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O que não é fé (parte III): a descrição cientificista da fé em Atkins


Por: Fernando Razente
Data: 11/10/2021
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Definições equivocadas sobre o que significa “fé” não são elaboradas somente no contexto das ciências sociais, como a Filosofia (Kierkegaard) e a Psicologia (Freud). Quando as ciências naturais aplicam a orientação teórica cientificista — a noção de que os métodos naturalistas são capazes de explicar tudo[1] — acabam por reduzir indevidamente noções fora de sua área à descrições meramente naturais e absolutizar sua categoria de análise. O artigo de hoje pretende exemplificar esse cientificismo aplicado à noção de fé na figura do eminente Peter William Atkins, famoso e prolífico químico britânico,  produtivo escritor de livros didáticos populares de química usados no Brasil em cursos de Química, além de membro e fundador de sociedades educacionais de alto nível. Portanto, trata-se de um pensador de enorme envergadura e importância para a ciência. No entanto, poucos sabem que Atkins é um ateu fervoroso. Sua cosmovisão ateísta está baseada na sua compreensão sobre a natureza da própria ciência. Para Atkins, a ciência é onipotente e pode explicar tudo (posição clássica do cientificismo). Atkins parte de uma visão equivocada dos limites e capacidades da ciência para uma visão equivocada da fé. Tanto é que já declarou que “[...] ciência e religião são coisas quase completamente incompatíveis”. Para Atkins, a fé (ou a religião) é nada mais que um subterfúgio diante da incapacidade intelectual dos fiéis de explicar o mundo corretamente. Os cristãos e demais religiosos usam a fé como uma muleta ao invés de se desafiarem ao conhecimento rigoroso da realidade. A fé é como um disfarce, algo inventado para encobrir a vergonhosa falta de entendimento do mundo natural dos que creem. “Basicamente, a religião diz: ‘O teu cérebro é demasiado insignificante para compreender, nunca compreenderás. Há apenas a possibilidade de poderes perceber depois de morreres.’ Eu prefiro o conhecimento deste lado do túmulo.”, disse Atkins. De fato, se a ciência é mesmo onipotente como diz Atkins, ele está certo em dizer que a fé é um mero acessório de leigos. Mas, a ciência simplesmente não pode explicar tudo (!), e parte de sua limitação é complementada pelas explicações de outra esfera, a esfera da fé. Em um interessante e histórico debate com o filósofo e teólogo Dr. William Lane Craig, Dr. Atkins afirmou enfaticamente sua crença de que a fé é nada mais que um senso de solidão à luz da ciência moderna[2], pois a ciência, diz Atkins, é onipotente: “[...]Tudo aquilo que a religião afirma que Deus pode fazer pode ser explicado pela ciência. [...] Não há necessidade de um Deus, porque a ciência pode explicar tudo. [...] Eu posso entender porque as pessoas acreditam em Deus. É um senso de estar sozinho, é um senso de perplexidade, um senso de pressionar as pessoas por poder. [...] Tudo no mundo pode ser entendido sem precisarmos invocar um Deus.” O que aconteceu na mente de Atkins no processo de relação entre fé e ciência para chegar à essa conclusão? Acredito em duas razões: 1) a “despessoalização” da ciência e 2) a “desnaturalização” da fé cristã. O primeiro tropeço de Atkins foi refletir incorretamente sobre a natureza da ciência (ou da química de forma mais específica). Atkins não via nada de transcendental na ciência. No entanto, conforme argumenta o Dr. Vern S. Poythress[3] em seu livro Redimindo a Ciência[4], as propriedades da química e da física demonstram tal proporcionalidade, simetria e encadeamento que se torna impossível combiná-las com uma visão ateísta de mundo[5]. Ou seja, por um lado não é possível conciliar a natureza da ciência com o ateísmo e por outro, não é possível retirar da ciência sua característica transcendental e pessoal. Poythress insiste no fato de que a compreensão equivocada da natureza de algumas leis científicas (ex: leis físicas como leis racionais, mas impessoais) nos levam a deificação da lei científica, quando, na verdade, sua característica de racionalidade é uma evidência de um atributo de uma pessoa, daí a pessoalidade da lei científica. Logo, uma lei universal e pessoal é muito mais coerente com a visão cristã do mundo que crê em um Deus pessoal e que criou todas as coisas, inclusive a regularidade do mundo material através de leis fixas. O segundo tropeço de Atkins — a “desnaturalização” da fé cristã — foi resultado de sua compreensão equivocada da natureza da ciência chegando à noção de fé como uma preguiça intelectual. O Dr. John Lennox[6] chamaria a atenção para o fato de que cientificistas, para dizerem que a fé é um senso de perplexidade diante do mundo sem poder explicá-lo, precisam necessariamente primeiro olhar para a crença a partir da noção de um “Deus das lacunas”. Como assim? Em seu livro A Ciência pode explicar tudo?, Lennox argumenta que se definirmos a crença em Deus como uma forma de “disfarce da realidade para encobrir nossa ignorância” (ex: um acobertamento das leis naturais, como havia na Mitologia da Grécia Antiga) é certo que a ciência aparece como algo mais racional. Todavia, o problema da visão de Atkins e demais cientificistas está exatamente nessa definição equivocada de crença, nessa “desnaturalização” da fé[7]. A fé cristã  não é um acobertamento da realidade natural; a fé é uma forma de conhecimento espiritual, mas que se comunica também com a realidade natural, pois compreende Deus como o Criador e Mantenedor das leis naturais. Portanto, a crença cristã está longe de ser um senso de perplexidade sem explicação para os eventos naturais que impeça o florescimento do conhecimento científico. Ao contrário, exatamente por ver Deus como Senhor e Criador, a fé cristã funciona como um motor que impulsiona esse conhecimento científico. Através da fé cristã, a ciência ganha um brilho inigualável, o mesmo brilho que surgiu nos olhos de Isaac Newton (1643-1727) ao contemplar a beleza da criação de Deus de seu telescópio: “Do meu telescópio, eu via Deus caminhar! A maravilha, a harmonia e a organização do universo só pode ter se efetuado conforme um plano de um ser todo-poderoso e onisciente.”

