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Elizete Forcadell: “A educação inclusiva no contexto das práticas escolares”


Por: Assessoria de Imprensa
Data: 02/10/2020
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Marcos Ayres Barboza *

 

As discussões sobre a educação inclusiva há muito tem sido alvo de um amplo debate. No entanto, ainda temos muitos desafios no atendimento das pessoas com necessidades especiais e/ou específicas no contexto social e escolar, principalmente no que se refere à distância existente entre a teoria e a prática. A perspectiva da educação inclusiva compreende a educação especial como parte da escola regular, tendo a escola como um espaço para todos. Ela favorece a atenção à diversidade, e isso implica em considerar que todos os alunos poderão ter necessidades específicas em algum momento de sua vida.

Para falar sobre o tema, entrevistamos Elizete Pinto Cruz Sbrissia Pitarch Forcadell. Ela é professora Universitária com a disciplina de Língua Brasileira de Sinais e Tradutora/Intérprete de Libras do IFPR - Instituto Federal do Paraná, campus Paranavaí.

Mestre em Ensino Formação Docente Interdisciplinar (2017) pela UNESPAR campus Paranavaí, com a pesquisa - O Ensino de Libras na Universidade: Políticas, Formação Docente e Práticas Educativas. Especialista em Psicopedagogia Institucional e Clínica em Educação Especial na Área da Surdez - Libras e no Atendimento Educacional Especializado. Licenciada em Pedagogia e em Letras com Habilitação em Libras. 

Tem Magistério, certificação em Proficiência no Ensino da Libras (PROLIBRAS). Coordenou o Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidade Específicas (NAPNE) durante 6 anos no IFPR, campus Paranavaí. Participa como membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Especial e Inclusiva (GEPEEIN) do IPFR inserida na linha de pesquisa “O currículo e suas implicações no processo de inclusão escolar”.

Na entrevista a seguir temos a oportunidade de abordar a temática da educação inclusiva. A Profa. Elizete há muito tem trabalhado no contexto escolar sob uma perspectiva inclusiva e defende a educação como um direito de todos. Certamente, sua experiência na área, muito tem a contribuir com a prática educacional em defesa de uma educação pública de qualidade para todos.

Em sua opinião, qual o papel da escola na inclusão de alunos especiais? E da família?

A iniciativa da garantia da matrícula dos alunos com necessidades especiais nas escolas é, sem dúvida, importante, porque, sobretudo, atende ao princípio fundamental do direito de todos à educação. Entretanto, isso não basta. Se não houver coerência entre o que é dito e o que é feito, se as ações pedagógicas docentes não estiverem voltadas para o aluno real, se a escola não (re)construir seus espaços de diálogo principalmente com as famílias, considerando as diferenças que envolvem o ato educativo e que constituem saberes distintos, serão promovidos outros tipos de exclusão.

É preciso avançar com a escola inclusiva, entendendo que essa prática se baseia na aceitação das diferenças individuais, na valorização de cada pessoa e na aprendizagem por meio da cooperação. Portanto, a escola precisa rever seu papel, seu currículo, suas concepções. Isso não deve significar uma imposição que, possivelmente, culmine em um trabalho mal sucedido, mas em um resultado da transformação do ensino. 

Quais as principais dificuldades enfrentadas por professores e escolas no processo de inclusão? Como superá-las?

A educação inclusiva coloca todos nós, professores, alunos, profissionais inseridos no contexto educacional, famílias e sociedade diante de dois dilemas principais, a meu ver a falta de informação e de formação. Veja, estamos vivenciando os processos que estruturam a inclusão escolar desde a década de 90, quando essa temática passou a ganhar notoriedade na Conferência Mundial de Educação Especial em 1994 em Salamanca.

Sabemos que não é fácil para a escola de um modo geral lidar com toda essa diversidade, pois no momento em que essa escola precisa formar esses alunos ela se vê sem informação e sem formação para promover com êxito a formação do seu aluno com necessidade especial. Para muitos educadores é necessário aprofundar seus conhecimentos para conseguir adequar suas intervenções pedagógicas específicas ao seu aluno, mas o momento atual não permite tempo para ampliar esses conhecimentos. Esses e outros obstáculos como o número excessivo de alunos numa mesma turma, as barreiras arquitetônicas, sociais, comunicacionais, a falta de profissionais de apoio escolar, além de recursos pedagógicos, adaptação, flexibilização curricular e tecnologia assistiva disponível tornam-se também obstáculos para ser transpostos.

O que é necessário para incluir bem os alunos da educação especial?

O sistema educacional a partir dos novos direcionamentos da política nacional prevê que o atendimento escolar dos alunos com necessidades especiais seja priorizado na rede regular de ensino, o objetivo maior é que haja convívio da diversidade no mesmo contexto escolar, com isso passamos a presenciar relatos de que esses alunos embora matriculados no ensino regular ainda assim não se sentem parte como sujeitos ativos desse meio. 

