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Sétima Arte


Por: Odailson Volpe de Abreu
Data: 13/01/2023
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Os Fabelmans

O ano de 2023 já começou e, se o clima político/social no país é de tensão e apreensão, o mesmo não se pode afirmar em relação ao entretenimento, sobretudo a respeito do cinema. A grande estreia dessa semana é o drama Os Fabelmans, lançado em novembro do ano passado nos Estados Unidos, o filme ficou represado e só chegou agora aos cinemas nacionais. Atrevo-me a dizer que não haveria melhor hora! Essa semana, na terça-feira, dia dez, aconteceu a cerimônia de premiação do Globo de Ouro e Os Fabelmans saiu como um dos principais campeões da noite, ganhando o prêmio de Melhor Filme de Drama e Melhor Direção, concedida ao mítico Steven Spielberg. Essa semana, na Coluna Sétima Arte, você irá saber tudo o que é importante sobre essa semiautobiografia de Spielberg que tem agradado aos críticos e encantado o público.

Vamos começar falando sobre a premiação no Globo de Ouro, diferente de outros anos não houve grande alarde, muitas postagens nas redes sociais e nem mesmo transmissão do evento no Brasil (tradicionalmente o canal pago TNT veicula esse tipo de premiação internacional). Tudo isso se deve à grande desconfiança instalada contra a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, que promove o Globo de Ouro, ela foi acusada de falta de diversidade e pouca transparência na escolha dos ganhadores, o que gerou no ano passado um boicote ao evento. Em 2022 a cerimônia foi esnobada pela grande mídia e até mesmo os troféus concedidos a várias celebridades foram devolvidos. Para 2023 o Globo de Ouro correu atrás do prejuízo e aos poucos está tentando resgatar seu prestígio. Na cerimônia de terça-feira voltou a contar com a presença das celebridades in loco, mas não foi o suficiente, por exemplo, para ter sua transmissão garantida no Brasil.

Independente de tudo isso, o Globo de Ouro ainda é considerado um ótimo termômetro para a premiação mais badalada da sétima arte, o Oscar. Por isso, a premiação de Os Fabelmans não passará despercebida e provavelmente endossará algumas indicações ao Oscar no anúncio do próximo dia 24 de janeiro. Em minha humilde opinião, Os Fabelmans tem grandes chances de sair da cerimônia do Oscar com algumas estatuetas, isso porque ele não trata só sobre a infância e adolescência de Spielberg (falaremos sobre isso mais adiante), mas fala principalmente do cinema, da paixão, do sonho e do encantamento que envolvem essa arte. Todos nós sabemos que se tem uma coisa que Hollywood gosta realmente é de si mesmo, por isso essa temática sempre tende a ser premiada no Oscar. Bom, acredito que o mais importante agora seja falar propriamente do filme.

Iniciei a coluna comentando que Os Fabelmans é uma semiautobiografia, o que seria isso? O filme, escrito pelo próprio Steven Spielberg com a ajuda de Tony Kushner é uma ficção, mas com personagens inspirados na família e no próprio Spielberg. Ele levou para tela com simplicidade e respeito suas memórias de infância e adolescência, seus medos, conflitos e superações, demonstrando de maneira muito sublime como tudo isso colaborou para que ele se tornasse um dos grandes nomes do cinema.

Não é autobiografia porque nomes, sobrenomes e alguns panos de fundo foram alterados, mas todos os acontecimentos cruciais da trama, de praticamente duas hora e meia, são reais e narram a vida do diretor. A impressão que fica no público é aquela de que se está vendo algo muito particular, privado e que não deveria ser visto. Mas, ao mesmo tempo, são acontecimentos curiosos e extremamente prazerosos. Entrar pela porta da frente na casa e na vida de uma família judia entre os anos 1950 e 1960 nos Estados Unidos é um misto de reality show com voyeurismo. Dessa forma, ir percebendo aos poucos as tendências, os medos e, principalmente, as traições (no caso traição) antes mesmo que os próprios envolvidos é um deleite ainda maior.

