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*Herculanum Ghirello e Fernando Razente

Através do uso de preciosas “lentes” históricas, podemos enxergar e descobrir, partindo do século XVI, que o tabaco não possuía a mesma conotação que tem nos dias atuais. Nos séculos passados o tabaco era considerado “uma das substancias culturalmente mais importantes da história humana”. Para uma noção de seu prestígio, algumas das mais significativas decisões políticas da América e da Europa foram tomadas tendo o ilustre tabaco como elemento essencial. Ao ser queimado, seja em charmosos cachimbos de madeira, em bitolas de charutos ou em cigarros miúdos, o tabaco deixava as salas de reuniões, os escritórios e outros locais entremeados de um peculiar perfume e uma imponente sombra de fumaça. A exemplo disso foi a Declaração da Independência dos Estados Unidos, em 4 de julho de 1776, que contava com fumantes de tabaco. Aliás, Thomas Jefferson (1743-1826) – um dos principais autores da declaração – era um produtor de tabaco.

Nos dias atuais, a indústria do tabaco, tendo como seu principal expoente os cigarros brancos (industrializados) teve uma grande queda em relação a seus consumidores, os fumantes. Isso devido aos diagnósticos médicos, as propagandas antitabagismo e os movimentos de patrulhamento social, que relacionam corretamente algumas doenças, como o câncer, com o hábito de fumar. Apesar disso, o hábito nem sempre foi rechaçado e os riscos nem sempre foram temidos e/ou conhecidos.

Desde que foi descoberto na América, no final do século XV, o tabaco foi ligeiramente implementado no menu social dos europeus, sendo chamado pelos exploradores da América de “Uma das delícias, e mimos desta terra...”. Seu uso nas regiões interiores da América já era muito apreciado pela cultura indígena. Na Europa, o tabaco era consumido em grandes eventos sociais, ou mesmo em momentos de reflexão íntima. O tabaco do gênero Nicotiana, posteriormente, começou a ser utilizado de diferentes maneiras, e até como prescrição médica.

De acordo com Daniela Calanca, em História Social da Moda, cheirar rapé foi uma das primeiras representações sociais do tabaco. Utilizado pela aristocracia, era fruto de requinte, adorno e ostentação. Não só o hábito de cheirar, mas para tal uso, eram necessários objetos e utensílios, como espécie de carretilhas e nécessaire.

A história do cachimbo vem em seguida, sendo o principal objeto usado durante os séculos XVII e XVIII para apreciar o tabaco. Neste período, houve uma considerável nascente de intelectuais que utilizavam o tabaco em cachimbo na Europa e na América. Alguns nomes muito conhecidos como o estadista inglês, Jorge Villiers, o primeiro presidente dos Estados Unidos da América, George Washington, o grande compositor, Johann Sebastian Bach e o pregador presbiteriano escocês Rev. Ralph Erskine estão na lista da “turma do pipe” da época. Segundo o famoso professor de literatura Medieval e Renascentista em Cambrigde, C.S. Lewis, o século XVII foi marcado por um movimento religioso que, entre as muitas peculiaridades de seus adeptos, uma delas também era o deleite no tabaquear em cachimbo. O movimento reformista era e é conhecido até hoje como The Puritans [Os Puritanos].

Segundo os degustadores, a abordagem do tabaco pelo cachimbo é burocrática, lenta e sutil, sendo relacionada com a própria vida intelectual. Ou seja, para degustar o tabaco no cachimbo era preciso algumas virtudes e habilidades como paciência ao inserir o tabaco no fornilho, ritmo bocal para acender e manter a brasa queimando, cuidado com a temperatura e sutileza no baforar, bem como no desempenho das funções acadêmicas que exigem certa paciência na reflexão, cuidado hábil na escrita, ritmo na leitura e sutileza nos remates.  É também muito comum que pessoas lembrem logo do sagaz personagem, Sherlock Holmes, ao ver alguém com um cachimbo na boca. A relação entre o cachimbo e o estereótipo intelectual vale a reflexão.

