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UMA ABORDAGEM TEÍSTA DA MATEMÁTICA


Por: Fernando Razente
Data: 08/11/2021
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“Os cristãos [...] se tornam imensamente culpados quando se deixam cativar pela idolatria de considerar a lei científica e aritmética impessoal. Dentro desse cativeiro, tomamos por certo os benefícios e as belezas da ciência e matemática, pelos quais deveríamos na verdade ser cheios de gratidão e louvor a Deus."

— POYTHRESS, Vern S.[1]

A abordagem pedagógica moderna da matemática, embora seja útil em muitos aspectos, é pobre em suas capacidades. Hoje, a matemática é compreendida pelos alunos como uma disciplina para aprender a “contar o troco do sorvete” e quando muito, a não entrar na faculdade de engenharia passando vergonha. O que aconteceu para que essa disciplina tão nobre se tornasse tão pobre? Minha resposta: o dogma da impessoalidade aritmética. O que é o dogma da impessoalidade aritmética? Para compreendermos, precisamos partir da definição de aritmética. Grosso modo, trata-se da parte da matemática que lida com as operações numéricas: soma, subtração, divisão e multiplicação. Todas essas categorias revelam racionalidade da matemática. Ou seja, se somos capazes de compreender a realidade dos números e suas operações racionalmente é porque os números também possuem níveis de racionalidade. Sim, estamos lidando com filosofia da matemática e é daqui que precisamos partir para compreender o estado atual das coisas. Dr. Vern S. Poythress é bacharel em matemática pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia e Ph.D. em matemática pela Universidade de Harvard onde lecionou também por um ano. Em sua obra Redimindo a Matemática (2015), Poythress argumenta a respeito do consenso científico sobre a racionalidade dos números: "Os cientistas e os matemáticos na prática acreditam apaixonadamente na racionalidade das leis científicas e leis aritméticas. Não estamos lidando com algo totalmente irracional, inexplicável e não analisável, mas sim com uma legalidade que em certo sentido é acessível à compreensão humana. A racionalidade é uma condição sine qua non para a lei científica.[2] Poythress parece sugerir que o grande problema da discussão não está no fato de filósofos e matemáticos reconhecerem racionalidade nas leis aritméticas. O problema nevrálgico encontra-se na crença de uma impessoalidade dessa lei matemática. Contudo, a racionalidade, argumenta Poythress, “[...] pertence às pessoas, não às rochas, árvores e criaturas subpessoais. Se a lei é racional, como supõem os matemáticos, então também é pessoal."[3] Isso equivale a dizer que a lei matemática revela traços de uma pessoa. Chegamos ao ponto onde a natureza das leis matemáticas se encontra em harmonia com a visão teísta do mundo. O recém falecido físico, teólogo e sacerdote anglicano inglês John Charlton Polkinghorne (1930-2021) compreendia que a única maneira de admitir coerentemente os aspectos pessoais das leis matemáticas seria assumir também um sistema teísta, onde o universo parece cravejado de sinais de inteligência e a fé recebe afirmada e satisfatoriamente o que a revelação natural[4] tem a nos dizer: “Isso realmente é assim, diz o teísta, pois é a Mente de Deus que está por trás de sua beleza racional. Não apresento isso como um argumento arrasador em defesa do teísmo - não existem argumentos arrasadores, nem a favor, nem contra -, mas como uma percepção satisfatória que encontra lugar compatível na visão teísta do mundo."[5] A matemática é capaz de expressar, dentro de uma visão teísta de mundo, não somente meros cálculos utilitários para a vida cotidiana. Daí ser muito pobre a pedagogia da matemática atual. Ela faz mais, sendo capaz de revelar parte do caráter do próprio Criador. Vejamos alguns exemplos. Na matemática, “[...] há profundezas insondáveis e perguntas sem resposta”[6] que identificamos como a expressão no mundo criado da natureza incompreensível de Deus em muitos aspectos.  Além disso, a matemática revela valores, como bondade ao nos dar um preceito intelectual, beleza ao nos proporcionar simetria e harmonia entre os números e a vida humana e também retidão ou justiça, ao estabelecer consequências para a transgressão das leis aritméticas: “As pessoas podem, por exemplo, tentar desobedecer às leis aritméticas ao saldar as despesas no talão de cheques. Se o fazem, podem sofrer por isso. Há um tipo de justiça embutida na forma como as leis aritméticas levam às consequências."[7] Quando em aproximadamente 56 d.C. o apóstolo Paulo escreveu à igreja cristã em Roma, quis explicitar esse princípio: que o mundo criado, em todos os seus aspectos (ex: numérico, moral, biológico, etc.) revelam o caráter do Criador, e por isso se torna um ponto de contato entre o crente e o seu Senhor. Os atributos de Deus que são invisíveis “[...] assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas."[8] A matemática utilitária, baseada em uma visão impessoal das leis aritméticas, não pode nos proporcionar a experiência do conhecimento de Deus na natureza. Ela só pode dizer o que é, não o “por que” é. Contudo, como “[...] Stephen Hawking indicou em um aforismo muito citado, encontrar uma resposta a 'por que é que nós e o universo existimos' é 'conhecer a mente de Deus'."[9] Quando incluímos Deus no processo do conhecimento matemático, compreendemos mais da matemática e mais de Deus. Por fim, quais as consequências práticas desse tipo de ensino teísta da matemática? Imagine um aluno que pergunte ao professor a razão pela qual 1+1=2 e recebe uma resposta própria da abordagem utilitária e impessoal: 'porque é' ou algo do tipo. O aluno será submetido a um conhecimento pobre, impessoal da matemática, e a compreenderá como uma ciência totalmente desorientada de sentido espiritual e moral. Mas, quando “[...] um aluno faz a mesma pergunta a um professor, e recebe uma resposta típica de uma abordagem transcendente - 'que 1+1=2 porque vivemos em um universo ordenado, criado por um Deus pessoal' - então ele é submetido a um conhecimento integrado e pessoal, que fortalece a possibilidade de analogias para outras áreas mais complexas e mais significativas da existência."[10] O aluno entra em uma atmosfera de conhecimento que é capaz de expandir toda a riqueza de sentido e significado da matemática, como reflexo do ser de Deus que criou as leis matemáticas, dotou o aluno de entendimento e, finalmente estabelece, pelo mundo criado, uma relação direta com o estudante. Assim, o matemático pode fazer cálculos para glória de Deus.

 



[1]POYTHRESS, Vern S. Redimindo a matemática: uma abordagem teocêntrica. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2020. pp. 35.

[2]Ibidem, p. 21.

[3] Ibidem.

[4]“Na revelação geral, Deus faz uso do curso natural do fenômeno e do curso natural dos eventos [...].” Herman Bavinck, As Maravilhas de Deus. São Paulo: Pilgrim Serviços e Aplicações; Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2021. p. 67.

[5]POLKINGHORNE, Cross-Traffic between Science and Theology, p. 146.

[6]POYTHRESS, Vern S. Redimindo a matemática: uma abordagem teocêntrica. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2020. p. 23.

[7]Ibidem, p. 27.

[8]Romanos 1.20.

[9]MCGRATH, Alister. Uma teoria de tudo (que importa): uma breve introdução a Einstein e suas ideias surpreendentes sobre Deus. São Paulo: Mundo Cristão, 2021. p. 118.

[10]FONTES, Filipe Costa. Você educa de acordo com o que adora: educação tem tudo a ver com religião. São José dos Campos, SP: Fiel, 2017. p. 38-39.

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


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