O pós-graduando brasileiro durante a pandemia
Itamar Sateles de Sá*
Meu nome é Itamar. Atualmente curso o Mestrado em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), seguindo a linha de pesquisa: Análise Ambiental. Ingressei em março de 2019, com previsão de término em fevereiro de 2021. Bom, apenas previsão... Nesse texto pretendo comentar sobre os efeitos da pandemia de COVID-19 na vida dos pós-graduandos brasileiros (Mestrado e Doutorado). Vou usar como exemplo o meu caso particular e a minha rede de contatos.
Primeiramente, vamos situar-nos no tempo e espaço. Em 31 de dezembro de 2019, em Wuhan - China -, foi registrado o primeiro caso de COVID-19 no mundo. Essa doença infectuosa é causada por um novo coronavírus (Sars-Cov-2). Da China, a doença se espalhou pelo mundo e o primeiro caso registrado no Brasil foi em 26 de fevereiro de 2020. Em 11 de março a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a doença como uma pandemia. Isso significa que a COVID-19 já não era mais uma epidemia local ou regional, mas sim uma doença em escala global.
Atualmente, já são quase 35 milhões de contaminados em todo o mundo e pouco mais de um milhão de mortos. No Brasil, a primeira morte foi registrada em 12 de março e, na data em que vos escrevo, o país já tem registrado mais de 4,9 milhões de casos e pouco mais de 146 mil mortes. Dessa forma, o Brasil é o segundo país com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, e o terceiro com mais casos confirmados, atrás dos Estados Unidos e Índia, respectivamente. No Paraná, os primeiros casos foram registrados em 12 de março nas cidades de Cianorte e Curitiba. Atualmente já são mais de 183,7 mil casos e 4.574 mortes.
Essa pandemia mudou a vida e a rotina de todos. Hoje ouvimos falar muito do novo “normal”. E o que seria isso? São os novos hábitos e acessórios que passaram a ser frequentes no nosso dia a dia. A máscara ao sair de casa, as reuniões por videoconferência, também as entregas por delivery e o trabalho em home office.
Com a pandemia, inúmeras instituições de ensino superior em todo o país suspenderam suas atividades. A UEM, por exemplo, em 16 de março suspendeu suas aulas presenciais por tempo indeterminado para evitar a proliferação da doença. Essa medida afetou 3.700 estudantes de pós-graduação, segundo dados da própria universidade. A Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR) também suspendeu suas aulas, afetando mais de 12 mil alunos, principalmente da graduação. Até o começo de outubro as aulas continuam suspensas presencialmente em ambas as instituições, próximo de completar sete meses de anormalidade.
No entanto, os pós-graduandos tentam continuar de qualquer forma. Por enquanto, a pesquisa está sendo feita em casa. Lemos o que podemos e escrevemos o que podemos. No entanto, em muitos casos, para escrever precisamos de informações que são obtidas somente por pesquisas de campo ou em laboratórios.
No meu caso particular, minha pesquisa foi fortemente prejudicada. Para ter uma ideia, a data limite para a defesa da minha dissertação era 28 de fevereiro de 2021. Agora, estima-se que defenderei entre o final de maio e o final de agosto, sem prazo certo. Isso devido à impossibilidade durante vários meses de acessar os laboratórios da UEM, assim como de realizar atividades de campo nos municípios de Cruzeiro do Oeste e Tuneiras do Oeste, que costumam ser feitas em pequenos grupos. Além disso, posso acrescentar a indisponibilidade da biblioteca da instituição inicialmente, assim como as bibliotecas públicas municipais. Em algumas situações comprei os livros pela internet. Felizmente, em julho a UEM permitiu novamente o empréstimo de livros por meio de agendamentos online.
A pandemia também afetou os pós-graduandos – e demais estudantes que mudam de cidade para estudar – em relação à questão de moradia. Muitos estudantes pagam aluguel nas cidades que residem para estudar. No meu caso, durante o Mestrado eu estava residindo em Maringá. Com o início do isolamento social retornei à minha cidade, então, depois de três meses devolvi o imóvel. O motivo? Estava pagando aluguel mesmo não estando em Maringá e aparentemente as aulas presenciais continuariam suspensas até 2021. O valor era alto, R$ 600, 00 por mês em uma kitnet (cerca de 25 m²). Dessa forma, decidi entregar e, caso seja preciso, alugo outro imóvel no retorno à cidade.