 

 



[1]Cientificismo ou cientismo é a tendência intelectual ou concepção filosófica de matriz positivista que afirma a superioridade da ciência sobre todas as outras formas de compreensão humana da realidade, por ser a única capaz de apresentar benefícios práticos e alcançar autêntico rigor cognitivo.

[3]Bacharel em matemática pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia e Ph.D. em matemática pela Universidade de Harvard e professor de Interpretação do Novo Testamento no Westminster Theological Seminary.

[4]Capítulo 21: Uma abordagem cristã da física e química, p. 425-460.

[5]“No século XIX, os experimentos químicos passaram a mostrar que muitos elementos combinavam com coerência em proporções fixas. A água, por exemplo, é H20: isso significa que ela contém dois átomos de hidrogênio (H) para cada átomo de oxigênio (O). O metano é CH4: ele contém quatro átomos de hidrogênio para cada átomo de carbono (C). O dióxido de carbono, CO2, contém dois átomos de oxigênio (O) para cada um de carbono (C). Por mais incrível que pareça, os químicos desenvolveram todos os relacionamentos sem sequer ver os átomos individuais. [....] Deus colocou diante de nós uma maravilhosa coleção de belos relacionamentos nos fenômenos de ligações químicas e a tornou simples o suficiente para que, pelo trabalho paciente, os químicos pudessem descobrir proporcionalidades elegantes mesmo antes que formássemos o conceito da estrutura atômica.”

[6]Lennox é um matemático, filósofo da ciência, apologista cristão e professor de matemática da Universidade de Oxford.

[7]Por desnaturalização da fé, quero dizer a tentativa de explicar a fé em termos estritamente transcendentais e metafísicos, sem que ela tenha relação com a ciência e com a realidade imanente da vida.

Fernando Razente

Amante de História, atuante com comunicação e mídia, leitor voraz e escritor de artigos de opinião e matérias jornalísticas.


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