretada de maneira brilhante pela atriz e cantora, Cynthia Erivo, e Glinda, vivida pela carismática e excelente comediante Ariana Grande (se você não for um adolescente talvez não a conheça, mas essa mulher é um sucesso no mundo da música na atualidade). As duas são polos opostos: Elphaba, marcada pelo preconceito e pela exclusão (vale a pena lembrar que ela é verde), e Glinda, a garota popular que, no início, parece só se importar com aparências. Mas é nesse contraste que o filme encontra sua força, revelando o crescimento das personagens e suas camadas de humanidade.
Cynthia Erivo rouba a cena como Elphaba, especialmente durante a performance de Defying Gravity, o número mais esperado do filme. Não é só cantar — é interpretar com uma profundidade que faz o público mergulhar junto. Já Ariana Grande entrega uma Glinda que equilibra humor e leveza com uma boa dose de amadurecimento ao longo da história. Seu Popular é um espetáculo à parte, uma aula de carisma e timing cômico. Sobre atuar e cantar ao longo do filme, é preciso ressaltar que ambas, tanto Erivo quanto Grande, cantaram ao vivo no set de filmagem. Diferente do que ocorre normalmente, elas não apenas dublaram as canções, mas cantaram, tornando as performances muito mais realistas e interessantes. De forma alguma é cedo para dizer, após isso, existe cheiro de indicação de Oscar no ar para as duas.
Jon M. Chu, que já mostrou todo o seu talento no excelente Podres de Ricos, de 2018, traz um olhar sensível e criativo para Wicked. Ele combina grandiosos números musicais com cenas mais íntimas, garantindo que a grandiosidade de Oz não ofusque as emoções humanas. A cinematografia de Alice Brooks também merece menção: embora tenha gerado opiniões divididas por sua paleta de cores mais sóbria, ela cria uma atmosfera que mistura o fantástico e o real, dando ao filme um tom único. Além disso, os cenários construídos de forma tradicional também dão um charme particular à obra. Em tempos onde tudo é CG, ver um filme de peso trabalhar à moda antiga faz toda a diferença.
O que torna Wicked tão especial é a forma como revisita temas clássicos de O Mágico de Oz com um toque de atualidade. O preconceito, a exclusão social e até questões políticas são abordados de maneira acessível, mas sem perder a profundidade. Elphaba, com sua pele verde e sua coragem para desafiar as normas, é uma metáfora poderosa para quem se sente à margem da sociedade, enquanto sua relação com Glinda mostra como o entendimento mútuo pode transformar vidas.
Sobre o elenco, os coadjuvantes também brilham, e muito! Michelle Yeoh está impecável como Madame Morrible, uma vilã que destila charme e manipulação. Jonathan Bailey (mais conhecido como Lord Bridgerton, da Netflix) é puro carisma como Fiyero, trazendo complexidade a um personagem que poderia ser apenas o galã da história. E Jeff Goldblum, como o Mágico, entrega um desempenho cheio de camadas, equilibrando sua imponência com uma fragilidade que surpreende. Porém, preciso fazer uma ressalva sobre Goldblum, se você viu as últimas performances dele provavelmente concordará comigo, parece que ele, como ator envelheceu e ficou preso num único personagem, ele mesmo, talvez por isso, as nuances de seus papeis sejam sempre meio parecidas.
Enfim, o filme não é perfeito. Sua duração, de quase três horas, pode pesar um pouco para alguns espectadores, e certas subtramas, como a transformação de Galinda em Glinda, poderiam ter sido mais bem exploradas. Ainda assim, o que prevalece é o coração da história: a amizade entre Elphaba e Glinda e as escolhas que moldam suas vidas.
Por que ver esse filme? Wicked é aquele tipo de obra que tem a capacidade de fazer o expectador se recordar de porque ir ao cinema é mais legal do que assistir em casa via streaming. Isso porque ele é capaz de nos transportar, nos emocionar e nos fazer refletir, tudo isso com um visual arrebatador numa tela grande. Jon M. Chu conseguiu capturar a essência da Broadway e traduzi-la para o cinema, sem perder o que há de mais importante, a humanidade. É um filme que emociona, faz sonhar e nos deixa ansiosos pela continuação, porque Oz ainda tem muito a oferecer. Boa sessão!