O pastor Uri Brito e o missionário Joffre Swait em Fumando cachimbo de modo cristão: uma introdução ao Santo Incenso (2014) nos revelam ao longo do livreto certa relação da pratica filosófica com o hábito de fumar cachimbo, sendo que “Os fumantes de cachimbo são normalmente associados a figuras contemplativas e acadêmicas.” Com o uso do cachimbo, o indivíduo saia da inercia mental desempenhada por tal atividade, geralmente escrita e leitura.

Além disso, o cachimbo é símbolo histórico da unidade de mentes brilhantes. Fumar cachimbo transcendeu fronteiras raciais, políticas e doutrinárias unindo, no rol de tabaqueadores, as mais particulares vozes da história da erudição, como C.S. Lewis (autor de As crônicas de Nárnia), J.R.R. Tolkien (autor de O Senhor dos Anéis), Karl Barth (notável teólogo reformado suíço), Rudolf Karl Bultmann (teólogo luterano alemão), G.K. Chesterton (jornalista e apologista católico), Hans Rookmaaker (professor de teoria da Arte, História da Arte filosofa e religião), Michael Oakeshott (teórico político inglês), Jacques Le Goff (historiador francês especialista em Idade Média)  e muitos outros dos quais ficarão de fora devido ao curto espaço que dispomos aqui. Estes experimentaram a mesma experiência de cachimbar, seja sobre suas anotações, nas salas e escritórios, em momentos de reflexão pessoal ou entre queridos confrades.

Com a modernidade do século XIX, é o charuto que passa a ganhar espaço nas práticas dos degustadores de tabaco. É um hábito mais prático, não envolve tantos rituais como o cachimbo e nem gasta o mesmo tempo com o preparo. O charuto é um produto que já chega pronto para o uso do consumidor. É, de certa forma, só acender e fumar!

Esse hábito é mais contundente com o estilo de vida de pessoas em uma cidade urbanizada e acelerada. O tempo nesses momentos se torna valioso. A praticidade de uma grande quantidade de tabaco disponível para ser usada em pouco tempo era e é a marca do charuto. Homens que tinham uma agenda cheia aproveitavam suas horas vagas fixas para tragadas de charuto. O charuto ficou socialmente conhecido através do uso feito por grandes figuras políticas, religiosas e acadêmicas. Algumas delas citamos aqui, como: Winston Churchill (1874-1965), estadista conservador e primeiro ministro do Reino-Unido. O britânico Charles Haddon Spurgeon (1834-1892), pastor batista calvinista, que pensando no fim do seu dia cansativo, dizia: “(...) eu pretendo fumar um bom charuto para a glória de Deus antes de ir para a cama hoje à noite.” e o historiador e filósofo político, tido como grande influenciador do conservadorismo norte- americano, Russell Kirk (1918-1994). 

Já na segunda metade do século XIX, aparece o cigarro, que será o símbolo máximo da vida acelerada. O tempo se torna cada vez mais curto, todavia os desejos dos degustadores permanecem os mesmos e com a mesma intensidade. Assim, o cigarro é feito para aliviar de modo imediato, efêmero e passageiro o indivíduo, se encaixando em rotinas frenéticas, como por exemplo, o cotidiano de homens na guerra. O cigarro torna-se umas das necessidades básicas dos soldados na cultura formada na Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945). Em alguns minutos de consumo, você já estava pronto para retornar aos seus afazeres sem perder tempo, e com o uso (ou vicio, em relação ao cigarro) feito/satisfeito.

Sem dúvida há muita coisa a ser dita sobre o assunto. As fontes sobre o tema são várias como objetos, imagens, além das narrativas que ilustram o uso do tabaco e que são valiosas e passiveis da análise histórica. Aqui, porém, ficaremos com uma brevíssima viagem pela memória do tabaco na história e seus quatro principais usos: rapé, cachimbo, charuto e cigarro, demonstrando a construção da simbologia, das relações culturais e do imaginário do ato de tabaquear.  

"E ao veres as cinzas serem lançadas fora, então deves dizer-te a ti mesmo, que ao pó tu deves voltar. Pensando assim, fumo tabaco." – Fragmento do poema “O fumo espiritual” do Rev. Ralph Erskine (1685-1752), ministro pastoral em Dunfermline em 1711.


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