Há também um amigo meu que se mudou de sua cidade para Maringá. Dessa forma, alugou um imóvel (cerca de R$ 800,00 mensais) e fechou contrato. Cerca de duas semanas depois as atividades presenciais na UEM foram suspensas. Era o início do isolamento social. Sendo assim, devido ao contrato, ele pagou aluguel durante uns quatro meses mesmo tendo retornado à sua cidade. Felizmente, depois de um tempo, ele entrou em contato com a imobiliária e conseguiu quebrar o contrato pagando uma multa menor da que estava prevista.
Além disso, há outros contratempos causados pela pandemia para os pesquisadores. Pós-graduandos que são pai e mãe, por exemplo, além de desenvolverem a pesquisa e, em muitos casos, trabalharem em home office, precisam cuidar de seus filhos e auxiliar em sua aprendizagem, que agora mais do que nunca precisa do auxílio dos pais. Além disso, há as demais atividades domésticas.
No entanto, quanto aos prazos, temos metas a seguir. Seja em relação à qualificação, créditos em disciplinas ou à defesa da dissertação ou tese. Caso não sejam cumpridos, os pós-graduandos são reprovados, dessa forma, podem ter que devolver à CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior – toda a bolsa que recebeu durante o curso, caso seja bolsista. O curso de Mestrado tem duração média de 24 meses e o de Doutorado de 48 meses.
Estudantes bolsistas de mestrado recebem uma bolsa de R$ 1.500,00 e os de doutorado R$ 2.200,00 mensais (último reajuste em 2013). Esse auxílio deve ser usado para que sobrevivam na cidade onde fica o Programa de Pós-Graduação (PPG) (alimentação, moradia, saúde, etc.) e para financiar a pesquisa (viagens, participação em congressos, compra de livros e insumos, etc.). Em troca, produzem ciência de ponta que contribui com o desenvolvimento do país, mesmo sem poderem trabalhar e não tendo nenhum direito trabalhista. Para termos ideia, boa parte dos cientistas brasileiros que pesquisam formas de combate ao coronavírus e outras doenças são estudantes de pós-graduação.
A fim de mitigar os impactos que a pandemia causou nos prazos dos pós-graduandos, a CAPES permitiu a prorrogação da bolsa e prazos de defesa dos estudantes inicialmente em três meses. Logo após, permitiu mais três, totalizando seis meses. No entanto, fica a critério de cada programa de pós-graduação permitir que o bolsista tenha essa prorrogação ou não, levando em conta alguns critérios.
Por sua vez, a pandemia também trouxe novidades. Na pós-graduação, por exemplo, passaram a ser frequentemente usadas as videoconferências. Minha qualificação, por exemplo, foi desse modo. Em um passado recente, isso era bem pouco provável. Além disso, as reuniões com o orientador e discussões com colegas do Mestrado também passaram a ser feitas por videoconferências. No meio acadêmico, popularizaram-se também os eventos científicos de forma online, os “Webinar”, e as lives e palestras online com certificação.
Portanto, a lição que nos fica é que devemos nos adaptar à nova realidade até o desenvolvimento de uma vacina para a COVID-19. Também, algumas coisas permanecerão depois do fim dessa pandemia, como é o caso das videoconferências e eventos online, não só no mundo da pós-graduação. Com isso, recordo-me de uma corrente epistemológica da Geografia: o Determinismo Geográfico de Friedrich Ratzel (1844-1904), geógrafo alemão. Segundo ele, as condições naturais é que determinam a vida em sociedade. O homem seria escravo do seu próprio espaço. Para mim é um pensamento não válido para o século XXI.
Realmente o coronavírus está “ditando” em parte a nossa vida em sociedade atualmente. No entanto, me identifico mais com o Possibilismo Geográfico de Vidal de La Blache (1845-1918), geógrafo francês. La Blache rejeitava a ideia preconizada por Ratzel, dizendo que o homem era capaz de se adaptar à natureza e influenciar também o meio, criando várias possibilidades. Trazendo para a atual pandemia vemos que, mais uma vez, La Blache estava certo: estamos nos adaptando à atual situação em que vivemos, criando alternativas e procurando o fim dessa adversidade, valendo-se principalmente da Ciência.