Balas de banana e cachaça valorizam cidades históricas do Litoral
As balas de banana de Antonina e a cachaça de Morretes são marcas fortes das duas cidades históricas do Litoral do Paraná, que ajudam a valorizar a cultura da região. Elas têm em comum a fabricação caprichada e dedicada dos produtores.
De Morretes, Sadi Poletto fala com entusiasmo sobre a cachaça que leva o seu sobrenome durante uma visita guiada que não demora mais do que vinte minutos. Cada frase parece treinada, cada barril de carvalho emula uma história, e cada mínimo detalhe tem um porquê dentro da cachaçaria, onde antes a Faber Castell mantinha uma indústria de lápis.
"Morretes era um polo nacional de cachaça", "morretiano, veja só, é sinônimo de cachaça", "produzimos cachaça com grau de profissionalismo e cuidado pouco reconhecido no País", "temos que encarar a cachaça como um bom uísque, por que não?" e "poderíamos até mesmo ter uma Oktobertfest da cachaça por aqui" são alguns dos aforismas de Poletto.
E o que parece conto de vendedor de frases urgentes é, na verdade, uma declaração de amor de um catarinense pela cidade graciosa - e, vá lá, ao produto.
A cachaça tem registros de produção no Litoral paranaense desde 1733. No século 19, com a imigração italiana, mais de 50 produtores caseiros passaram a tirar da cana-de-açúcar a sua essência, rito que perdura até os dias de hoje, em menor quantidade, mas mais refinada. Não à toa, alguns dicionários brasileiros indicam o verbete morretiana como sinônimo do tradicional produto do Paraná.
MERCADO - Morretes lidera a produção de cachaça do Litoral e contribui com cerca de 30% de todo mercado estadual. A cidade de 15 mil habitantes conta com três produtores com todos os registros oficiais do Ministério da Agricultura e produz cerca de 10 mil litros por mês.
Poletto é um dos principais personagens da retomada dessa história e da conquista internacional das canas litorâneas, com os prêmios belgas que divide com a marca Porto Morretes.
“Morretes é o berço da cachaça, foi um polo de valor inestimável. Tínhamos 62 produtores dentro da cidade e registros documentados do século 16. Eu anseio por esse novo momento. Quero montar uma cooperativa da cachaça, algo com notoriedade, e fazer uma Okfoberfest da cachaça no Litoral”, diz Poletto. “Começando com caldo de cana, e oferecendo graduações alcoólicas de 0% a 40% para as pessoas, conforme o processo de degustação, nos mesmos moldes da cerveja. Mas infelizmente perdemos todo esse protagonismo para Minas Gerais, que tomou conta do processo de produção e dos bares”.
REFINADA - A casa Poletto funciona com visitação sem a necessidade de reserva antecipada e também como hotel. Essa é uma tentativa de explicar de perto a cultura, o plantio e o processo profissional de produção.
“Estamos trabalhando para trazer o Centro de Morretes para essa região rural. E a procura tem aumentado nos últimos anos, apesar de ser um trabalho mais difícil, com um modelo mais complicado. A Europa nos ensinou que cada uva dá um vinho, e que tal falar que cada cana-de-açúcar expressa uma cachaça diferente, com personalidade própria? É o que fazemos aqui na cidade”, conta Poletto.
Durante o tour, ele também explica que a casa procurou assessoria técnica para se especializar e refinar o produto. As canas são filtradas e os fermentos utilizados exigem água dionizada (neutralizada), além do controle de temperatura e de graduação alcoólica conforme as prerrogativas do Ministério da Agricultura e do Abastecimento.
A bebida passa por testes para garantir presença ínfimas de metais pesados, além de não sofrer adição de açúcar, conforme as versões mais populares. Todo processo foi auditado pelo Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar).
Algumas das suas cachaças são envasadas em barris de 225 litros de carvalho, araribá e amburana por até dez anos, e a exigência é alta. No ano passado, um lote inteiro de um modelo que adormecia há dez anos foi direcionado ao ralo porque o gosto final não se provou satisfatório para venda. “Temos que encarar a cachaça como um uísque ou um bom vinho, que são bebidas de porte. A cachaça deve ser alçada a essa categoria, principalmente porque temos esse histórico com ela. É uma luta que vale a pena travar”, afirma Poletto.
Na loja da cachaçaria, ele também vende licores de produtos locais como gengibre e banana, e a cachaça de cataia, que é uma planta típica do litoral paranaense. Aqueles que a sentem na língua chamam de uísque do caiçara. “Algumas pessoas ainda não descobriram essa planta, mas, sozinha, ela pagaria a dívida interna e externa de toda a América Latina”, brinca. A planta é utilizada, também, para cicatrizar ferimentos e para tratar problemas estomacais.
Foto: Arnaldo Alves / AEN.