“Identidades docente”
Jan Carlos Berto dos Santos*
Ao longo da trajetória profissional docente, seja em início de carreira ou após anos de experiência, certamente o professor irá se deparar com os seguintes questionamentos: “professor, você trabalha ou só dá aula?” “Vá para outra área enquanto é jovem, ainda dá tempo de desistir”. Esta última quase sempre dita em tom de condolência acompanhada com um olhar de piedade.
Notoriamente, tais questionamentos para com os professores, tende a nos revelar um olhar tanto quanto simplista e muitas vezes, pautado no senso comum. Ao passo que desvincula o “trabalhar” do “ensinar”, como se a profissão professor, não fosse propriamente um trabalho. E olha que ser professor, é um ofício complexo e trabalhoso hein!
Acerca deste olhar, e de outras circunstâncias, parece-me que a profissão professor, encontra-se numa persistente “romantização precarizada” reforçada ainda pela falsa ideia e limitada do “ser professor por dom, vocação ou chamado”.
Chamo-lhe, caro(a) leitor(a), de imediato ao início destas linhas, atenção para o termo “identidades docente”, tendo em vista que a princípio este “jogo de palavras” entre substantivo e adjunto soam como discordância às regras básicas previstas na Língua Portuguesa. Entretanto, refiro-me as múltiplas facetas (identidades) desenvolvidas, exercidas e necessárias ao indivíduo (docente) ao longo de sua trajetória profissional, à medida que o auxiliará na (des)construção e (re)significação de sua profissão, seu papel na sociedade e consequentemente do olhar superficial que foi construído em seu entorno ao longo do tempo.
Ao falarmos em (des)construção da profissão professor, primeiramente, destacamos os estereótipos que pairam sobre a sociedade para com os professores, isto é, para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, temos a presença da “professorinha”, geralmente do sexo feminino e com cuidados quase parentais, e em determinadas circunstâncias maternais. Nos anos escolares seguintes temos a imagem fixa do professor do sexo masculino, meia idade, com seus óculos, apostilas, guarda-pó e intelectualmente preparado para instruir seus alunos aos conhecimentos técnicos e/ou científicos necessários para a vida acadêmica, social e profissional.
Neste horizonte, torna-se oportuno as seguintes reflexões: como (des)construir e (re)significar as “identidades docente?” Como as “identidades docente” podem ser entendidas à luz da sociedade? Professor, quem somos nós? E em quais lugares podemos chegar?
Bom! Parece-me fácil a resposta a esta última reflexão, isto é, o professor no exercício de seu ofício, e através do conhecimento pode chegar em diversos lugares, lugares até mesmo inimagináveis. Isso pois, através do ensino este profissional é capaz de desmistificar a superficialidade e as Fake News, acessar o imaginário, sonhos e metas de crianças e jovens, e os instruir em suas escolhas. Além disso, o professor pode chegar desde os locais mais humildes e precários, até os mais sofisticados, levando a reflexão entre crianças e jovens, à luz da sociedade, para a construção de um mundo melhor, em seus aspectos culturais, econômicos, ambientais, dentre outros.
Ainda assim, no cotidiano escolar ou no meio acadêmico, não é raro encontrar professores e pesquisadores que se pegam a pensar ou discutir acerca da temática: “identidades docente”, com isso, inevitavelmente, surgem frases como: “ao longo do tempo o professor vem perdendo a sua identidade”. A esse fato podemos levantar as seguintes reflexões: ao “perder” uma identidade docente, o professor estará sujeito a “adotar” outra? As múltiplas “identidades docente”, ocorrem de forma simultânea?
No mundo pós-moderno, este assunto, ou seja, identidade docente ganha maior relevância, e além da área da Educação, é possível obter um campo vasto de pesquisas crescentes na área da Psicologia, Antropologia, Sociologia, Filosofia e História. Tais pesquisadores se debruçam na busca pelo desenvolvimento do conceito de identidade numa perspectiva do sujeito, bem como da sua relação interna e externa.
Nesse sentido, situando a identidade na pós-modernidade, Hall (2006) destaca a capacidade de cada pessoa em assumir identidades distintas em diferentes momentos, reconhecendo tais identidades como não unificáveis ao redor de um eu coerente. Sendo ela construída, quer contra, quer a favor de algo, num processo contínuo de estar no mundo. Corroborando com esta ideia, Day (2007) afirma que o fato de o ensino exigir um esforço pessoal bastante significativo, as identidades pessoal e profissional se inter-relacionam.