Spielberg é cuidadoso com sua família e constrói cada personagem com uma dignidade ímpar. Conforme a trama se desenrola o público não tem ressentimentos por nenhum deles e os compreende e os exonera da culpa a partir de seus dramas e suas escolhas. Não há vilões, na história, há seres humanos com suas complexidades que agem da forma que podem para enfrentar suas próprias limitações. Por isso, o expectador sai do cinema sem nenhum ressentimento para com Mitzi, a mãe pianista que teve sua carreira frustrada, de Burt, o pai brilhante e por vezes ausente, ou do divertido e controverso tio Benny, nem mesmo dos adolescentes cristãos que fazem bullying com o jovem Sammy, único judeu de sua escola. Esse sentimento de complacência para com os personagens surge porque o que se vê em cada um deles são suas fragilidades diante de um mundo que não compreendem e não dominam.

Para gerar tamanha leveza em personagens tão profundos e complexos foi escolhido um elenco excepcional, com destaque para Michelle Williams que entrega um grande trabalho, profundo, sofrido e libertador. Outro que merece crédito é Paul Dano que interpreta Burt Fabelman como um típico homem de seu tempo, preocupado mais em prover do que em ser. Inteligente e dócil, ele é alguém que sofre com as agruras que a vida lhe impõe. Até mesmo Seth Rogen, ator pelo qual eu não nutro grandes simpatias, está excelente no filme. Diante desses grandes nomes e de suas grandes atuações quem quase fica em papel de coadjuvante é o protagonista em sua fase adolescente, interpretado por Gabriel LaBelle. Ele é bom, ele tem presença, mas a atuação dos demais ofusca seu brilhantismo.

Em relação aos aspectos técnicos, como de costume em obras de Spielberg, tudo está perfeito. O filme é uma aula de fazer cinema, seus figurinos de época e seu trabalho espetacular de fotografia transportam o público para a era dourada dos anos 1960, encantando em frame. Os ângulos, os posicionamentos de câmera e os enquadramentos são de um esmero ímpar, haja vista que, ao longo de todo o filme, o diretor busca demonstrar que aprendeu muito bem a lição oferecida a ele pelo lendário diretor Jhon Ford num dos momentos finais. Um último ponto técnico que vale a pena destacar é a trilha sonora, desenvolvida por John Williams. Ela ajuda a dar um tom solene e especial à história que está sendo contada. A trilha sonora é extremamente suave e muito discreta, por isso, pode até mesmo passar despercebida, mas ela é essencial para que cenas como as da dança na frente dos faróis do carro durante o acampamento se tornem inesquecíveis e sublimes. Vamos à trama!

Na era pós-Segunda Guerra Mundial, o pequeno Sammy Fabelman se encanta pelo cinema ao assistir com sua família o clássico filme de Cecil B. DeMille O Maior Espetáculo da Terra. Os efeitos especiais intrigam o garoto que desenvolve uma relação muito especial com a busca por capturar o mundo ao redor e representa-lo por meio das fotografias em movimento, o cinema. Mais tarde, entre as mudanças de cidade que faz devido ao trabalho do pai, descobre um segredo de família que pode mudar a forma como ele compreende seu papel no mundo e, a partir disso, explora como o poder dos filmes pode ajudá-lo a ver a verdade.

Por que ver esse filme? Os Fabelmans é um convite à superação, à busca pela felicidade e às maneiras como cada um deve lidar com suas dificuldades. Abordando de forma sensível temas como traição, perdão, divórcio, bullying, xenofobia e superação, esse drama é uma lição de vida. Compensa cada segundo de suas mais de duas horas de filme que passam despercebidamente. Ao final, a sensação que se tem é a de que se o mundo não é tão bom como gostaríamos, é possível pelo menos digeri-lo melhor quando ele está envolto na bruma de sonhos que só o cinema é capaz de produzir. Boa sessão!

Odailson Volpe de Abreu


Anuncie com Jornal Noroeste
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