O professor da sala de aula regular com sua disciplina, hoje, continua sendo o professor titular da turma, mas ele não precisa “sofrer” sozinho, é de suma importância que haja articulações entre o professor de ensino comum e o professor de educação especial, pois esses dois profissionais, o primeiro com sua formação para ministrar sua disciplina e o segundo com sua formação específica para atuar junto aos alunos com necessidades especiais devem compartilhar juntos os seus conhecimentos, buscar executar um trabalho pedagógico colaborativo que contemple melhor o potencial de seus alunos. 

Precisamos pôr em prática o trabalho colaborativo multiprofissional nas nossas instituições de ensino, há a necessidade de uma inter-relação entre os diferentes profissionais, como no nosso caso temos: professor de educação especial, professor do ensino comum, profissionais de apoio escolar, psicólogo, assistente social, pedagogos, os quais devem ver o aluno com necessidade especial e/ou específica como um todo em uma atitude humanizada. 

É importante que as escolas participem ativamente do processo de inclusão de alunos especiais? Quais os benefícios que a inclusão traz tanto para os alunos especiais quanto para os demais?

Sim, a escola em seu processo maior de formação não tem como mais se omitir do processo inclusivo, muitos alunos com necessidades especiais e/ou específicas há um bom tempo estão sendo matriculados nas instituições educacionais regulares, sem dúvida um avanço no que refere a educação como direito de todos. Durante muito tempo entendeu-se que a educação para as pessoas com deficiência deveria ser organizada de forma paralela à educação comum, uma vez que essas pessoas não conseguiam ser inseridas e nem permanecer no sistema educacional regular. 

É possível perceber que, o princípio fundamental que rege as escolas regulares inclusivas é o de que todas as crianças, sempre que possível, devem aprender juntas, independentemente de suas dificuldades e diferenças. As escolas regulares inclusivas devem reconhecer as diferentes necessidades de seus alunos e a elas atender; adaptar-se aos diferentes estilos e ritmos de aprendizagem desses alunos e assegurar um ensino de qualidade por meio de um adequado programa de estudos.

No desempenho dessa função social transformadora, que visa à construção de um mundo melhor para todos, a educação escolar tem uma tarefa muito clara em relação à diversidade humana, trabalhá-la como fator de crescimento e envolvimento de todos no processo educativo, sabedores de que todos nós precisaremos de alguma forma ser incluídos, haja vista que, mesmo aquele aluno que não faz parte do público alvo da educação especial, ainda assim precisa de rearranjos no processo ensino e aprendizagem.

Você acredita que a inclusão pode contribuir para diminuir o preconceito? Por quê?

Essa é uma pergunta difícil de ser respondida, pois a inclusão se faz com muitas mãos, embora meu desejo é que de fato possamos viver numa sociedade igualitária, sei que a história da humanidade está de certa forma enraizada e marcada por inúmeras situações de exclusão, discriminação e preconceito.

É preciso sempre lembrar que a construção de um sistema educacional inclusivo é responsabilidade minha, tua e de todos que fazem parte da sociedade e que a escola regular é considerada um dos meios mais eficientes e eficazes para combater as atitudes preconceituosas e discriminatórias, na tentativa de oferecer educação de qualidade a todos.

Os desafios da inclusão devem ser vistos também para além das pessoas com deficiências, é pensar na inclusão como fator social, todos, sem exceção vivenciam ou vivenciarão alguma necessidade de ser incluído em uma determinada fase de sua vida.

Não são somente as pessoas com deficiência que precisão ser incluídas, qualquer um de nós, cedo ou tarde, em situações diversas precisaremos ser incluídos também, sendo assim, eu enquanto sujeito social participante ativa dessa sociedade tenho o dever de acreditar que a inclusão, embora se desdobre a passos lentos, é o caminho para minimizar preconceitos, romper com paradigmas. 

É por meio dessas reflexões e discussões que seremos capazes de termos concepções conscientes de que todos nós que construímos a sociedade precisamos nos desfazer de nossos preconceitos e olharmos para o nosso próximo como capaz de ser sujeito ativo de sua própria história, independente da sua condição.

Qual o papel das instituições superiores na preparação de professores que vão atuar nessa área? Os novos professores já saem preparados para atuar na inclusão?

Sabemos da importância do professor participar da caminhada do saber com seus alunos, só assim conseguirão entender melhor as dificuldades e possibilidade de cada um. Infelizmente, há um pensamento errôneo com relação a essa formação no ensino superior, muitos querem uma formação que lhes ensine a dar aulas para alunos em suas mais diversas deficiências e/ou especificidades, porém, é necessário ressaltar que vamos lidar com a diversidade em nossas escolas, por isso, não há uma receita pronta, um currículo ou metodologia que abranja a todos.