Nesta perspectiva, me pego a pensar: em qual(is) momento(s) ao longo da carreira profissional, o professor estabelece essa inter-relação? Não estabelecendo essa inter-relação, o professor estará fardado à “(des)identidades docente?”
Na jornada profissional, torna-se imprescindível distinguir o “ser professor” e o “estar professor”, tendo em vista que, diversos fatores, tais como, o desprestígio da profissão (historicamente falando); a longa jornada de trabalho, que se estende além do trabalho; a defasagem salarial; bem como a preocupação com os “números” na “corrida maluca” para “vencer o conteúdo”; e satisfazer as estatísticas, tem levado muitos profissionais ao cansaço, desmotivação, desinteresse e a insatisfação pela profissão. E consequentemente, a perda da sua identidade docente.
O que nos leva a crer, que a (des)construção e a (re)significação da(s) identidade(s) docente(s) estão vinculadas ao sentimento de estabilidade dentro do que parece ser identidades fragmentadas, reconhecendo que o sucesso e a satisfação profissional “[...] estão intimamente relacionados ao sentido de identidade profissional e pessoal das/os professoras/es [...]” (DAY, 2007. p. 54), alinhados ainda ao sentimento da coletividade. Isso, pois segundo Silva (2007), “a experiência de ser reconhecida/o pelas/os outras/os é um aspecto fundamental na (des)construção da identidade docente, pois a identidade é mobilizada e explicitada no investimento da prática profissional, com a expectativa de reconhecimento pelas/os estudantes, colegas diretoras/es e outros membros da comunidade” (SILVA, 2007).
Desta maneira, podemos ter em mente que as “identidades docente” relaciona-se ao processo de construção dinâmica do indivíduo na profissão professor, e ocorre de forma simultânea a partir da combinação da sua biografia, das influências sociais, culturais e dos valores institucionais, permeando por processos de mudanças em concordância com os papéis desempenhados e as circunstâncias. Nesse viés, como a identidade docente está sujeita a constantes transformações, torna-se conveniente e adequado falar em tal dinamismo como sendo um processo identitário docente.
Mediante a pluralidade de aspectos acerca da temática “identidades docente”, compreendemos que a sua (re)construção e (re)significação é um processo dinâmico e que envolve um conjunto de relações do eu sujeito com o outro. É possível considerar ainda, que o eu pós-moderno é reflexivo, tem liberdade de escolhas, e com isso, pode representar novos perfis e papéis e estabelecer novas relações.
Sendo assim, acredito na possibilidade de mudanças de paradigmas tanto para o professor reivindicar sua identidade, quanto para a desestabilização da visão simplista da sociedade sobre a profissão professor que perdura por anos.
Neste sentido, ressalto a importância de espaços formativos, isto é, a formação inicial e/ou continuada, que possibilite ao professor o encontro consigo mesmo, a percepção do seu papel social, bem como a própria (des)construção e (re)significação identitária profissional, auxiliando-o a dar sentido à profissão, e desta maneira, refletindo na sociedade.
Jan Carlos Berto dos Santos* é mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência e a Matemática da Universidade Estadual de Maringá - UEM. Tem formação em Ciências Biológicas e Química. É especialista em Gestão Escolar e Educação Inclusiva. E professor de laboratório didático de Ciências da Natureza do Colégio Marista de Maringá.
Referências bibliográficas
DAY, C. A reforma da escola: profissionalismo e identidade dos professores em transição. In: FLORES, M. A.; VIANA, I. C. (Orgs.). Profissionalismo Docente em Transição: as Identidades dos Professores em tempos de Mudança. Braga: CIEd, 2007. pp.47-6.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 11 Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
OLIVEIRA, Andréia, M. P; RIBEIRO, Gabriel; SILVA, Patrícia, P. Quem somos nós? Reivindicando um construto para as identidades docentes. Revista Cadernos de Educação, nº 54. 2016.
O TEATRO MÁGICO. Eu Não Sei Na Verdade Quem Eu Sou. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=Hlj8EtVoRi8>. Acesso em 09 de junho de 2023.
SILVA, A. M. Ser professor(a): Dinâmicas identitárias e desenvolvimento profissional. In: FLORES, M. A.; VIANA, I. C. (Orgs.). Profissionalismo Docente em Transição: As Identidades dos Professores em tempos de Mudança. Braga: CIEd, 2007. pp.155-163.