Brasil: Um País Racista
No dia 20 de novembro celebrou-se o Dia da Consciência Negra. Esta data foi escolhida por ser o aniversário da execução de Zumbi dos Palmares pela Coroa Portuguesa em 1695 e objetiva ser um marco no combate ao racismo e às desigualdades raciais no Brasil. Na noite anterior ao dia 20, num hipermercado de Porto Alegre, João Alberto Silveira Freitas, um homem negro de 40 anos, foi assassinado por seguranças em frente de ao menos 15 testemunhas. Esta morte gerou uma explosão de protestos antirracistas em várias partes do país, mas também reações, como a do vice-presidente da República, que, em pleno Dia da Consciência Negra, afirmou: “para mim no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar, isso não existe aqui. Eu digo pra você com toda tranquilidade, não tem racismo”.
Tudo indica que, a exemplo desta fala, 2020 é o ano do espanto e da normalização da barbárie no Brasil: um menino negro de cinco anos cai do 9° andar de um prédio, duas garotinhas de quatro e sete anos são exterminadas na porta da sua casa, João Alberto é morto de tanto apanhar. Espanta-nos a negação da existência do racismo no Brasil quando ele se mostra todos os dias em inúmeros atos de desigualdade e de violência, dos quais estes são apenas alguns. Lembremos também que já temos mais de 180 mil mortos por Covid19, seguramente a maioria são homens e mulheres pobres, negros e moradores das periferias desse país continental.
Na realidade, a história brasileira inteira é profundamente fincada na exploração e na violência de toda sorte – física, psicológica, patrimonial, moral, cultural, religiosa etc. – contra negros e negras. Durante o período colonial e imperial, o Brasil foi o território que mais recebeu africanos capturados e trazidos à força para, por meio do trabalho escravo, construíram este país. O Brasil também foi a última nação do continente americano a abolir a escravidão. Esta, por sua vez, não foi seguida de um amplo programa de reparação e de integração da população negra à nascente república brasileira.
Em vez disso, o que houve foi um sistemático projeto de embranquecimento populacional, o qual, por um lado, buscava atrair imigrantes europeus, tidos como de “raças superiores” e, por outro, impedir que pessoas tidas como de “raças inferiores” entrassem no país. Os negros libertos, por sua vez, se depararam com todo tipo de exploração, resistência, discriminação e abandono. Sempre que possível eram preteridos. A privação da terra, as favelas, o trabalho pesado, os subempregos, a extrema pobreza, a marginalidade, foram seus destinos mais frequentes.
Desde então, embora quase nunca pronunciada e encoberta pelo mito da democracia racial, as desigualdades raciais são reproduzidas no Brasil. Até aproximadamente o início da década de 1950, o Estado brasileiro se comportou de maneira francamente racista. A partir de então, surgiram as primeiras leis que buscavam coibir a prática, no entanto, apenas com o presidente Fernando Henrique Cardoso o Estado brasileiro passou a desenvolver políticas, ainda que tímidas, de combate ao racismo e à desigualdade racial.
É verdade, também, que a exploração racial não encontrou vida fácil no país. Desde que pisaram pela primeira vez nestas terras até o presente momento, negros e negras seguem resistindo. O dia da consciência negra expressa essa luta, que já obteve avanços como a classificação constitucional do racismo como crime inafiançável e imprescritível, as políticas de ações afirmativas e o empoderamento político-cultural dos negros e negras, os quais passam cada vez mais a se orgulharem de sua história, de seu fenótipo, de sua capacidade criativa.
No entanto, se é necessário um movimento pela consciência negra, é porque, do outro lado, adversários perpetuam o racismo e agem para defender seu infame projeto de dominação branca. O projeto racista está organizado política, econômica e socialmente. Aqui e acolá deixa escapar suas vísceras, mas geralmente age em silêncio, enraizado em práticas sociais de seleção e discriminação racial. O racismo, é de fato, uma força social, fincada na cultura autoritária brasileira. Uma das suas manifestações é a negação discursiva de si mesmo, como fez o vice-presidente, para que continue sendo praticado por meio de atitudes. Desvelar e lutar contra essa realidade é dever ético e civilizacional de todos.