Cada aluno deverá ser atendido na sua particularidade, posso receber uma formação para trabalhar com surdos, aprender sobre a língua, a cultura e as identidades desses sujeitos e me deparar na minha sala de aula com um aluno surdocego, percebo então, que novamente terei que dar sequência aos meus estudos, que o que aprendi não é mais suficiente nesse momento, é preciso ampliar meus conhecimentos.

Posso passar anos me debruçando a estudar sobre deficiência visual, aprender tudo sobre Braille, Soroban e Orientação e mobilidade, e receber a matrícula de um aluno que não utiliza Braille ou Soroban como recurso de aprendizagem; ou ainda ter que trabalhar com alunos com deficiência física, em que um precise de tecnologia assistida como órteses, próteses, e outro que só necessite de um profissional de apoio que o auxilie na sua locomoção, higiene e alimentação. 

Assim sendo, a formação do professor inclusivo requer o redesenho das propostas educacionais existentes e uma formação continuada que também muda a cada aluno que vamos trabalhar, ou seja, nos especializamos naquele determinado aluno, nas formas de atendê-lo, de ensiná-lo, como ele aprende, quais os recursos tecnológicos, acessíveis e humanos que ele precisa, como ele se desenvolve, quais as suas limitações, necessidades e potencialidades, quando recebemos outro aluno, mesmo que aparentemente tenha a mesma deficiência do aluno anterior, voltamos ao processo inicial, é um novo aluno, um novo jeito de lidar com ele, uma nova capacitação, uma nova meta de trabalho.

É importante que os professores das escolas comuns participem de cursos ou seminários para aprenderem a lidar com a inclusão?

Se por um lado, compreendemos a importância de tornar nossas escolas regulares cada vez mais inclusiva, por outro lado, temos que investir maciçamente e não descuidar da preparação e qualificação dos profissionais da educação. De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, o corpo docente, e não cada professor, deverá partilhar responsabilidade no ensino. 

A equipe gestora da instituição de ensino precisa estar atenta ao modo como os professores buscam aperfeiçoar seus conhecimentos pedagógicos, como reagem às novidades e aos novos contextos educacionais de ensino inclusivo, isso tudo, implica em ressignificar o papel do professor, da escola, da educação e das práticas pedagógicas. 

Não é uma tarefa fácil, se compreendermos os cenários educacionais que atualmente estamos inseridos, o professor tem ficado quase que o tempo todo em sala de aula, não há investimento para que ele possa buscar uma formação de qualidade, são difíceis ou inexistentes os momentos de encontros entre o professor de sala de aula comum e o professor de educação especial, para planejamento, estudos de caso, métodos de avaliação, adaptação de materiais, flexibilização curricular, trocas de experiências e conhecimentos, estudos sobre tecnologias assistivas que caracterizam o ensino colaborativo, todos esses impedimentos acabam fazendo com que o professor tenha que planejar sozinho em um espaço fora da escola e acabam por aplicar ou replicar um trabalho superficial. 

A senhora considera importante a formação continuada na área de educação especial?

Ao se discutir sobre a educação especial inclusiva faz se necessário entender que não são apenas as limitações oriundas das deficiências que podem prejudicar o processo de aprendizagem dos alunos, e sim, o fato de que ainda não vivemos em uma sociedade realmente inclusiva, e que são muitos obstáculos que essas pessoas enfrentam, principalmente no cenário educacional. 

A formação continuada, permite-nos compreender que cada aluno em sua essência é único e necessita como tal ser atendido na sua necessidade, isso faz com que nos sensibilizemos com o aluno e compreendamos sua deficiência, buscando conhecer formas adaptativas que promovam o acesso aos conhecimentos escolares.

O professor ao planejar suas aulas pensando no aluno com deficiência que tem em sua sala de aula, por sua vez passa a buscar métodos de ensino que beneficiam a turma toda, não estamos falando de facilitar, simplificar ou empobrecer os conteúdos, muito pelo contrário, o que buscamos é a igualdade de oportunidades.

Desse modo, temos que aumentar as possibilidades de aprender em sala de aula, disso provem as várias formas que enquanto professor tenho que ter para ensinar ampliando a qualidade da educação que ofereço e não restringindo a poucos, nem diminuindo-a ou eliminando-a porque tenho um aluno com deficiência na minha turma.

 

 *Marcos Ayres Barboza é Psicólogo no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná - Campus Paranavaí. Doutor em Educação (2020) pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual de Maringá. Atualmente, coordena o Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas, do IFPR – Campus Paranavaí


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